domingo, 29 de outubro de 2017

A ÉTICA NA ECONOMIA E POLÍTICA EM MARCIANO VIDAL: DOS EVANGELHOS A PROPOSTA ÉTICA CRISTÃ NO SÉCULO XX

Comunicação apresentada no dia 06 do 10 de 2017, no XIII Simpósio Internacional Filosófico-Teológico “Em Busca do Bem Comum: Política e Economia nas Sociedades Contemporâneas” (Em processo de publicação)
Isaias Mendes Barbosa[1]
De modo prático o termo “Ética” nunca esteve dissociado dos termos “Economia” e “Política”, na origem e itinerário da vida cristã, assim como na sua relação com a sociedade em seus diversos períodos históricos. É por essa relação prática que a presente comunicação trata da Ética cristã no seu aspecto econômico e político a partir da perspectiva do teólogo moralista Marciano Vidal (1937-).  Se nos escritos evangélicos a Ética cristã se apresenta na perspectiva econômica e política voltada para a predominância da vontade de Deus e da salvação humana, nos diversos períodos da história tais perspectivas ganham sua especificidade, conforme as diversas situações e contextos históricos: ora orientando, motivando e integrando a civilidade e bem comum humano, ora se distanciando dos percursos históricos e até sendo desconsiderada pela sociedade. Porém tais situações não tornam menos relevante a contribuição que a Ética cristã, na perspectiva da economia e política, pode conceder á sociedade contemporânea. A partir da análise e reflexão da obra Moral de Actitude-III de Marciano Vidal, adjunto a obras e artigos complementares, presentamos aqui as seguintes pontuações: i) A Ética na Economia e Política: pontuações evangélicas; ii) A Ética na Economia e Política: dos primeiros cristãos ao século XX; iii) Orientações éticas sobre a Economia e a Política na Doutrina Social da Igreja; iv) Orientações éticas de Marciano Vidal para a Economia e Política do século XX.   A comunicação conclui que a proposta ética cristã não pode estar separada do seu aspecto econômico e político social. No aspecto econômico a ética precisa de atitudes utópicas esperançosas e um compromisso real, enquanto no aspecto política tal ética precisa estar voltada para a convivência social e o bem comum.
Palavras-chave: Vidal; Ética; Política; Economia.

INTRODUÇÃO

A moral social cristã constitui desde sua origem um vínculo temático com as questões que perpassam a vida, a história, a cultura e as relações humanas. Nesse universo existencial e civilizatório a Ética aos poucos se viu desafiada a responder, processualmente e construtivamente, as questões apresentadas pela sociedade nos seus diversos períodos históricos. Assim, a Ética cristã foi se fundamentando, constituindo e amadurecendo sobre duas dimensões fundamentais: a econômica e a política. Todavia, no início do cristianismo tais dimensões não eram experimentadas de modo estruturado, teorético e sistemático como contemporaneamente vêm acontecendo. Essa falta de sistematicidade orgânica e teorética justificam-se pela exclusiva pretensão do cristianismo na sua fundação histórica: anunciar Jesus Nazareno, vivente entre nós, morto e ressuscitado.
Apesar disso, observamos – na primeira pontuação – os elementos pertencentes às duas dimensões referidas que estão presentes nos Evangelhos sinópticos. O ponto de partida cristológico, a dinâmica bondosa da criação, as relações humanas fraternas espirituais e o imperativo da caridade perpassam a Ética cristã no início do cristianismo. Por conseguinte, de modo geral – na segunda pontuação – delineamos o percurso histórico da Ética em quatros períodos, a saber: no período greco-helenista, no patrístico, no medieval e moderno. A Ética cristã, nas duas dimensões, apresenta uma retomada dos seus princípios – base (como a caridade, a justiça, o bem e o bem comum) para responder, com discernimento, a cada período histórico. É importante considerar que cada período é caracterizado por questões gerais pelas quais a Ética se ver desafiada a refletir, sob a luz da palavra de Deus e da tradição cristã, para pode assumir uma postura ora sobre a dimensão econômica, ora sobre a dimensão política.
Na terceira pontuação apresentamos as orientações éticas da Doutrina Social da Igreja nas duas dimensões. Trata-se de orientações apresentadas pelos papas (Leão XIII, Pio XI e Pio XII, João XXIII e João Paulo VI) sobre as questões pertinentes às dimensões referidas. Neste sentido questões sobre a distribuição dos bens econômicos, do direito aos bens matérias, sobre a autoridade do Estado e a participação política cívica perpassam tal pontuação. Por fim – na quinta pontuação – destacamos as orientações éticas de Marciano Vidal diante da situação contextual do século XX.   Trata-se de um olha crítico e maduro sobre a necessidade do agir cristão na sociedade moderna. Em alguns pontos Vidal diverge daquilo que é apresentado até então pela Igreja, em outros pontos ele sintetiza aquilo que de relevante fez parte da tradição. A orientação ética apresentada por ele contempla a proposta de atitudes utópicas esperançosas, um compromisso real, a convivência social e o bem comum.
Tivemos como base central a obra Moral de Actitude-III, edição espanhola, de Marciano Vidal, adjunto a obras e artigos complementares. Por esse motivo todas as citações referentes à obra central serão traduzidas para o português pelo autor desta comunicação. As demais obras e artigos serão complementares para sustentar e corroborar a presente comunicação. A Ética na Economia e Política, isto é, na dimensão econômica e política, precisa cada vez mais de espaços de atuação e atualização para as novas questões contemporâneas, principalmente na realidade da América Latina.
Para facilita didaticamente as duas dimensões pelas quais decorreremos sobre a Ética cristã, dividimos as pontuações refletidas em duas subdivisões, dando primeiro destaque a dimensão econômica e seguindo a reflexão na dimensão política.

1.    A ÉTICA NA ECONOMIA E POLÍTICA: PONTUAÇÕES EVANGÉLICAS
1.1    A Ética na Economia: nos Evangelhos
A Ética cristã tem como um dos seus fundamentos teológicos os Evangelhos (VIDAL, 2003, p.279). Neles podemos encontrar uma Ética que atribui um significado teológico e transcendental aos bens temporais dentro do conjunto dos valores humanos. Assim, na perspectiva de Vidal, podemos trata da postura ética cristã sobre a economia, ou originalmente dizendo, sobre os bens temporais, em três aspectos: dentro do plano da salvação, na união entre os homens e no perigo das riquezas.
O sentido evangélico situa os bens temporais no plano da salvação, pois esta foi a dinâmica ética fundamental que moveu o cristianismo (Ibid., p.297). Neste sentido há uma continuidade da dinâmica apresentada no Antigo Testamento com o Novo. O caráter transcendental do amor de Deus se relaciona com os bens temporais como uma ação complementar da salvação:
Os bens criados têm de ser considerados como dons do amor de Deus. São ‘sinais’ da liberdade de Deus. Enquanto tais sinais: 1) manifesta a amorosa solicitude paterna de Deus para com os homens (cfr. Mt 5,45; 6,25-33; Lc 12,22-31; At 14,17; 2 Cor 9,8-11; 1 Tm 6,17); 2) manifesta outra doação superior de Deus; são sinais dos dons todavia maiores com que Deus abastece as necessidades da sua alma, [...]. Os bens materiais são preciosa complementariedade que Deus faz ao dom infinitamente do seu reino. (VIDAL, 1979, p.198)
            No segundo aspecto encontramos os bens temporais como meios para integrar, unir, criar e aprofundar a comum união entre os cristãos, uma comunhão espiritual que uni a todos os homens e mulheres. Há um valor específico aos bens temporais ou materiais que os evangelhos descrevem (HIGUERA, 1988, p.40). Tal valor, embora de modo não tanto explícito, se define como a caridade, expressa em João. A esmola, assim, se torna um dos meios pelos quais a caridade se manifesta:
Os três evangelhos, e de um modo particular Lucas, dão especial importância a esmola e as obras de misericórdia corporal como um elemento importante no seguimento de Cristo e para tomar parte no Reino de Deus: Mc 10,22; Mt 6,2-4; 21; 25,31-46; Lc 3,11; [...]. No que se pode precisar o alcance da esmola segundo a doutrina dos sinóticos: alguns textos falam simplesmente dessa obrigação; outros de uma doação da metade dos bens (Lc 3,11; 19,8) [...] Em geral se deve afirmar que “sendo a esmola uma forma de caridade, não tem mais medida, nem mais limite que a mesma caridade”. (VIDAL, 1979, p. 200)
            No último aspecto Vidal sustenta que a Ética cristã apresenta uma atenção especial para o perigo da riqueza. O Novo Testamento supõe que podem existir os ricos bons, porém é preciso uma orientação do modo como eles devem se comportar para agradar a Deus. Os três evangelhos sinóticos, e mais ainda Lucas, apresentam sobre os perigos da riqueza: da cobiça ou avareza (Lc 12,13-21). Lucas condena a avareza por se tratar de uma loucura, um ato inútil, já que não são os bens que asseguram a vida, mas Deus que a pode pedir a qualquer momento. Marcos enumera a cobiça entre os vícios (Mc 7,21-22). Em Lucas há uma recriminação para com os ricos (Lc 16, 1-13). 
1.2    A Ética na Política: nos Evangelhos.
A Ética cristã no âmbito político está presente, de modo não tanto explícito, no Novo Testamento. Ela nasce do caráter prático presente nos Evangelhos: “nasce do contraste da vida e se orienta imediatamente a configuração do comportamento” (VIDAL, 1979, p. 469). Todavia, só podemos delinear a Ética cristã, nas relações sociais – políticas inscritas nos Evangelhos, a partir de Jesus de Nazaré, pois é nessa dinâmica evangélica cristológica que se sustenta a ética cristã (VIDAL, 2003, p.109).
A postura política de Jesus se encontra diante da situação do “judaísmo da época. A nação judia havia perdido sua independência; possuía, entretanto, uma certa autonomia dentro do Estado romano. Persistia o ideal teocrático, segundo o qual a comunidade religiosa era coincidente com a comunidade política”(VIDAL, 1979, p.470).
Por outro lado tinha o movimento dos Zelotes, que era subversivo ao Estado. Frente aos ocupantes romanos todo judeu teria que tomar uma decisão a favor ou contrária ao Status quo. Jesus se situa nesse contexto, porém há uma corrente que tenta identifica-lo como Zelote. Sobre isso, Vidal acentua que se “tem dado razão para a resposta positiva; a) a condenação de Jesus como zelote; b) a pregação: ‘O Reino de Deus está próximo’; c) sua postura crítica ante Herodes, a quem chama ‘raposa’ (Lc 13,32)” (Ibid., p.470). Porém, também há nas atitudes de Jesus uma postura contrária aos Zelotes: “a) as palavras contra a violência (Mt 5,39ss); b) entre os Doze está um publicano (Mc 2,15; Mt 9,10); c) a atitude ante o capitão de Cafarnaum” (Ibid., p.471).
De modo mais coerente com aquilo que nos apresenta os Evangelhos, a atitude de Jesus se apresenta fora de uma revolução subversiva e fora um apoio ao império romano. Sua atitude se demonstra complexa por ela estar fundamentada em uma realidade superior da situação da época, a realidade do Reino (SCHILLEBEECKX, 2008, p. 154). Segundo Vidal:
Jesus tem uma atitude realista em seu ensinamento. Não é um exaltado desprovido de sentido da realidade. Ver-se, em primeiro lugar, nas comparações tomadas da vida real: da guerra (Lc 14,31ss); da administração (Lc 16,1-7); da justiça (Lc 18,1-5). Estas comparações [...] nos põe de manifesto seu sentido realista. (VIDAL, 1979, p.471-472)
            As atitudes de Jesus não são de caráter político, apesar de ter repercussão política; Jesus não é revolucionário, apesar de suas críticas aos ricos; não é voltado ao comunismo, apesar de apresentar o imperativo do amor como universal e comum; não é um pacifista, apesar de ser contrário à violência; não é um inimigo da cultura e da ciência, apesar de atacar os doutores legalistas judaicos. As referências de Jesus que são tomadas nos Evangelhos em relação à vida política são sintetizadas em quatro questões: a) as visões realistas que Jesus tinha da realidade: “‘sabeis que aqueles que vemos governar as nações as dominam, e os seus grandes as tiranizam” (Mc 10,42), b) a decisão política de Jesus a respeito do tributo a César: Jesus não confere a César a auréola de uma autoridade pela graça de Deus, c) a autonomia de Jesus diante de Pilatos, por reconhecer nele a vontade de Deus: “‘Não terias poder algum sobre mim, se não te fosse dado do alto” (Jo 19,11); d) a liberdade de Jesus diante de qualquer realidade política. A partir dessas questões é possível observar a postura ética cristã básica e propedêutica diante da política:
1.O Estado é uma realidade dentro da existência atual. Mas não pode se absolutizar (ou se totalizar). O discípulo de Cristo deve: dar ao Estado o que necessita para sua realização como elemento da condição presente, mas deve se opor a ele quando exigir o que é só de Deus. 2. Jesus está de acordo com os zelotes em reconhecer que o principal é o Reino de Deus; mas está em desacordo com eles quando afastam a existência do Estado como instituição profana [...]. 3. A condenação de Jesus foi juridicamente pela sua presumida condição de zelote. Os mártires cristãos serão condenados pela oposição a uma ideia totalitária do Estado. (VIDAL, 1979, p.474-475)


2.    A ÉTICA NA ECONOMIA E POLÍTICA: DOS PRIMEIROS CRISTÃOS AO SÉCULO XX
2.1. A Ética na Economia: dos primeiros Cristãos ao Século XX.
Nos escritos do Novo Testamento a Ética crista, sob o âmbito da economia, apresenta quatro princípios prévios que orientaram os primeiros cristãos no período greco – helênico: 1) o princípio de ‘aceitação’ da ordem econômica como bem e valor dentro de uma visão integral do homem; 2) o princípio de ‘humanização’ dos bens econômicos para edificar a justa convivência; 3) o princípio de ‘crítica’ ante toda situação de injustiça; e 4) o princípio de ‘utopia escatológica’ ao proclamar o valor da pobreza voluntária para realizar a comunhão plena. Esses princípios são uma síntese e núcleo ético por onde parte a postura crista, desde sua origem e no decorrer da história.
            No período patrístico a Ética se orientara não com facilidade sobre o âmbito da economia. Porém, por “razões de conteúdo a doutrina moral patrística acerca dos bens temporais pode ser unificada em torno de um núcleo temático: o reto uso dos bens econômicos” (VIDAL, 1979, p. 209). O apelo à distribuição dos bens como prática da caridade, a crítica à avareza, à luxuria, à usura e ao mau uso, ao débito, aos juros e a egoística privatização dos bens, constituem a posição ético-econômica que perpassou o cristianismo no período da patrística. Por conseguinte, na Idade Média temos a moral econômica voltada para o mercantilismo nascente: o problema da licitude de lucros ou da ganância. A Ética cristã tratará sobre o corporativismo mercantil e o individualismo comerciante. A justiça se debruça sobre as fraudes, a usura, o furto, a rapina, as relações de troca, de contratos e restituição de bens; sobre o direito da propriedade privada, sobre o trabalho, o comércio e os problemas de preço e salários (VIDAL, loc. cit.).
            Na Modernidade a Ética se situa diante do capitalismo financeiro e comercial (HIGUERA, 1988, p. 92). Neste sentido a moral se volta para o aspecto da justiça e do direito. João de Lugo e Domingo de Soto são personagens desse período que ajudam a compreender a Ética económica: o primeiro trata de uma justiça distributiva e comutativa, do domínio e restituição, o segundo aborda o tema da usura e juros, os contratos de compra e venda, de sociedade, de seguro e cambio. Alguns temas concretos como a valorização ética do comércio, do preço justo, dos impostos, fazem parte desse tempo. Todavia, no fim do século XVIII a ética casuística silenciará diante do mercantilismo e das outras questões econômicas (VIDAL, 1979, p.259). Ela se restringirá a repetir sobre os temas já apresentados na tradição.  
2.2. A Ética na Política: dos primeiros Cristãos ao Século XX.
No âmbito político a Ética foi se construindo pelos primeiros discípulos, apóstolos e seguidores de Jesus. Os textos do Novo Testamento marcam algumas posturas éticas frente a situação política social e a importância do Estado na mesma. Segundo Vidal, há um dualismo dialético cristão propedêutico que orienta a ética no universo político em relação com o Estado:
1. Deve dar lealmente ao Estado tudo o que seja necessário para sua existência. Deve combater o anarquismo e todo zelotismo dentro de suas filas. 2. Deve cumpri ante o Estado a função vigilante. Isto é: permanecer, por princípio, crítica ante todo Estado e preveni-lo das transgressões de seus limites. 3. Deve negar ao Estado que ultrapassa seu limite o que este pede dela no terreno da transgressão religioso-ideológica, e deve qualificar essa transgressão, valorosamente, como contrária a Divindade. (Ibid., p. 478)
            No período greco – helénico a Ética cristã está se integrando com a filosofia grega e o direito romano. O idealismo platônico assume uma função ética política pelo qual o Estado deve ser construído e se reger pela exigência do Bem Ideal, que forme o homem para a virtude, o conhecimento e a busca do Bem verdadeiro. Com o aristotelismo a ética política se embasa na realidade. Na sua ética o Estado-cidade é a comunidade que deve possibilidade o desenvolvimento dos cidadãos para o Bem Comum.
            Na época patrística Santo Agostinho sustenta um Estado que só tem razão de agir pela justiça que confessa o verdadeiro Deus. A “preocupação de Agostinho é definir o Estado por sua finalidade religiosa: promover oculto a Deus e cuidar dos bons costumes de modo que não ofenda a Deus verdadeiro” (Ibid., p.501). Na idade Média a Ética se destaca na figura de Santo Tomás de Aquino com a proposta de uma comunidade política que se baseia na realização do bem comum. Este é politicamente norma tanto para o estado como para o indivíduo. Há uma ligação com a ética cristã e a ação humana no Estado. “O homem encontra as regras do seu agir moral como indivíduos, como membros de uma família e como cidadão de um Estado (enquanto ser social) na sua natureza racional” (VEREECKE, 1997, p.571).
            Na Modernidade a Ética cristã se divide em dois horizontes: o protestante e o católico. Neste horizonte o Filósofo Cristão Suárez situa o Estado dentro de seus limites temporais: “O Estado é, pois, por razão de sua origem e de seu fim, uma realidade natural e temporal” (VIDAL, 1979, p.508). O “direito das gentes” demarca a motivação da eticidade política. No protestantismo a Ética política está voltada para o poder civil e a liberdade cristã.  Calvino é seu referencial (VIDAL, 2003, p.391) que relaciona a ética com diversos problemas da dimensão política como o sentido da autoridade, o modo de exercer a autoridade com justiça e as formas de governos (VIDAL, 1979, p.513). Da Modernidade em diante temos um certo distanciamento da Ética cristã com o mundo político que, com a ilustração se tornou aos poucos secular.   

3.    ORIENTAÇÕES ÉTICAS SOBRE A ECONOMIA E A POLÍTICA NA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA
3.1. Orientações éticas sobre a Economia na Doutrina Social da Igreja.
Além de todo o aparato teológico-filosófico e histórico sobre a Ética no âmbito econômico, com atenção especial, destacamos as orientações éticas na Doutrina Social da Igreja. Nesta a Ética apresenta um esboço eclesiológico sobre os problemas do mundo econômico social entre o século XIX e XX.  O que se destaca na moral econômica das encíclicas sociais é a preocupação dos Papas pela “situação sócio – econômica criada pelo capitalismo na qual as distâncias entre ‘ricos’ e ‘pobres’ se tornam mais profundas; nasce o ‘proletariado’ como classe cada vez maior e menos favorecida; as condições de trabalho se desumanizam” (Ibid., p.269).  
Segundo a Encíclica Marter et Magistra (1961) apresenta sobre a situação dos trabalhadores:
Assim, enquanto uns poucos acumulavam imensas riquezas, grandes multidões de trabalhadores padeciam, dia a dia, maiores privações. Os salários eram, efetivamente, insuficientes para cobrir as necessidades vitais, e, por vezes, não bastavam nem para matar a fome. As péssimas condições de trabalho punham em perigo a saúde, a moral e a fé religiosa dos trabalhadores; sobretudo as crianças e as mulheres eram submetidas a desumanas condições de trabalho; sempre ameaçador o espectro do desemprego; a família, sujeita a contínuo processo de desintegração. (MM, n.13)
Pio XI na Quadragesimo Anno (1931) e João XXIII na Mater et Magistra (1961) retomarão a Rerum Novarum tanto para descrever a situação econômica marcada pelo capitalismo como para apontar princípios de solução. Segundo Vidal, Pio XI acentua que o valor do trabalho deveria estar em função da dignidade humana, segundo a equidade e justiça; o Estado deveria intervir em função do bem comum e melhoria das condições de vida do operário; na relação entre proletariado e capitalistas: o princípio da solidariedade e fraternidade é o fio condutor para resolução.  Já Paulo VI, na Populorum Progressio (1967), orienta a questão econômica para um desenvolvimento integral do ser humano e a todo ser humano (n.14).
Por fim o Concílio Vaticano II apresenta na Gaudium et Spes (1965) sobre as exigências de um desenvolvimento econômico integral humanitário (n.63), para diminuição da desigualdade social. Isso impõe mudanças em todos os âmbitos da vida humana. O documento insiste numa maior liberdade e democratização econômica, sob o princípio da justiça e equidade.
3.2. Orientações éticas sobre a Política na Doutrina Social da Igreja.
Do mesmo modo, na Doutrina Social da Igreja a Ética política concede suas orientações, tendo como referênciais os Papas Leão XIII, Pio XII e João XXIII.  Este último, na Pacem in Terris (1963) apresenta a exigência das autoridades políticas estarem submissa à moral (n.47), ao bem comum, com responsabilidade; e à livre escolha democrática dos cidadãos para escolher seus governantes, a forma de governo, os procedimentos e limites da atuação da autoridade (n.52). Com Pio XII o tema da democracia é desenvolvido amplamente. Na Octogesima Adveniens (1971) Paulo VI afirma que a participação dos cidadãos na vida política está embasada na aspiração da igualdade e participação (n.24). A temática da democracia com o bem comum também se encontra na Gaudium et Spes (n.74) do Concílio Vaticano II.
Ainda na Gaudium et Spes a ética política apresenta a necessidade do pluralismo político – com a criação de partidos em função do bem comum – contra a injustiça, a opressão, o absolutismo e a intolerância (n.75).  Entre os números 57 e 77 da Gaudium et Spes há a justificação de uma comunidade política como necessária para a comunidade civil. Todavia quando a comunidade política abusa do poder que foi-lhe concedida, a população tem o direito e dever de resistência (n.79). O Estado é assumido com uma forma histórica temporária. A postura cristã se demonstra contrária ao Estado totalitário. Este deve agir para o bem comum, a subsidiariedade humana. 

4.    ORIENTAÇÕES ÉTICAS DE MARCIANO VIDAL PARA A ECONOMIA E POLÍTICA DO SÉCULO XX.
4.1 Orientações éticas para a Economia no século XX
          Segundo Vidal acentua, a Ética no âmbito econômico pode oferecer algumas orientações gerais do ethos cristão na Economia. Porém as exigências iniciais não estão fundamentadas no interesse contemplativo, mas na urgência de ação que transforme a realidade. Neste norte dois espaços interconectados e de transição são expostos: o da utopia e o do realismo. Por eles deve passa a Ética-econômica para a humanização social. No primeiro espaço Vidal apresenta cinco postulados que devem seguir a Ética cristã:
A força ética dos cristãos, a nível de reflexão e a nível de vida testemunhal, deve exercer sua influência dentro da linha alternativa à sociedade capitalista e à sociedade coletivista, [...] – Pelo que respeita as relações com o capitalismo, os cristãos – enquanto grupo humano e religioso – têm de romper até a aparência de conivência e justificação em respeito a um sistema econômico que, em expressão várias vezes citada por Paulo VI, “não traz a paz, não traz a justiça” e “continua dividindo os homens em classes irredutivelmente inimigas”. [...] Nós cristãos temos que repudiar o capitalismo como sistema válido para o futuro. [...] – Concretizando um pouco mais a orientação, temos que pedir ao ethos cristão que rechace a propriedade privada capitalista, colocando-se deste modo no programa de luta proclamado por Paulo VI contra a “unilateralidade da posse dos meios de produção”. [...] – Uma economia humana tem que ser, na atualidade, uma economia planificada. Porém, o que os cristãos têm de pedir e realizar é uma planificação democrática. Para que realmente seja “democrática”, a planificação “exige a presença de todos os grupos sociais na elaboração, exercício e controle”. [...] – Em coerência com algo essencial de sua cosmovisão, os cristãos têm que situar-se sempre e em toda situação do lado dos oprimidos. Esta opção transforma os critérios, os objetivos, os meios e a estrutura da atividade econômica. (VIDAL, 1979, p.385-387)
            Tais atitudes ideais configuram a forma não ingênua e revolucionária para teleologia ética da economia: a humanização da atividade humana. Tais postulados concordam com uma visão global sobre o ethos cristão.  Porém para completar tais imperativos socais é preciso algumas atitudes realistas para atender as situações existenciais, dinâmicas a problemáticas da realidade. São quatro os aspectos que devem ser vistos na sua praticidade:
Testemunho de uma vida marcada pela justiça. O cristão tem que fazer com frequência um exame de consciência e valorizar seu comportamento no âmbito da atividade econômica. [...] Tudo isso é importante, mas há um perigo em que podemos ver a justiça essencialmente como algo para que pratiquem outros e não nós. [...] Porém, a justiça começa comigo e nas minhas relações com o outros. Justiça tem haver com meu trabalho, meu negócio, minhas relações comerciais, minha profissão, meu tipo de vida. [...] – Revisão continua do estatuto jurídico da propriedade, do benefício, da imposição fiscal e demais instituições econômicas. O cristão tem que pedir para si e para os demais uma permanente revisão dos ordenamentos jurídicos em relação com a realidade econômica. [...] – A igualdade e a participação, “formas ambas da dignidade do homem e de sua liberdade” no momento atual, tem de considerar-se como os grandes objetivos a conseguir nas realizações concretas da economia. [...] – Ao distanciar-se do modelo capitalista e do sistema coletivista, o ethos cristão se sente atraído por uma economia de sinal socialista. Esta atração tem experimentado muitos cristãos durante este século. (Ibid., 1979, p.387-388)
          Os cinco postulados e os aspectos da praticidade englobam o vínculo estreito que se deve ter entre o norte ideal pelo qual a Ética cristã pode se fundamentar e discernir os princípios de praticidades. Os aspectos práticos possibilita um contato mais coerente e realista com as realidades complexas da Modernidade, no âmbito econômico. Neste sentido é que a orientação teológica ética de Vidal oferece passos que se apresentam como luzes necessárias e claramente urgentes para as questões éticas na Contemporaneidade.   
4.2 Orientações éticas para a Política no século XX
            No âmbito Econômico a Ética apontada por Vidal apresenta alguns percursos de atuação. De antemão podemos dizer que os quatros aspectos práticos da ética-econômica são úteis para o âmbito da Política. Porém, além destes é preciso, de modo prévio, explanar quatros pontuações que deve orientar a política na sua eticidade do bem comum, na dimensão universal da convivência sócio-política.
A primeira é as relações sociais jurídicas internacionais que fazem parte da realidade global, porque os problemas humanos estão em última instância em escala internacional e não somente setorial. Essa pontuação tira o risco do reducionismo da práxis ético – política. Para tal efetivação na dinâmica político – social, o caráter universal e imperativo do amor cristão passa a ter relevância decisiva nas relações humanas.
Nessa dinâmica imperativa se acentua a segunda pontuação: a afirmação de uma consciência universal da humanidade pela qual apoia a esperança da mensagem cristã. Não se trata de uma imposição dos aspectos éticos da mensagem cristã para os diversos perfis e modos de vida humanos, mas da prévia, porém confiante, convicção de que a consciência humana pode chegar a um nível comum de verdade e caminho ético. Isso é possível tanto pela racionalidade humana que tende para a verdade, como pela própria luz divina que ilumina a consciência humana para o mesmo caminho do bem comum.
O terceiro ponto está no âmbito valioso das relações políticas e sociais de caráter ético: a convivência universal. Tal posição faz parte da necessidade e identidade do próprio ser humano, o relacionar-se e conviver. A Ética cristã, assim, possui um norte pelo qual os seres humanos utilizam a dimensão política como meio e não como fim em si memo. Nesse aspecto o quarto ponto se reporta para a efetiva unidade gênero humano pela associação desinteressada entre as diversas nações, isto é, uma aproximação global da moral internacional.  
Por fim, no aspecto que interage a Ética cristã, no âmbito da Política, está à transformação social para sua humanização. Neste percurso fica a questão se na esfera da atividade social e política, a revolução seria o ideal para tal mudança, ou então a evolução. Na análise teológica Vidal sintetiza:
[...] acreditamos que o ethos social cristão está essencialmente aberto à mudança social e o propicia como uma exigência ética fundamental. Por outra parte, a ética cristã não “absolutiza” nenhuma forma de mudança social; admite as mudanças evolutivas e as mudanças revolucionárias, introduzindo nelas sua carga crítica-utópica. O crente tem que viver sua coerência ética tanto dentro da evolução com da revolução; o apoiar uma ou outra depende de opções que têm de ser pensadas segundo as possibilidades de justiça que oferecem as situações histórico-concretas.  Sem embargo, no momento atual, a estimativa ética cristã tem posto de relevo o flanco revolucionário do cristianismo. (Ibid., p.641)

CONCLUSÃO

Em linhas gerais apresentamos as características e percursos que a Ética cristã realizou ao longo da história, sob duas dimensões, a saber: a econômica e a política. É importante explicitar que ao longo desse processo a Ética vai se transformando e conseguindo, conforme as suas possibilidades e princípios fundamentais, oferecer um caminho ou orientações tanto para os cristãos como para os que são de outra opção religiosa ou nenhuma. Essa abertura processual da Ética é observada e classificada como positiva. Porém, podemos dizer que a pesquisa nos direciona para cinco conclusões que podem iluminar a Contemporaneidade. 
A primeira está na origem e fundamentação da Ética cristã. O Evangelho, ou melhor dizendo, as Sagradas Escrituras continuam sendo uma luz que inspira a Ética cristã na sua relação com as outras Éticas que se apresentam atualmente. Não se trata de um fundamentalismo, mas de um ponto de partida de onde emanam as decisões mais complexas e difíceis hoje. Todavia, o diálogo com a tradição e com as questões contemporâneas são outros dois veículos pelos quais a Ética cristã não pode ignorar na sua postura, nas duas dimensões referidas.
Atualmente a Ética cristã não pode ignorar as questões, no âmbito econômico e político, que atentam contra as linhas fundamentais do cristianismo, isto é, contra o bem comum, a dignidade humana, a justiça, o amor e a paz. Tais elementos não podem ser ignorados quando nos relacionamos, falamos e agimos, na contemporaneidade, com os diversos setores e expressões de poder no mundo civil.
No terceiro ponto consideramos a proposta Ética de Vidal como inspiradora para a práxis na América Latina. A Ética precisa de atitudes utópicas esperançosas e um compromisso real com a sociedade. Ela também precisa estar voltada para a convivência social, uma evolução continua e uma revolução profética que possibilite aos cristãos agir conforme o espírito de sua fé, pois de outro modo a Ética cristã estaria fadada ao fracasso ou a uma mera ação revolucionária social.
O quarto ponto seria a necessária abertura para o diálogo transparente e construtivo com as outras Éticas civis, e multifacetárias, que temos contemporaneamente. Não se trata para a Ética cristã de uma mescla ou submissão às outras Éticas, mas de uma busca constante por crescimento e amadurecimento que se faz pelo diálogo sensato e transparente para o Bem Comum.
O quinto ponto é o desafio que a Ética cristã estar passando pelas motivações e práxis profética do Papa Francisco. Se Vidal apreende um norte ético cristão para o século XX. Tal norte está em concordância com o que Francisco apresenta nos seus documentos. Isso significa que as intuições de Vidal precisa ter uma força maior e maior amadurecimento pelas renovadas linhas de ação éticas nos documentos de Francisco. Atualmente a Ética cristã carece de um maior desenvolvimento e maturidade nas duas dimensões tratadas. Mas tal desenvolvimento não pode estar fadado ao universo acadêmico e muito menos aos livros e obras teológicas, mas precisa cada vez mais estar encarnado na própria experiência cristã ética.

REFERÊNCIAS

BÍBLIA de Jerusalém: Nova edição, revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2015.
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[1] Graduado em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), discente do curso de Teologia na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE).  Estudante da Instituição Congregação do Santíssimo Redentor. E-mail: isaiasredentorista@hotmail.com.