A expressão Teologia Fundamental tem sua origem
conceitual disciplinar a partir do século XX, após o Concílio Vaticano II,
quando as primeiras obras publicadas pelos teólogos J. N. Ehrlich, A. Knoll, I.
L Guzmics, dentre outros, utilizaram a nova nomenclatura de Teologia Fundamental (KERN, 2004, p. 756)
para se reportar aos conteúdos essenciais da fé, aos elementos fundamentais e
fundantes da Teologia cristã. Porém, no seu aspecto conteudista a Teologia
Fundamental “nasceu da apologética clássica e de uma reflexão, feita por esta,
sobre a necessidade de reformar-se, sob pena de desaparecer” (FISICHELLA, 1994,
p. 949) na história. Essa reforma se deu para que a Teologia, inspirada nas
verdades essenciais da fé, continuasse respondendo de modo atualizado e contínuo
aos questionamentos e problemas que a sociedade lhe apresentava. Tais
questionamentos foram de grande contribuição tanto para a construção de uma
Teologia Fundamental, sobre a fé e vida dos cristãos na Igreja, como para a
civilidade ética e humanização processual da sociedade. Se por um lado a
Teologia Fundamental nasce da apologética, por outro sua inspiração se assenta
nas Sagradas Escrituras ou especificadamente na Primeira Epístola de Pedro
(3,15), onde ele afirma: “santificai a Cristo, o Senhor, em vossos corações,
estando sempre prontos a dar razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la
pede”. É partindo dessas considerações
que tratamos aqui sobre o percurso da Teologia Fundamental na história da
Igreja, nos seus diversos períodos de documentos conciliares, assim como na
realidade da América Latina.
Categorias
base da Teologia Fundamental
A Teologia Fundamental
pode ser resumida categoricamente em três palavras que se inter-relacionam:
Revelação, Fé e Credibilidade. A Revelação é a proposta de Deus uno e trino
para o ser humano (LIBANIO, 2004, p. 13). Trata-se da verdades de Deus
comunicada a nós e anunciada pelos profetas, plenamente realizada em Jesus
Cristo, transmitida e continuada pela Igreja, enquanto esta é espaço que acolhe
e conserva a boa nova de Deus. A Revelação se destina a salvação humana e nesse
aspecto ela é uma resposta aos anseios da humanidade, às perguntas que esta tem
(LIBANIO, 2004, p. 31). Sendo a Revelação essa proposta, a fé pode se defini em
dois aspectos: primeiro como uma adesão à Revelação, uma acolhida do que nos é
comunicado. E, por conseguinte, uma resposta de Fé (Creio) diante do revelado
(LIBANIO, 2004, p. 14). Neste segundo aspecto a Fé se torna ativa, pois envolve
a liberdade do ser humano para dizer “sim” com palavras e com ações ao projeto
de Deus. Portanto, trata-se tanto de uma fé aberta, que contempla e acolhe a
verdade de Deus (LIBANIO, 2004, p. 135), como uma fé prática, que atua no
compromisso social como resposta da verdade que lhe foi revelada (LIBANIO,
2004, p. 165). A Credibilidade que a Revelação possui e que, por conseguinte, a
fé confirma está em Deus mesmo. A Palavra de Deus merece fé porque é o próprio
Deus que a comunica e tal verdade revelada não pode contradizer ou negar a quem
nos fala: Deus. Dito de outro modo: a Revelação tem credibilidade em Deus mesmo que não pode se
contradizer e nem nos enganar (DH 3017). Pelo
aspecto da Credibilidade podemos perceber que a “Revelação e
fé constituem uma unidade profunda” (LIBANIO, 2004, p. 14), pois tanto a
Revelação como a fé são dons de Deus, assim como a Revelação implica a fé,
enquanto esta se realiza mediante a Revelação divina.
Períodos
históricos da Teologia Fundamental
Os conteúdos que
qualificam e especificam a Teologia Fundamental foram construídos e definidos
ao longo do percurso histórico da Igreja-comunidade-crente, na sua caminhada
com a sociedade cívica e na sua relação com as diversas expressões religiosas e
antirreligiosas que existiram em certos períodos históricos. No século I,
período em que o cristianismo germina e acontece a cisão com o Judaísmo, os
elementos essenciais de fé cristã se inserem com força na cultura greco-helenista.
Tais elementos primários e originários da Teologia dos primeiros cristãos se
apresentam nos escritos de caráter narrativo-catequético, como podemos ver nas cartas
Paulinas e no livro dos Atos dos Apóstolos. Em Atos 8,26-35 podemos encontrar
Felipe esclarecendo a fé cristã para o eunuco. Felipe ressalta o ponto central fé
cristã como chave de leitura para explicar ao Eunico o trecho de Isaias 53,7-8:
“Dirigindo-se Filipe, disse o eunuco: ‘Eu te pergunto, de quem diz isto o
profeta? De si mesmo ou de outro? Abrindo então a boca, e partindo deste trecho
da Escritura, Filipe anunciou-lhe a Boa Nova de Jesus”. É neste aspecto teológico-catequético
que se dá o querigma fundamental da fé cristã nos seus primórdios.
No século II, a saber,
da Teologia patrística, quando o cristianismo se expandia, ainda não como
religião oficial do império romano, houve grandes perseguições aos primeiros
cristãos. É desse contexto que a Teologia começa a se moldar com uma reflexão
de fé e com o discurso intuitivo pastoral, na figura dos Padres apostólicos como Clemente, Inácio, Policarpo, e dos Padres Apologistas como Justino, Taciano
e Teófilo, dentre outros. A Teologia cristã desse período ganha a base inicial
com o dogma cristológico-trinitário e as práticas sacramentais (LIBANIO; MURAD,
2011, p. 110). Do século III ao VI nos situamos na fase esplendorosa da Patrística
e no período de oficialização do cristianismo como religião obrigatória em Roma.
É o período de heresias cristológicas e de mistura da Teologia cristã com o
gnosticismo e outras correntes contrárias a doutrina cristã. A figura de Santo Agostinho,
Santo Ambrósio, Leão Magno e São Jeronimo, dentre outros, marca o esforço
teológico de se fazer inteligível, compreensível e racional a Teologia.
Trata-se da Teologia Fundamental na sua forma apologética da fé e na sua
refutação contra a heresias.
Na Idade Média que vai
do século VIII ao XV a Teologia assume outras formas de organização e recursos
argumentativos para uma melhor fundamentação da fé. Neste período os
comentários das Escrituras se tornam um dos pontos fortes da Teologia. Os
escritos aristotélicos influenciam a forma como a Teologia se fundamenta, isto
é, pelo instrumental racional apologéticos. Neste sentido as verdades teologais
são expostas em premissas e numa argumentação dedutiva lógica. Pelo viés da Disputatio a Teologia refuta os argumentos
contrários a sua sacra doctrina e se
auto afirma como Ciência. Vale ressaltar que só após esse período é que se
utiliza conceitualmente o termo Teologia para
os saberes referentes às coisas de Deus. A Suma
Teológica de Santo Tomas é um exemplo de como a Teologia se estruturou mais
categoricamente, discursivamente e metafisicamente (LIBANIO; MURAD, 2011, p. 111-116).
Tais recursos facilitaram para que a Teologia possuísse uma estrutura
sistemática mais elaborada acerca dos elementos importantes da fé cristã.
No período do Humanismo
renascentista a Teologia retoma os escritos antigos e dá ênfase ao estudo da
língua e traduções literárias. Os padres copistas da tradição medieval continuam
no seu trabalho de tradução e interpretação dos escritos bíblicos. Porém, há
uma preocupação maior com os saberes esquecidos pela tradição
escolástica-aristotélica, como a poesia, a literatura, a prosa e a filologia,
dentre outros. Há um valor relevante para com a cultura pré-cristã, um certo
relativismo religioso e uma teologia voltada para o aspecto antropológico, com
destaque nas experiências existenciais e culturais humanas. Nesse contexto os
teólogos Erasmo de Roterdão e Pico Della Mirandola observam saberes de outras
culturas e religiões em concórdia com o cristianismo. Mas uma figura emblemática
na Teologia é Martinho Lutero que na viragem do humanismo renascentista retoma
a Teologia, porém, fundamentada nos escritos bíblicos, na exclusividade de
Jesus Cristo como autor único de Salvação e na predominância da Graça na vida
do indivíduo. A postura luterana contribuirá para que na Modernidade e
Pós-Modernidade se observe no campo fundamental e sistemático da teologia as
Sagradas Escrituras e Jesus Cristo como a alma da Teologia.
No início da
Modernidade, do século XVIII em diante, a Teologia é questionada pelos
pensadores da dúvida. É o Iluminismo racionalista autônomo, as novas ciências
humanas que surgem (sociologia e psicologia), as correntes teológicas
protestante e reformistas, os diversos pensadores da dúvida, o secularismo e a
cultura ateia que se manifesta no ethos social. Nesse contexto os elementos
fundamentais e secundários da Teologia são colocados em questionamentos. E a
postura apologética da Igreja persiste na explanação de suas verdade
fundamentais e no decretar Anátema
para os que discordavam de sua postura e doutrina de fundamento teológico.
A Teologia
Fundamental no Concílio Vaticano II
Todavia, é no Concílio
Ecumênico do Vaticano II que a teologia muda de uma postura defensiva e
excludente do mundo e da sociedade moderna, para uma postura mais aberta,
ecumênica e dialogal. É no florir do século XX para o XXI que a Teologia muda,
não somente o seu discurso e postura, mas também a nomenclatura de uma Teologia
apologética para uma Teologia Fundamental.
Na modernidade e pós-modernidade conciliar a Teologia Fundamental assume o
estatuto semântico, conceitual-conteudista e disciplinar.
Do
Concílio Vaticano II à Contemporaneidade as questões referentes à Teologia
Fundamental tiveram nova reflexão teológica e filosófica, assim como uma
abertura dialogal às novas ciências que emergiram na sociedade e ao novo
aparato tecnológico-instrumental-científico moderno e pós-moderno. Porém, duas
tendências marcam a orientação da Teologia Fundamental: a primeira é a relação
da Teologia com a Antropologia, em que o sujeito da experiência se torna o
destinatário moderno e pós-moderno das verdades fundamentais da fé cristã. Essa
abordagem antropológica tem como expoente teológico o jesuíta Karl Rahner
(1904-1984). Para ele a Teologia se caracteriza como uma antropologia (LIBANIO,
2004, p. 32), pois a comunicação de Deus e a experiência humana possuem uma
correspondência.
A
segunda tendência se reporta à história. O mundo não se torna o lugar estranho
ou de negação humana, mas realidade histórica, o lugar onde o ser humano se
salva e onde a humanização acontece. Nesse sentido Rahner contribui na
construção de uma Teologia que sustenta que a história da salvação realizada
por Deus na história não é contraria à história da humanidade, mas se
identifica com esta. Isto é, que a história da salvação é a história da
humanidade. E que “é necessário dizer antes de tudo que a história do homem,
verdadeiramente entendida, [...] é precisamente a história dum ser
transcendental enquanto tal” (RANHER, 1965, p. 40). Tal história se relaciona
diretamente com a nossa fé e com o modo de ser humano na história. Por isso que
tal história faz parte dos elementos abordados na Teologia Fundamental.
A
Teologia Fundamental, na Modernidade do final do século XX para o século XXI,
assumiu na América Latina o seu aspecto histórico, cultural, social e prático,
como espaço importante de teologização. Deste modo a Teologia assumiu o
adjetivo de Libertação, a partir de uma inspiração bíblico teológica, na
leitura da realidade injusta, desigual e opressiva que se passou com a maioria
do povo do continente latino-americano: os pobres (LIBANIO, 2004, p. 50). A Teologia Fundamental tratou de seus
elementos categóricos- Revelação, Fé e Credibilidade- em relação com outros
elementos teológicos como o Reino, Mundo e a Libertação. Nesse período a
reflexão da teologia não se reporta predominantemente pela inter-relação
fé/razão, sustentada na Idade Média e até por Bento XVI, mas pela inter-relação
teoria/práxis. Esta inter-relação reflete: se realmente aquilo que se
acredita tem efeito e concordância com a pratica do cristão ou se é pura ideologia.
É nessa dialética que a Teologia tenta fazer um caminho coerente com suas
verdades fundamentais em sintonia com a realidade da América Latina.
A Teologia Fundamental a partir dos documentos da
Igreja das Conferências da América Latina
Após
essa necessária exposição do percurso da Teologia Fundamental desde sua
inspiração bíblica e histórica com a trajetória dos primeiros cristão até a
contemporaneidade, se faz necessário observar os conteúdos dessa Teologia
presentes em alguns documentos conciliares e nas duas conferencias da América
Latina (Medellín e Puebla) para percebermos como o aspecto tri-categorial (Revelação-Fé-Credibilidade)
da experiência teológica cristã marcou e delineou a Teologia Fundamental nos seus
conteúdos e no ato do crer cristão até hoje. O aspecto
tri-categorial se concretiza e se desenvolve em diversos períodos da história
da Igreja. Eles se expressam nos diversos documentos da Igreja.
Na primeira parte do
Concílio de Trento (1545-1563) encontramos nos documentos conciliares duas bases
de fundamentação da Teologia, a saber, nas sagradas Escrituras e na Tradição
(LIBANIO, 2004, p. 29). O Decreto sobre
os livros sagrados e as tradições a serem acolhidas (1546) vai se ocupar de
falar da natureza da Fé e relacionar a Revelação com o “Evangelho”, que deve
ser pregado “‘a toda criatura’ [Mc 16,15] como fonte de toda a verdade salutar”
(DH 1501), que conduz à nossa salvação e também é uma regra de costumes. Ora, a
verdade de tal Fé está contida nos “livros escritos e nas tradições não
escritas” (DH 1501). O Decreto trata
dos elementos fundamentais transmitidos pela Igreja como “a verdadeira e são
doutrina” (DH 1520). O aspecto da Credibilidade se situa no próprio Deus que é
autor do Antigo e do Novo testamento (DH 1501). A Revelação também se relaciona
com a Graça para a justificação do homem no Decreto
sobre a justificação (1547). Porém, tal Graça não anula o arbítrio humano
na sua adesão e resposta de Fé para a salvação humana. O significativo desse Decreto está na tensão entre a graça, a
predestinação e a ação humana diante das posições errôneas e contrárias da
reforma protestante. Tais ensinamentos se demonstram contrários à Teologia
Fundamental da Igreja.
No Concílio Vaticano I
(1869-1870) o aspecto tri-categorial da Teologia segue o recurso linguístico e
argumentativo escolástico-tomista. A tensão contextual está na legitimidade da
autoridade da Igreja, da infalibilidade papal, da explicação da fé católica e a
doutrina a respeito da Igreja de Cristo.
Na Constituição Dogmática “Dei
Filius” sobre a fé católica (1870) a perspectiva da Fé se situa no crê e
confessar que “há um [só] Deus verdadeiro e vivo, Criador e Senhor do céu e da
terra, onipotente, eterno, imenso, compreensível, infinito em intelecto.
Vontade e toda a perfeição” (DH 3001). A Revelação perpassou o segundo
capítulo, onde Deus se deu a conhecer pela via da razão humana, das coisas
criadas, pelo conhecimento das suas obras, “mas que aprouve à sua
misericórdia e bondade revelar-se à humanidade a si mesmo e os eternos decretos
da sua vontade, por outra via, e esta sobrenatural, conforme diz o Apostolo” (DH
3004). A Credibilidade não se situa somente na ação divina de Deus, mas na própria
condição humana que tem a possibilidade de encontrar-se com a verdade revelada,
pois a Revelação divina pode ser conhecida por todos, “com firme certeza e sem
mistura de erro, aquilo que nas coisas divinas não é por si inacessível à razão
humana” (DH 3005). Nessa dinâmica o documento expressa a relação entre fé e
razão: “Mas, ainda que a fé esteja acima da razão, jamais pode haver verdadeira
desarmonia entre uma e outra [*2776; 2811], porquanto o mesmo Deus que revela
os mistérios e infunde a fé, dotou os espírito humano da razão” (DH 3017). A
credibilidade também se situa em “crer ‘ser verdadeiro o que Deus revelou’”
(LIBANIO, 2004, p. 68)
Ainda no segundo
capítulo, a Revelação de Deus é intermediada pelos “profetas” e expressa pelo
“Filho” de Deus. A Revelação se situa 1) na relação com no conhecimento natural
de Deus, 2) no aspecto sobrenatural, 3) na dupla necessidade da revelação
sobrenatural, 4) nas escrituras e tradição e numa trajetória histórica e
cultural 5) da tradição para o magistério eclesial (THEOBALD, 2006, p.
228-238). O capítulo 3 trata
especificadamente da Fé. Nesta somos obrigados a prestar “plena adesão do
intelecto e da vontade” (DH 3008) a Deus que se revela. A Fé e razão estão em sintonia. A autoridade
e credibilidade de Deus que não pode se enganar e nem nos enganar é ressaltada.
Porém a postura de Fé não pode ser “um movimento cego da alma” (DH 3010), mas
sob a iluminação e a inspiração do Espírito Santo. O aspecto tri-conceitual da
Teologia demarcou a resposta da Igreja para os erros das três correntes da
Modernidade: o racionalismo, o materialismo e o ateísmo.
No Concílio Vaticano II
(1962-1965) estamos diante de outra realidade que exige da Igreja uma
reformulação teológica. A Teologia se situa numa necessidade de abertura para
com o mundo, com um aprofundamento da vida cristã, uma adaptação à nova
realidade “moderna”, para a promoção da unidade dos cristãos e o ardor
missionário da Igreja. A Teologia esboça seu aspecto pastoral, com uma
linguagem mais moderada e dialogal, porém sem desprezar os pontos essenciais do
crer cristão. A Constituição dogmática
sobre a Revelação divina “Dei verbum” (1965) foi a que mais tratou e
desenvolveu o tema da Revelação. A Dei
verbum subdivide-se em 7 capítulos, situando a Revelação nos seus princípios
fundamentais (LIBANIO, 2004, p. 31) até seu modo de atuação e relação na vida
da Igreja e do povo de Deus. De modo prevalente a Dei Verbum tratou da Revelação com a “sua plenitude e sua mediação
absoluta na Palavra feita carne, Jesus Cristo” (RIVAS, 2015, p. 323). Tal constituição
expressava uma abertura, diálogo e interação do Concílio com a Modernidade.
A Revelação é concebida
como uma autocomunicação de Deus (RAHNER, 1989, p. 180 Rahner), de um Deus que
se doa como Dom e Graça. Dessa relação comunicativa se desencadeia uma história
de salvação pessoal e da humanidade. Há um modo de pensar a Revelação como um
vínculo estreito de amizade com a criatura. “Mediante esta revelação, portanto,
Deus invisível [cf. Cl 1,15; 1Tm 1,17], levado por seu grande amor, fala aos
homens como a amigos” (DH 4203). O
aspecto da Fé está ligado à obediência “pela qual o homem livremente se entrega
todo a Deus, prestando ‘ao Deus revelante plena adesão do intelecto e da vontade’
e dando voluntariamente assentimento à verdade por ele revelada” (DH
4205). A Credibilidade se situa na
própria Palavra de Deus que se fez carne, o Verbo divino que comunica “e
consuma a obra salvífica que o Pai lhe confiou” (DH 4204). Por isso, “,
ao qual quem vê o Pai [cf. Jo 14,9]. Por toda a sua presença e manifestação por
palavras e obras, sinais e milagres, e especialmente por sua morte e gloriosa
ressurreição dentre os mortos e, enfim, pelo envio do Espírito de verdade,
realiza e completa a revelação, e confirma com testemunho divino de que Deus
está conosco” (DH 4204). A Teologia desse Concílio está objetivada no aggiornamento da mensagem cristã para
com as novas realidades modernas e pós modernas que surgem. A abertura da
Teologia, numa perspectiva ecumênica e dialogal, não deixa perder de vista a
essência e os fundamentos da crença e vida cristã.
Na América Latina pós
conciliar é possível considerar como relevante à Teologia Fundamental as duas
Conferências que marcaram significativamente a Teologia da América Latina, a
saber, de Medellín e Puebla. As Conclusões
da Conferência de Medellín (1968)
tiveram a finalidade clara de renovar e aproximar do homem da América Latina o
dom da Fé. A teologia de então acentuava a tomada de consciência das condições
de exploração, escravidão, pobreza e miséria. “Essa miséria, como fato
coletivo, é qualificada de injustiça que clama aos céus” (CCM, 2010, n. 1, p. 45).
A Teologia se fundamenta,
então, a partir da ação de Deus que “envia seu Filho para que feito carne,
venha libertar todos os homens, de toda as escravidões a que o pecado os
sujeita: a fome, a miséria, a opressão e a ignorância, numa palavra, a
injustiça e o ódio que têm sua origem no egoísmo humano” (CCM, 2010, n. 3, p.
46). O aspecto da Fé se situa nos princípios teológicos para uma pastoral e
religiosidade popular. A Fé e a Igreja “semeiam-se e crescem na religiosidade
culturalmente diversificada dos distintos povos. Fé, que embora imperfeita,
pode encontrar-se ainda nos níveis culturais mais inferiores” (CCM, 2010, n. 5,
p. 112). Na relação intrínseca da Fé com o Verbo, “a Igreja aceita com alegria
e respeito, purifica e incorpora à fé os diversos ‘elementos religiosos e
humanos’ que estão presentes nesse religiosidade como ‘semente oculta do Verbo’
e que constituem ou podem constituir uma ‘preparação evangélica’” (CCM, 2010, n.
5, p. 112). Na perspectiva da Conferência a “evangelização deve orientar-se
para a formação de uma fé pessoal, adulta, interiormente formada, operante e
constantemente em confronto com os desafios da vida atual” (CCM, 2010, n. 13,
p. 120).
É no âmbito da
catequese renovada que o documento expressa mais claramente a conexão da
Revelação com a vida humana, numa unidade integradora entre a salvação humana e
a história da mesma. Daí “deve-se expressar sempre a unidade profunda que
existe entre o plano divino de salvação, realizado em Cristo, e as aspirações
do homem [...]; entre a Igreja, Povo de Deus, e as comunidades temporais; entre
a ação reveladora do Deus e a experiência do homem” (CCM, 2010, n. 4, p. 126).
“De acordo com esta teologia da revelação, a catequese atual deve assumir
totalmente as angústias e esperanças do homem do homem de hoje, para
oferecer-lhe as possibilidades de uma libertação plena, as riquezas de uma
salvação integral em Cristo, o Senhor” (CCM, 2010, n. 6, p. 127). Tal afirmação
sobre a Revelação de Deus que se faz patente em Jesus Cristo, não somente é
válida para a catequese formativa da evangelização, mas para todo o povo de
Deus. Dai é possível perceber alguns princípios fundamentais da teologia que
impulsionam o compromisso com a realidade social da América Latina.
As Conclusões da Conferência
de Puebla
(1979)
se situam numa compreensão histórico-concreta da América Latina e da atuação da
Igreja na mesma. O aspecto da Teologia latino-americana trata “da comunicação
da Palavra e da Vida de Deus, que deve[...] ser luz e fermento de toda a vida
humana” (CCP, 1987, n. 2, p. 51). A Teologia não está embasada no aspecto
dogmático e nem pastoral, mas na incidência da evangelização no nosso
continente. O crer cristão se relaciona com a comunhão e participação do povo
na evangelização. É nesse percurso que podemos encontrar os elementos
fundamentais da Teologia Latino-Americana. Tal Teologia tem como base o
Evangelho. É a partir dele que podemos refletir para uma práxis transformadora
da realidade de injustiça e miséria da América Latina. Assim a Teologia atua
“num PROCESSO DINÂMICO E PERMANENTE de evangelização, de tal forma que todo o
cultural, o político, o econômico, o social, seja lido e discernido a partir do
Evangelho” (CCP, 1987, n. 5, p. 54).
A dimensão da Fé passa
pelo prisma da Política no sentido aristotélico de direito natural e compromisso
com a realidade social. A Fé insere o cristão “na realidade do homem
latino-americano, realidade essa que é expressa em suas esperanças, em seus
triunfos e suas frustrações. Impele-nos esta fé a discernir as interpelações de
Deus nos sinais dos tempos” (CCP, 1987, n. 15, p. 91). O aspecto da Revelação
de Deus, do livro do Êxodo e da Encarnação de Deus, em Jesus, está de modo
atualizado em vista da realidade do “coração dos vários países que formam a AL”
(CCP, 1987, n. 87, p. 105). Trata-se de “um clamor cada vez mais
impressionante. É o grito de um povo que sofre e que reclama justiça, liberdade
e respeito aos direitos fundamentais dos homens e dos povos” (CCP, 1987, n. 87,
p. 105).
A Revelação em Cristo é
“a verdadeira grandeza e só nele é que se conhece, em plenitude, a realidade
mais profunda do homem” (CCP, 1987, n. 169, p. 121). “Revela-nos Cristo que a
vida divina é comunhão trinitária. Pai, Filho e Espírito vivem, em perfeita
intercomunhão de amor, o mistério supremo da unidade. Daqui procede toda
comunhão, para grandeza e dignidade da existência humana” (CCP, 1987, n. 212,
p. 131). Em Cristo somos “iluminados pela fé, situamo-nos na realidade do homem
latino-americano. No aspecto da Credibilidade, é o Espírito de Cristo que
impele cada um a anunciar o Evangelho e que, no fundo da consciência, faz
aceitar e compreender a Palavra de salvação (CCP, 1987, n. 220, p. 133). A Fé
se encarna, assume as culturas e busca o Reino de Deus que se faz na luta por
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