A liturgia da igreja faz na primeira leitura do livro
de Samuel referência aos conflitos que se perpetuaram entre filisteus e hebreus
em Canaã e suas imediações. Samuel em orientação divina escolheu Saul para
governar e conduzir o povo escolhido por Deus. Porém, este povo passa por
perigo, uma vez que, os filisteus, povos guerreiros de boa estratégia militar,
estão nas proximidades e querem dominá-los. Em vista dessa situação de
conflito, outrora já ocorrido, Davi, jovem, ruivo e de bela aparência, respondendo pelo rei, com
uma fé confiante em Deus, elimina com uma pedra e uma funda o filisteu, guerreiro representante do povo filisteu. É importante observar neste contexto que o povo sempre mantém uma
relação estreita com Deus na sua história, tanto nos momentos agradáveis como
em outras ocasiões. Nosso Deus ai tem uma forte característica de guerreiro
libertador. Ou seja, é aquele Deus que luta com seu povo para libertá-lo de
todo tipo de escravidão. Infelizmente, essa característica está sendo esquecida
nos tempos atuais. Muito se fala e se pensa em um Deus que nos beneficia com
milagres, e num Deus que apenas se acredita, e nos dá o que queremos. O caráter
de compromisso com o Reino instaurado por Cristo, a idéia de liberdade e
responsabilidade, e a noção de comunidade participativa são aspectos de nosso
Deus que quase estão sendo esquecido. As relações atuais estão passando por um
artificialismo tão grande que inclusive as experiências de vida partilhada,
vida de oração e atitude de integração são coisas meio que inconsistentes. Ou
seja, não têm um valor de fato vivido e de comunhão. O espírito Santo mais
parece uma propriedade privada que nos auxilia quando bem queremos, quando na
verdade o sentido é inverso. Esse mau entendimento ou interpretação não acaba
com a religião, mas destrói a religiosidade humana. Pouco se observa as
palavras de Santo Agostinho que fala sobre Deus mais ou menos nestes termos em
“Confissões”: Senhor Tu contém todas as coisas, mas todas as coisas não te
contêm. Nisso se vê que Deus é muito mais que um ser divino milagroso, sua
vontade tem uma extensão não particular, mas universal, por isso a redenção
entra em termos humanos completo, ou seja, para todos que a aceita. Contudo, a
luta por dignidade, liberdade, compromisso; o amor partilhado, o valor humano,
as relações humanas maduras e a vida comunitária são os caminhos necessários
para bem se fazer presente Jesus, de fato enraizado, na nossa história.
O salmo 143 bem coloca a experiência de luta pela
vida com Deus na comunidade, quando diz: “Bendito seja o Senhor, meu rochedo, que
adestrou minhas mãos para a luta, e os meus dedos treinou para a guerra!”. Neste aspecto a fé é algo vivido,
partilhado e está a serviço da comunidade. Nos tempos atuais, mais reclamamos
da vida que levamos do que tentamos mudá-la. E muito pouco a partilhamos!
Partilhar um dom em comunidade parece mais criar inveja e discórdia do que
alegria de verdade. Os dons que se têm são mais observados para o bem pessoal
do que para o bem em comum. Essa noção egocêntrica não entra na lógica cristã, uma
vez que a nossa vida e tudo de bom que temos de Deus deve está ao nosso serviço
e ao serviço do outro. Daí, vemos a mutua participação da unidade com a
coletividade e o sentido desta na unidade. Essa espécie de vida recíproca é força
motriz do testemunho cristão tão vivido nas primeiras comunidades. É claro,
alguns conflitos são inevitáveis, até mesmo pela particularidade de cada
pessoa, porém a harmonia deve ser mantida, pois é pelo perdão, pela reconciliação
e pelo amor que somos conduzidos além de nossas limitações e tornamos de fato
pessoas livres. Essa é de fato a proposta cristã.
No evangelho de Marcos
Jesus toma a frente uma atitude de resgate a vida e a dignidade da pessoa,
quando cura um homem da mão seca. Muitos podem dizer: “ai tem um milagre!” Mas
veja! A questão da ação restauradora do homem está em função de algo anterior.
Marco coloca no contexto a ação de Jesus. A lei judaica manda guardar o sábado.
A compreensão que se tinha é que neste dia nada se podia fazer, nem de bom ou
ruim. Jesus critica esse pensamento e essa compreensão, pois a Lei dada por
Deus de forma alguma anula a vida. Pelo contrário, ele a confirma. Daí, fazer
essa ação de cura, não é nada mais do que certo. Outro ponto e não menos
importante de estreita relação a isso é que a pior ação de morte que se pode
ter é a de exclusão. Os doutores da Lei não se preocupam com a vida e muito
menos com a inclusão, fora a deles. Existe uma espécie de prioridade e exclusivismo
em suas ações cotidianas e compreensão de Deus. Jesus trás a primeira
compreensão de igualdade, quando chama o homem da mão seca para o centro. Ou
seja, nisso entra a importância da inclusão, e do projeto de salvação que é
para todos. O último tem tamanha importância quanto o primeiro. Por isso ele também
deve estar no centro. Sua cura, não entra só no sentido de milagre, mas no
sentido de tratamento. Ele deve ser visto e ser tratado com o mesmo valor que
qualquer pessoa. Nisso a doença e o pré-conceito não está em primeiro plano, más
a integração, a dignidade, a participação e o amor. Que possamos nos
transformar em pessoas mais humanas e expressivas do amor de Cristo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário