Comunicação apresentada no dia 06 do 10 de 2017, no XIII Simpósio Internacional Filosófico-Teológico “Em Busca do Bem Comum: Política e Economia nas Sociedades Contemporâneas” (Em processo de publicação)
Isaias Mendes Barbosa[1]
De
modo prático o termo “Ética” nunca esteve dissociado dos termos “Economia” e “Política”,
na origem e itinerário da vida cristã, assim como na sua relação com a
sociedade em seus diversos períodos históricos. É por essa relação prática que
a presente comunicação trata da Ética cristã no seu aspecto econômico e
político a partir da perspectiva do teólogo moralista Marciano Vidal
(1937-). Se nos escritos evangélicos a Ética cristã se apresenta na perspectiva econômica e política voltada para a
predominância da vontade de Deus e da salvação humana, nos diversos períodos da
história tais perspectivas ganham sua especificidade, conforme as diversas situações
e contextos históricos: ora orientando, motivando e integrando a civilidade e
bem comum humano, ora se distanciando dos percursos históricos e até sendo
desconsiderada pela sociedade. Porém tais situações não tornam menos relevante
a contribuição que a Ética cristã, na perspectiva da economia e política, pode
conceder á sociedade contemporânea. A partir da análise e reflexão da obra Moral de Actitude-III de Marciano Vidal,
adjunto a obras e artigos complementares, presentamos aqui as seguintes
pontuações: i) A Ética na Economia e Política: pontuações evangélicas; ii) A Ética
na Economia e Política: dos primeiros cristãos ao século XX; iii) Orientações
éticas sobre a Economia e a Política na Doutrina Social da Igreja; iv) Orientações
éticas de Marciano Vidal para a Economia e Política do século XX. A
comunicação conclui que a proposta ética cristã não pode estar separada do seu
aspecto econômico e político social. No aspecto econômico a ética precisa de
atitudes utópicas esperançosas e um compromisso real, enquanto no aspecto
política tal ética precisa estar voltada para a convivência social e o bem
comum.
Palavras-chave:
Vidal; Ética; Política; Economia.
INTRODUÇÃO
A moral social cristã constitui desde sua origem um
vínculo temático com as questões que perpassam a vida, a história, a cultura e
as relações humanas. Nesse universo existencial e civilizatório a Ética aos
poucos se viu desafiada a responder, processualmente e construtivamente, as
questões apresentadas pela sociedade nos seus diversos períodos históricos.
Assim, a Ética cristã foi se fundamentando, constituindo e amadurecendo sobre
duas dimensões fundamentais: a econômica
e a política. Todavia, no início do
cristianismo tais dimensões não eram experimentadas de modo estruturado,
teorético e sistemático como contemporaneamente vêm acontecendo. Essa falta de
sistematicidade orgânica e teorética justificam-se pela exclusiva pretensão do
cristianismo na sua fundação histórica: anunciar Jesus Nazareno, vivente entre
nós, morto e ressuscitado.
Apesar disso, observamos – na primeira pontuação –
os elementos pertencentes às duas dimensões referidas que estão presentes nos
Evangelhos sinópticos. O ponto de partida cristológico, a dinâmica bondosa da
criação, as relações humanas fraternas espirituais e o imperativo da caridade
perpassam a Ética cristã no início do cristianismo. Por conseguinte, de modo
geral – na segunda pontuação – delineamos o percurso histórico da Ética em quatros
períodos, a saber: no período greco-helenista, no patrístico, no medieval e
moderno. A Ética cristã, nas duas dimensões, apresenta uma retomada dos seus
princípios – base (como a caridade, a justiça, o bem e o bem comum) para
responder, com discernimento, a cada período histórico. É importante considerar
que cada período é caracterizado por questões gerais pelas quais a Ética se ver
desafiada a refletir, sob a luz da palavra de Deus e da tradição cristã, para
pode assumir uma postura ora sobre a dimensão econômica, ora sobre a dimensão
política.
Na terceira pontuação apresentamos as orientações
éticas da Doutrina Social da Igreja nas duas dimensões. Trata-se de orientações
apresentadas pelos papas (Leão XIII, Pio XI e Pio XII, João XXIII e João Paulo
VI) sobre as questões pertinentes às dimensões referidas. Neste sentido
questões sobre a distribuição dos bens econômicos, do direito aos bens
matérias, sobre a autoridade do Estado e a participação política cívica perpassam
tal pontuação. Por fim – na quinta pontuação – destacamos as orientações éticas
de Marciano Vidal diante da situação contextual do século XX. Trata-se de um olha crítico e maduro sobre a
necessidade do agir cristão na sociedade moderna. Em alguns pontos Vidal
diverge daquilo que é apresentado até então pela Igreja, em outros pontos ele
sintetiza aquilo que de relevante fez parte da tradição. A orientação ética
apresentada por ele contempla a proposta de atitudes utópicas esperançosas, um
compromisso real, a convivência social e o bem comum.
Tivemos como base central a obra Moral de Actitude-III, edição espanhola, de Marciano Vidal, adjunto a obras e
artigos complementares. Por esse motivo todas as citações referentes à obra
central serão traduzidas para o português pelo autor desta comunicação. As
demais obras e artigos serão complementares para sustentar e corroborar a
presente comunicação. A Ética na Economia e Política, isto é, na dimensão
econômica e política, precisa cada vez mais de espaços de atuação e atualização
para as novas questões contemporâneas, principalmente na realidade da América
Latina.
Para facilita didaticamente as duas dimensões pelas
quais decorreremos sobre a Ética cristã, dividimos as pontuações refletidas em
duas subdivisões, dando primeiro destaque a dimensão econômica e seguindo a
reflexão na dimensão política.
1.
A ÉTICA NA ECONOMIA E POLÍTICA: PONTUAÇÕES
EVANGÉLICAS
1.1
A Ética na Economia: nos Evangelhos
A Ética cristã tem como um dos seus fundamentos teológicos
os Evangelhos (VIDAL, 2003, p.279). Neles podemos encontrar uma Ética que
atribui um significado teológico e transcendental aos bens temporais dentro do
conjunto dos valores humanos. Assim, na perspectiva de Vidal, podemos trata da
postura ética cristã sobre a economia, ou originalmente dizendo, sobre os bens
temporais, em três aspectos: dentro do plano da salvação, na união entre os
homens e no perigo das riquezas.
O sentido evangélico situa os bens temporais no
plano da salvação, pois esta foi a dinâmica ética fundamental que moveu o
cristianismo (Ibid., p.297). Neste
sentido há uma continuidade da dinâmica apresentada no Antigo Testamento com o
Novo. O caráter transcendental do amor de Deus se relaciona com os bens
temporais como uma ação complementar da salvação:
Os bens
criados têm de ser considerados como dons do amor de Deus. São ‘sinais’ da
liberdade de Deus. Enquanto tais sinais: 1) manifesta a amorosa solicitude
paterna de Deus para com os homens (cfr. Mt 5,45; 6,25-33; Lc 12,22-31; At
14,17; 2 Cor 9,8-11; 1 Tm 6,17); 2) manifesta outra doação superior de Deus;
são sinais dos dons todavia maiores com que Deus abastece as necessidades da
sua alma, [...]. Os bens materiais são preciosa complementariedade que Deus faz
ao dom infinitamente do seu reino. (VIDAL, 1979, p.198)
No segundo aspecto encontramos os
bens temporais como meios para integrar, unir, criar e aprofundar a comum união
entre os cristãos, uma comunhão espiritual que uni a todos os homens e
mulheres. Há um valor específico aos bens temporais ou materiais que os
evangelhos descrevem (HIGUERA,
1988, p.40). Tal valor, embora de modo não tanto explícito, se define como a
caridade, expressa em João. A esmola, assim, se torna um dos meios pelos quais
a caridade se manifesta:
Os três
evangelhos, e de um modo particular Lucas, dão especial importância a esmola e
as obras de misericórdia corporal como um elemento importante no seguimento de
Cristo e para tomar parte no Reino de Deus: Mc 10,22; Mt 6,2-4; 21; 25,31-46;
Lc 3,11; [...]. No que se pode precisar o alcance da esmola segundo a doutrina
dos sinóticos: alguns textos falam simplesmente dessa obrigação; outros de uma
doação da metade dos bens (Lc 3,11; 19,8) [...] Em geral se deve afirmar que “sendo
a esmola uma forma de caridade, não tem mais medida, nem mais limite que a
mesma caridade”. (VIDAL, 1979, p. 200)
No
último aspecto Vidal sustenta que a Ética cristã apresenta uma atenção especial
para o perigo da riqueza. O Novo Testamento supõe que podem existir os ricos
bons, porém é preciso uma orientação do modo como eles devem se comportar para
agradar a Deus. Os três evangelhos sinóticos, e mais ainda Lucas, apresentam sobre
os perigos da riqueza: da cobiça ou avareza (Lc 12,13-21). Lucas condena a
avareza por se tratar de uma loucura, um ato inútil, já que não são os bens que
asseguram a vida, mas Deus que a pode pedir a qualquer momento. Marcos enumera
a cobiça entre os vícios (Mc 7,21-22). Em Lucas há uma recriminação para com os
ricos (Lc 16, 1-13).
1.2
A Ética na Política: nos Evangelhos.
A Ética cristã no âmbito político está presente, de
modo não tanto explícito, no Novo Testamento. Ela nasce do caráter prático
presente nos Evangelhos: “nasce do contraste da vida e se orienta imediatamente
a configuração do comportamento” (VIDAL, 1979, p. 469). Todavia, só podemos
delinear a Ética cristã, nas relações sociais – políticas inscritas nos
Evangelhos, a partir de Jesus de Nazaré, pois é nessa dinâmica evangélica cristológica
que se sustenta a ética cristã (VIDAL, 2003, p.109).
A postura política de Jesus se encontra diante da
situação do “judaísmo da época. A nação judia havia perdido sua independência;
possuía, entretanto, uma certa autonomia dentro do Estado romano. Persistia o
ideal teocrático, segundo o qual a comunidade religiosa era coincidente com a
comunidade política”(VIDAL, 1979, p.470).
Por outro lado tinha o movimento dos Zelotes, que
era subversivo ao Estado. Frente aos ocupantes romanos todo judeu teria que
tomar uma decisão a favor ou contrária ao Status
quo. Jesus se situa nesse contexto, porém há uma corrente que tenta
identifica-lo como Zelote. Sobre isso, Vidal acentua que se “tem dado razão
para a resposta positiva; a) a condenação de Jesus como zelote; b) a pregação:
‘O Reino de Deus está próximo’; c) sua postura crítica ante Herodes, a quem
chama ‘raposa’ (Lc 13,32)” (Ibid., p.470).
Porém, também há nas atitudes de Jesus uma postura contrária aos Zelotes: “a)
as palavras contra a violência (Mt 5,39ss); b) entre os Doze está um publicano
(Mc 2,15; Mt 9,10); c) a atitude ante o capitão de Cafarnaum” (Ibid., p.471).
De modo mais coerente com aquilo que nos apresenta
os Evangelhos, a atitude de Jesus se apresenta fora de uma revolução subversiva
e fora um apoio ao império romano. Sua atitude se demonstra complexa por ela
estar fundamentada em uma realidade superior da situação da época, a realidade
do Reino (SCHILLEBEECKX, 2008, p. 154). Segundo Vidal:
Jesus
tem uma atitude realista em seu ensinamento. Não é um exaltado desprovido de
sentido da realidade. Ver-se, em primeiro lugar, nas comparações tomadas da
vida real: da guerra (Lc 14,31ss); da administração (Lc 16,1-7); da justiça (Lc
18,1-5). Estas comparações [...] nos põe de manifesto seu sentido realista. (VIDAL,
1979, p.471-472)
As atitudes de Jesus não são de
caráter político, apesar de ter repercussão política; Jesus não é revolucionário,
apesar de suas críticas aos ricos; não é voltado ao comunismo, apesar de
apresentar o imperativo do amor como universal e comum; não é um pacifista,
apesar de ser contrário à violência; não é um inimigo da cultura e da ciência,
apesar de atacar os doutores legalistas judaicos. As referências de Jesus que
são tomadas nos Evangelhos em relação à vida política são sintetizadas em
quatro questões: a) as visões realistas que Jesus tinha da realidade: “‘sabeis
que aqueles que vemos governar as nações as dominam, e os seus grandes as
tiranizam” (Mc 10,42), b) a decisão política de Jesus a respeito do tributo a
César: Jesus não confere a César a auréola de uma autoridade pela graça de Deus,
c) a autonomia de Jesus diante de Pilatos, por reconhecer nele a vontade de
Deus: “‘Não terias poder algum sobre mim, se não te fosse dado do alto” (Jo
19,11); d) a liberdade de Jesus diante de qualquer realidade política. A partir
dessas questões é possível observar a postura ética cristã básica e propedêutica
diante da política:
1.O
Estado é uma realidade dentro da existência atual. Mas não pode se absolutizar
(ou se totalizar). O discípulo de Cristo deve: dar ao Estado o que necessita
para sua realização como elemento da condição presente, mas deve se opor a ele
quando exigir o que é só de Deus. 2. Jesus está de acordo com os zelotes em
reconhecer que o principal é o Reino de Deus; mas está em desacordo com eles
quando afastam a existência do Estado como instituição profana [...]. 3. A
condenação de Jesus foi juridicamente pela sua presumida condição de zelote. Os
mártires cristãos serão condenados pela oposição a uma ideia totalitária do
Estado. (VIDAL, 1979, p.474-475)
2.
A ÉTICA NA ECONOMIA E POLÍTICA: DOS PRIMEIROS
CRISTÃOS AO SÉCULO XX
2.1. A Ética na Economia: dos primeiros
Cristãos ao Século XX.
Nos escritos do Novo Testamento a Ética crista, sob
o âmbito da economia, apresenta quatro princípios prévios que orientaram os
primeiros cristãos no período greco – helênico: 1) o princípio de ‘aceitação’ da
ordem econômica como bem e valor dentro de uma visão integral do homem; 2) o
princípio de ‘humanização’ dos bens econômicos para edificar a justa
convivência; 3) o princípio de ‘crítica’ ante toda situação de injustiça; e 4)
o princípio de ‘utopia escatológica’ ao proclamar o valor da pobreza voluntária
para realizar a comunhão plena. Esses princípios são uma síntese e núcleo ético
por onde parte a postura crista, desde sua origem e no decorrer da história.
No período patrístico a Ética se
orientara não com facilidade sobre o âmbito da economia. Porém, por “razões de
conteúdo a doutrina moral patrística acerca dos bens temporais pode ser
unificada em torno de um núcleo temático: o reto uso dos bens econômicos”
(VIDAL, 1979, p. 209). O apelo à distribuição dos bens como prática da
caridade, a crítica à avareza, à luxuria, à usura e ao mau uso, ao débito, aos juros
e a egoística privatização dos bens, constituem a posição ético-econômica que
perpassou o cristianismo no período da patrística. Por conseguinte, na Idade
Média temos a moral econômica voltada para o mercantilismo nascente: o problema
da licitude de lucros ou da ganância. A Ética cristã tratará sobre o corporativismo
mercantil e o individualismo comerciante. A justiça se debruça sobre as
fraudes, a usura, o furto, a rapina, as relações de troca, de contratos e
restituição de bens; sobre o direito da propriedade privada, sobre o trabalho,
o comércio e os problemas de preço e salários (VIDAL, loc. cit.).
Na Modernidade a Ética se situa
diante do capitalismo financeiro e comercial (HIGUERA, 1988, p. 92). Neste sentido a moral se volta para
o aspecto da justiça e do direito. João de Lugo e Domingo de Soto são
personagens desse período que ajudam a compreender a Ética económica: o
primeiro trata de uma justiça distributiva e comutativa, do domínio e restituição,
o segundo aborda o tema da usura e juros, os contratos de compra e venda, de
sociedade, de seguro e cambio. Alguns temas concretos como a valorização ética
do comércio, do preço justo, dos impostos, fazem parte desse tempo. Todavia, no
fim do século XVIII a ética casuística silenciará diante do mercantilismo e das
outras questões econômicas (VIDAL, 1979, p.259). Ela se restringirá a repetir
sobre os temas já apresentados na tradição.
2.2. A Ética na Política: dos primeiros
Cristãos ao Século XX.
No âmbito político a Ética foi se construindo pelos
primeiros discípulos, apóstolos e seguidores de Jesus. Os textos do Novo
Testamento marcam algumas posturas éticas frente a situação política social e a
importância do Estado na mesma. Segundo Vidal, há um dualismo dialético cristão
propedêutico que orienta a ética no universo político em relação com o Estado:
1.
Deve dar lealmente ao Estado tudo o que seja necessário para sua existência.
Deve combater o anarquismo e todo zelotismo dentro de suas filas. 2. Deve
cumpri ante o Estado a função vigilante. Isto é: permanecer, por princípio,
crítica ante todo Estado e preveni-lo das transgressões de seus limites. 3.
Deve negar ao Estado que ultrapassa seu limite o que este pede dela no terreno
da transgressão religioso-ideológica, e deve qualificar essa transgressão,
valorosamente, como contrária a Divindade. (Ibid.,
p. 478)
No período greco – helénico a Ética
cristã está se integrando com a filosofia grega e o direito romano. O idealismo
platônico assume uma função ética política pelo qual o Estado deve ser
construído e se reger pela exigência do Bem Ideal, que forme o homem para a
virtude, o conhecimento e a busca do Bem verdadeiro. Com o aristotelismo a ética
política se embasa na realidade. Na sua ética o Estado-cidade é a comunidade
que deve possibilidade o desenvolvimento dos cidadãos para o Bem Comum.
Na época patrística Santo Agostinho sustenta
um Estado que só tem razão de agir pela justiça que confessa o verdadeiro Deus.
A “preocupação de Agostinho é definir o Estado por sua finalidade religiosa:
promover oculto a Deus e cuidar dos bons costumes de modo que não ofenda a Deus
verdadeiro” (Ibid., p.501). Na idade
Média a Ética se destaca na figura de Santo Tomás de Aquino com a proposta de
uma comunidade política que se baseia na realização do bem comum. Este é
politicamente norma tanto para o estado como para o indivíduo. Há uma ligação com
a ética cristã e a ação humana no Estado. “O homem encontra as regras do seu
agir moral como indivíduos, como membros de uma família e como cidadão de um
Estado (enquanto ser social) na sua natureza racional” (VEREECKE, 1997, p.571).
Na Modernidade a Ética cristã se
divide em dois horizontes: o protestante e o católico. Neste horizonte o
Filósofo Cristão Suárez situa o Estado dentro de seus limites temporais: “O
Estado é, pois, por razão de sua origem e de seu fim, uma realidade natural e
temporal” (VIDAL, 1979, p.508). O “direito das gentes” demarca a motivação da
eticidade política. No protestantismo a Ética política está voltada para o
poder civil e a liberdade cristã.
Calvino é seu referencial (VIDAL, 2003, p.391) que relaciona a ética com
diversos problemas da dimensão política como o sentido da autoridade, o modo de
exercer a autoridade com justiça e as formas de governos (VIDAL, 1979, p.513).
Da Modernidade em diante temos um certo distanciamento da Ética cristã com o
mundo político que, com a ilustração se tornou aos poucos secular.
3.
ORIENTAÇÕES ÉTICAS SOBRE A ECONOMIA E A POLÍTICA NA
DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA
3.1. Orientações éticas sobre a
Economia na Doutrina Social da Igreja.
Além de todo o aparato teológico-filosófico e
histórico sobre a Ética no âmbito econômico, com atenção especial, destacamos
as orientações éticas na Doutrina Social da Igreja. Nesta a Ética apresenta um
esboço eclesiológico sobre os problemas do mundo econômico social entre o
século XIX e XX. O que se destaca na
moral econômica das encíclicas sociais é a preocupação dos Papas pela “situação
sócio – econômica criada pelo capitalismo na qual as distâncias entre ‘ricos’ e
‘pobres’ se tornam mais profundas; nasce o ‘proletariado’ como classe cada vez
maior e menos favorecida; as condições de trabalho se desumanizam” (Ibid., p.269).
Segundo a Encíclica Marter et Magistra (1961) apresenta sobre a situação dos trabalhadores:
Assim,
enquanto uns poucos acumulavam imensas riquezas, grandes multidões de
trabalhadores padeciam, dia a dia, maiores privações. Os salários eram,
efetivamente, insuficientes para cobrir as necessidades vitais, e, por vezes,
não bastavam nem para matar a fome. As péssimas condições de trabalho punham em
perigo a saúde, a moral e a fé religiosa dos trabalhadores; sobretudo as
crianças e as mulheres eram submetidas a desumanas condições de trabalho;
sempre ameaçador o espectro do desemprego; a família, sujeita a contínuo
processo de desintegração. (MM, n.13)
Pio XI na Quadragesimo
Anno (1931) e João XXIII na Mater et
Magistra (1961) retomarão a Rerum
Novarum tanto para descrever a situação econômica marcada pelo capitalismo
como para apontar princípios de solução. Segundo Vidal, Pio XI acentua que o valor
do trabalho deveria estar em função da dignidade humana, segundo a equidade e
justiça; o Estado deveria intervir em função do bem comum e melhoria das
condições de vida do operário; na relação entre proletariado e capitalistas: o
princípio da solidariedade e fraternidade é o fio condutor para resolução. Já Paulo VI, na Populorum Progressio (1967), orienta a questão econômica para um
desenvolvimento integral do ser humano e a todo ser humano (n.14).
Por fim o Concílio Vaticano II apresenta na Gaudium et Spes (1965) sobre as
exigências de um desenvolvimento econômico integral humanitário (n.63), para
diminuição da desigualdade social. Isso impõe mudanças em todos os âmbitos da
vida humana. O documento insiste numa maior liberdade e democratização
econômica, sob o princípio da justiça e equidade.
3.2. Orientações éticas sobre a
Política na Doutrina Social da Igreja.
Do mesmo modo, na Doutrina Social da Igreja a Ética
política concede suas orientações, tendo como referênciais os Papas Leão XIII,
Pio XII e João XXIII. Este último, na Pacem in Terris (1963) apresenta a
exigência das autoridades políticas estarem submissa à moral (n.47), ao bem
comum, com responsabilidade; e à livre escolha democrática dos cidadãos para
escolher seus governantes, a forma de governo, os procedimentos e limites da
atuação da autoridade (n.52). Com Pio XII o tema da democracia é desenvolvido
amplamente. Na Octogesima Adveniens
(1971) Paulo VI afirma que a participação dos cidadãos na vida política está
embasada na aspiração da igualdade e participação (n.24). A temática da
democracia com o bem comum também se encontra na Gaudium et Spes (n.74) do Concílio Vaticano II.
Ainda na Gaudium
et Spes a ética política apresenta a necessidade do pluralismo político –
com a criação de partidos em função do bem comum – contra a injustiça, a
opressão, o absolutismo e a intolerância (n.75). Entre os números 57 e 77 da Gaudium et Spes há a justificação de uma
comunidade política como necessária para a comunidade civil. Todavia quando a
comunidade política abusa do poder que foi-lhe concedida, a população tem o
direito e dever de resistência (n.79). O Estado é assumido com uma forma
histórica temporária. A postura cristã se demonstra contrária ao Estado
totalitário. Este deve agir para o bem comum, a subsidiariedade humana.
4.
ORIENTAÇÕES ÉTICAS DE MARCIANO VIDAL PARA A ECONOMIA
E POLÍTICA DO SÉCULO XX.
4.1 Orientações éticas para a
Economia no século XX
Segundo Vidal acentua, a Ética no âmbito econômico
pode oferecer algumas orientações gerais do ethos
cristão na Economia. Porém as exigências iniciais não estão fundamentadas no
interesse contemplativo, mas na urgência de ação que transforme a realidade. Neste
norte dois espaços interconectados e de transição são expostos: o da utopia e o
do realismo. Por eles deve passa a Ética-econômica para a humanização social.
No primeiro espaço Vidal apresenta cinco postulados que devem seguir a Ética
cristã:
A força
ética dos cristãos, a nível de reflexão e a nível de vida testemunhal, deve
exercer sua influência dentro da linha
alternativa à sociedade capitalista e à sociedade coletivista, [...] – Pelo
que respeita as relações com o
capitalismo, os cristãos – enquanto grupo humano e religioso – têm de
romper até a aparência de conivência e justificação em respeito a um sistema
econômico que, em expressão várias vezes citada por Paulo VI, “não traz a paz,
não traz a justiça” e “continua dividindo os homens em classes irredutivelmente
inimigas”. [...] Nós cristãos temos que repudiar o capitalismo como sistema
válido para o futuro. [...] – Concretizando um pouco mais a orientação, temos
que pedir ao ethos cristão que rechace a propriedade privada capitalista,
colocando-se deste modo no programa de luta proclamado por Paulo VI contra a “unilateralidade
da posse dos meios de produção”. [...] – Uma economia humana tem que ser, na atualidade,
uma economia planificada. Porém, o que os cristãos têm de pedir e realizar é
uma planificação democrática. Para
que realmente seja “democrática”, a planificação “exige a presença de todos os
grupos sociais na elaboração, exercício e controle”. [...] – Em coerência com
algo essencial de sua cosmovisão, os cristãos têm que situar-se sempre e em
toda situação do lado dos oprimidos.
Esta opção transforma os critérios, os objetivos, os meios e a estrutura da
atividade econômica. (VIDAL, 1979, p.385-387)
Tais atitudes ideais configuram a
forma não ingênua e revolucionária para teleologia ética da economia: a
humanização da atividade humana. Tais postulados concordam com uma visão global
sobre o ethos cristão. Porém para completar tais imperativos socais é
preciso algumas atitudes realistas para atender as situações existenciais,
dinâmicas a problemáticas da realidade. São quatro os aspectos que devem ser
vistos na sua praticidade:
– Testemunho de uma vida marcada pela justiça.
O cristão tem que fazer com frequência um exame de consciência e valorizar seu
comportamento no âmbito da atividade econômica. [...] Tudo isso é importante,
mas há um perigo em que podemos ver a justiça essencialmente como algo para que
pratiquem outros e não nós. [...] Porém, a justiça começa comigo e nas minhas
relações com o outros. Justiça tem haver com meu trabalho, meu negócio, minhas
relações comerciais, minha profissão, meu tipo de vida. [...] – Revisão continua do estatuto jurídico da
propriedade, do benefício, da imposição fiscal e demais instituições econômicas.
O cristão tem que pedir para si e para os demais uma permanente revisão dos
ordenamentos jurídicos em relação com a realidade econômica. [...] – A igualdade e a participação, “formas
ambas da dignidade do homem e de sua liberdade” no momento atual, tem de
considerar-se como os grandes objetivos a conseguir nas realizações concretas
da economia. [...] – Ao distanciar-se do modelo capitalista e do sistema
coletivista, o ethos cristão se sente
atraído por uma economia de sinal
socialista. Esta atração tem experimentado muitos cristãos durante este
século. (Ibid., 1979, p.387-388)
Os cinco postulados e os aspectos da
praticidade englobam o vínculo estreito que se deve ter entre o norte ideal
pelo qual a Ética cristã pode se fundamentar e discernir os princípios de
praticidades. Os aspectos práticos possibilita um contato mais coerente e
realista com as realidades complexas da Modernidade, no âmbito econômico. Neste
sentido é que a orientação teológica ética de Vidal oferece passos que se
apresentam como luzes necessárias e claramente urgentes para as questões éticas
na Contemporaneidade.
4.2 Orientações éticas para a Política
no século XX
No âmbito Econômico a Ética apontada por Vidal
apresenta alguns percursos de atuação. De antemão podemos dizer que os quatros
aspectos práticos da ética-econômica são úteis para o âmbito da Política.
Porém, além destes é preciso, de modo prévio, explanar quatros pontuações que
deve orientar a política na sua eticidade do bem comum, na dimensão universal
da convivência sócio-política.
A primeira é as relações sociais jurídicas
internacionais que fazem parte da realidade global, porque os problemas humanos
estão em última instância em escala internacional e não somente setorial. Essa
pontuação tira o risco do reducionismo da práxis ético – política. Para tal
efetivação na dinâmica político – social, o caráter universal e imperativo do
amor cristão passa a ter relevância decisiva nas relações humanas.
Nessa dinâmica imperativa se acentua a segunda
pontuação: a afirmação de uma consciência universal da humanidade pela qual
apoia a esperança da mensagem cristã. Não se trata de uma imposição dos
aspectos éticos da mensagem cristã para os diversos perfis e modos de vida
humanos, mas da prévia, porém confiante, convicção de que a consciência humana
pode chegar a um nível comum de verdade e caminho ético. Isso é possível tanto
pela racionalidade humana que tende para a verdade, como pela própria luz
divina que ilumina a consciência humana para o mesmo caminho do bem comum.
O terceiro ponto está no âmbito valioso das relações
políticas e sociais de caráter ético: a convivência universal. Tal posição faz
parte da necessidade e identidade do próprio ser humano, o relacionar-se e
conviver. A Ética cristã, assim, possui um norte pelo qual os seres humanos
utilizam a dimensão política como meio e não como fim em si memo. Nesse aspecto
o quarto ponto se reporta para a efetiva unidade gênero humano pela associação
desinteressada entre as diversas nações, isto é, uma aproximação global da
moral internacional.
Por fim, no aspecto que interage a Ética cristã, no
âmbito da Política, está à transformação social para sua humanização. Neste
percurso fica a questão se na esfera da atividade social e política, a
revolução seria o ideal para tal mudança, ou então a evolução. Na análise
teológica Vidal sintetiza:
[...] acreditamos
que o ethos social cristão está
essencialmente aberto à mudança social e o propicia como uma exigência ética
fundamental. Por outra parte, a ética cristã não “absolutiza” nenhuma forma de
mudança social; admite as mudanças evolutivas e as mudanças revolucionárias,
introduzindo nelas sua carga crítica-utópica. O crente tem que viver sua
coerência ética tanto dentro da evolução com da revolução; o apoiar uma ou
outra depende de opções que têm de ser pensadas segundo as possibilidades de
justiça que oferecem as situações histórico-concretas. Sem embargo, no momento atual, a estimativa
ética cristã tem posto de relevo o flanco revolucionário do cristianismo. (Ibid., p.641)
CONCLUSÃO
Em linhas gerais apresentamos as características e
percursos que a Ética cristã realizou ao longo da história, sob duas dimensões,
a saber: a econômica e a política. É importante explicitar que ao longo desse
processo a Ética vai se transformando e conseguindo, conforme as suas
possibilidades e princípios fundamentais, oferecer um caminho ou orientações
tanto para os cristãos como para os que são de outra opção religiosa ou nenhuma.
Essa abertura processual da Ética é observada e classificada como positiva.
Porém, podemos dizer que a pesquisa nos direciona para cinco conclusões que
podem iluminar a Contemporaneidade.
A primeira está na origem e fundamentação da Ética
cristã. O Evangelho, ou melhor dizendo, as Sagradas Escrituras continuam sendo
uma luz que inspira a Ética cristã na sua relação com as outras Éticas que se
apresentam atualmente. Não se trata de um fundamentalismo, mas de um ponto de
partida de onde emanam as decisões mais complexas e difíceis hoje. Todavia, o
diálogo com a tradição e com as questões contemporâneas são outros dois
veículos pelos quais a Ética cristã não pode ignorar na sua postura, nas duas
dimensões referidas.
Atualmente a Ética cristã não pode ignorar as
questões, no âmbito econômico e político, que atentam contra as linhas fundamentais
do cristianismo, isto é, contra o bem comum, a dignidade humana, a justiça, o
amor e a paz. Tais elementos não podem ser ignorados quando nos relacionamos,
falamos e agimos, na contemporaneidade, com os diversos setores e expressões de
poder no mundo civil.
No terceiro ponto consideramos a proposta Ética de
Vidal como inspiradora para a práxis na América Latina. A Ética precisa de
atitudes utópicas esperançosas e um compromisso real com a sociedade. Ela
também precisa estar voltada para a convivência social, uma evolução continua e
uma revolução profética que possibilite aos cristãos agir conforme o espírito
de sua fé, pois de outro modo a Ética cristã estaria fadada ao fracasso ou a
uma mera ação revolucionária social.
O quarto ponto seria a necessária abertura para o
diálogo transparente e construtivo com as outras Éticas civis, e
multifacetárias, que temos contemporaneamente. Não se trata para a Ética cristã
de uma mescla ou submissão às outras Éticas, mas de uma busca constante por
crescimento e amadurecimento que se faz pelo diálogo sensato e transparente
para o Bem Comum.
O quinto ponto é o desafio que a Ética cristã estar
passando pelas motivações e práxis profética do Papa Francisco. Se Vidal
apreende um norte ético cristão para o século XX. Tal norte está em
concordância com o que Francisco apresenta nos seus documentos. Isso significa
que as intuições de Vidal precisa ter uma força maior e maior amadurecimento
pelas renovadas linhas de ação éticas nos documentos de Francisco. Atualmente a
Ética cristã carece de um maior desenvolvimento e maturidade nas duas dimensões
tratadas. Mas tal desenvolvimento não pode estar fadado ao universo acadêmico e
muito menos aos livros e obras teológicas, mas precisa cada vez mais estar
encarnado na própria experiência cristã ética.
REFERÊNCIAS
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[1] Graduado em Filosofia pela
Universidade Estadual do Ceará (UECE), discente do curso de Teologia na
Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Estudante da Instituição Congregação do
Santíssimo Redentor. E-mail: isaiasredentorista@hotmail.com.
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