Nos
sinais dos tempos atuais, a Vida Religiosa continua sendo um dos mais
particulares, radicais e proféticos modos de vida na Igreja e sociedade. Sua
singularidade e importância não está somente por se diferenciar tanto da vida
laical como da clerical (CONCÍLIO VATICANO II, 2007, p. 228 ), mas por comungar e dialogar com estes dois modos de vida e manifestar, de modo especial e na sua radicalidade de seguimento, a expressão atualizada e
renovada do Rosto de Cristo para os
nossos tempos. E para contribuir, aprofundar e degustar sobre a experiência misericordiosa e rica de
esperança no itinerário da Vida Religiosa, faz-se oitos considerações, a
partir do Evangelho de Lucas (5, 1-11), que podem iluminar-nos e inspirar-nos-
Religiosos(as) Consagrados(as)- a contemplar nosso percurso de vida com
gratidão, alegria, esperança e entusiasmo evangélico. Também observamos algumas
ideias e interrogações que nos ajudarão a aprofundar e vivenciar a riqueza de
ser religioso na contemporaneidade carente de misericórdia.
1)
A realidade do chamado à Vida Religiosa.
“Certa vez em
que a multidão se comprimia ao redor dele para ouvir a palavra de Deus, à
margem do lago de Genesaré, viu dois pequenos barcos à margem do lago os
pescadores haviam desembarcado e lavavam as redes.”
Se
o Concílio Vaticano II nos convidou a retomar as origens do carisma congregacional
ou institucional (CONCILIO VATICANO II, 2007, p. 302), essa origem precisa
também fazer eco na nossa história particular, nas nossas bases histórico-existenciais.
Essa conexão entre vida pessoal e
experiência congregacional é necessária para percebermos que há uma
continuidade, conversão e renovação na nossa trajetória de vida. Isso nos é importante
para relembrarmos com alegria o fator
motivador e decisivo do nosso modo de viver atual: o chamado de Deus. Não
foi vós que me escolhestes, mais fui eu que te escolhi disse Jesus (Jo.15,16).
Esse chamado não é outra coisa do que a expressão de quem nos conhecer
profundamente e nos ama verdadeiramente. Podemos observar que há mais de 2000
anos Deus continua chamando pessoas para
segui-Lo, como fez conosco e isso não é por mérito nosso, mas pela sua
misericórdia que é eterna (Sl
136).
O
chamado de Deus, na nossa vida, não aconteceu no deserto ou na solidão da vida,
mas numa experiência concreta, em um
local concreto: em uma comunidade que
caminhava com Cristo. A nossa experiência de fé parte de um contexto em que
existiam um povo: “a multidão se
comprimia ao redor dele para ouvir a palavra de Deus”. Isso é tão certo que
o chamado de Deus, a nós, não é intermediado só por uma pessoa, mas por várias
que aos poucos vão lançado a semente da sua misericórdia no nosso coração e nos
sinalizando a vontade de Deus. E isso aconteceu porque nos abrimos para essa
experiência. Cabe agora duas interrogações: temos
guardado no nosso coração, bem vivo internamente, a experiência do chamado de
Jesus na nossa vida? Atualizamos concretamente, todo dia, esse chamado e
resposta a Deus? Santo Afonso Maria de Ligório costumava rezar no seu
interior todo santo dia: começo hoje! (SÉGALEN,
1996, p.25). Essa é a primeira luz
que não pode sair do nosso coração.
Se
foi em um local, contexto e realidade específica que fomos chamados, e nos
encantamos com tal experiência, isso não aconteceu por acaso, mas porque o barco da nossa vida estava dando uma estacionada, desembarcando para lavarmos as redes da vida que até então estava sem sentido
profundo, sem caminho seguro, ou a espera de algo maior. Daí, como o chamado
não é nosso, mas de Deus e também de seu Filho Jesus, foi este que “viu dois
pequenos barcos à margem do lago”. Foi Jesus que nos viu. Portanto, podemos
perceber novamente a ação primária e misericordiosa de Deus, que nos viu, nos
amou por primeiro e foi ao nosso encontro de diversas formas e por diversas
pessoas, como ele mesmo fez com seus discípulos. Outra questão se faz
importante na Vida Religiosa: estamos
deixando-nos ver (totalmente) e se encontrar por Jesus?
2)
A centralidade do Cristo e o distanciamento
necessário da dinâmicas do mundo, na Vida Religiosa.
“Subindo num
dos barcos, o de Simão, pediu-lhe que se afastasse um pouco da terra”
Se
temos a certeza de fé, rezada e vivenciada, isso implica uma pergunta de fundo
que fizeram todos os profetas e apóstolos: o Senhor nos chamou para que? A
resposta de Deus é tão simples e tão difícil que podemos nos surpreender. Eles
nos chamou para sermos Um com Ele, como Ele e o Pai são Um (Jo.17,22). E esse é
o passo fundamental de toda a Vida Religiosa. Não há misericórdia maior do que
estar unido com Cristo, com quem nos ama por primeiro e acima de tudo. Outros
dois questionamentos se fazem necessários para nós: Estamos desejando, buscando, e tentando concretizar, nos nossos
projetos e ações, ser Um, radicalmente, com Cristo? Os nossos trabalhos, pastorais, missão, instrumentos de evangelização,
estão nos mantendo unidos a Ele?
Essa
experiência é tão importante, que todo o nosso caminho histórico-humano-espiritual
depende dessa união com Ele, pois Ele mesmo nos disse: “Sem mim nada podeis
fazer” (Jo.15, 4). Nesse sentido precisamos orientar o barco da nossa vida,
pois assim como Jesus subiu “num dos
barcos, o de Simeão”, Ele quer fazer a mesma coisa com o nosso barco. Na
verdade essa é a coisa que Deus mais quer. Todo o intento de Deus - deste o
tempo dos primeiros povos na literatura-espiritual-poética adâmica até
ressurreição do seu Filho, seguindo até hoje (com a mediação, aparições e
intercessão de Nossa Senhora; a vida, persistência e testemunho dos Santos, Mártires,
Beatos e Servos de Deus) - é para manter a comunhão conosco, porque nos ama.
Não
foi por outra coisa que nós entramos na Vida Religiosa, se não por uma abertura
à vontade de Deus. Para tanto, é preciso termos como opção fundamental o Cristo.
Se na Vida Religiosa nós estamos com crise de identidade, isso é pela
descentralização que fazemos da pessoas humana e divina de Jesus na nossa vida.
Pela fraqueza humana e falta de fé, pelo fechamento à obra de Deus. Portanto é
importante outra duas questões: Jesus
Cristo está sendo a motivação fundamental, central e primeira na nossa vida, na
nossa ação evangélica, nos nossos estudos e trabalhos? As outras motivações, as
secundárias e assim por diante, estão sendo vivenciadas e realizadas para
completar a motivação primeira e fundamental? Quando deixamos outras coisas tomarem o lugar
de Cristo então, aos poucos vamos nos separando, desligando e se afastando da
identidade, vida e missão religiosa.
Para
tal fim o próprio Jesus orienta a pessoa que Ele ama, pois ele mesmo,
“pediu-lhe que se afastasse um pouco da terra”, isto é, que mantivesse uma
distância razoável do jeito de pensar e viver dos demais modos de vida, e
principalmente, dos que não caminham com Cristo. É importante destacarmos que
os primeiros homens e mulheres (Monges, virgens,..) que se inspiraram para a
criação da Vida Religiosa, levaram esse afastamento ao pé da letra e foram para
o deserto. Apesar de tal radicalidade ter surtido efeitos positivos, porém, não
foi um corte da realidade que Nosso Senhor nos pediu, não foi um virar as
costas para a nossa realidade histórica, para o mundo, como se este não
existisse ou fosse algo de condenável, como a tradição medieval pensou. Na
verdade o que Jesus pediu, ou melhor dizendo,
nos pede é um afastamento razoável, para adentrarmos no seu mistério e
provarmos de sua misericórdia. É um abandonar a mentalidade do mundo humano
egocêntrico, autossuficiente, independente, não solidário, não generoso,
injusto e fechado ao cuidado com o gênero humano e todos os seres que compõe o nosso
sistema planetário, para deixar-se guiar pela mentalidade de Jesus, pela
inspiração concedida por Deus na pessoa de Jesus.
A
entrada nas casas religiosas e o processo de formação é para termos esse
afastamento a fim de que Ele nos fale, nos ensine e nos oriente ao que fazer na
caminhada. Não se trata somente de um afastamento espacial-geográfico, pois
podemos deixar os locais onde estávamos (muitas vezes incompatíveis com a opção
de vida religiosa), sem deixar dentro de nós o modo antigo, ou as outras formas
de vida que não nos ajudar a se encontrar e se identificar com Cristo
radicalmente. Portanto, esse
distanciamento interior e até certo ponto espacial é o que Cristo nos pede.
O distanciamento de modos de vida que não promovem a felicidade humana, mas destrói
a cada dia o nosso semelhante e explora initerruptamente as criaturas do nosso
meio planetário. Então uma pergunta se faz presente: estamos nos distanciando de modos de pensar e viver que não competem a
nós enquanto religiosos (as)? Olhemos a nossa consciência, pois, segundo
falou Santo Afonso: ela é o sacrário de Deus, onde podemos encontrar a VERDADE
MAIS PROFUNDA E ILUMINADA DO CORAÇÃO HUMANO. É importante destacar que quando mais
assumimos a nossa vocação religiosa, mais nos tornamos humanos, mais nos aprofundamos
na experiência do amor agápico: amor incondicional, amor que busca e luta pela
vida, dignidade e felicidade do outro.
3)
Uma escuta atenta e comunhão com Deus na Vida
Religiosa.
“depois,
sentando-se ensinava do barco às multidões”
Se
a experiência com Jesus nos leva há uma abertura para o seu chamado, ela exige
de nós um afastamento razoável do estilo de vida e mentalidade do mundo. Isso
significa que precisamos partir de outro
ponto de vista que não seja o do ter, do prazer e do poder egoísta. Pois
tais mentalidades são estimuladas, promovidas e disseminadas na cultural e na
conjuntura contemporânea.
Podemos
observar, então, que o chamado divino cristocêntrico é para nos envolver mais
profundamente, mais de perto e realizar a comunhão com Jesus. E se não
tentarmos nos esvaziar das coisas que nos afastam de Deus, ficará difícil fazer
comunhão com Ele. Esse esvaziamento exemplificado pelo próprio Cristo (Fl 2,7)
é fundamental para ouvir a vós de Deus, como fez o profeta Samuel (Sm 3,10). Assim
como Jesus “ensinava do barco às multidões”, do mesmo modo Ele quer nos ensinar
a Vontade do Pai misericordioso, para bem vivermos enquanto religiosos (as).
A
Palavra de Deus, Além da Eucaristia, torna-se, então, um dos principais
veículos de comunicação com o Pai e com o seu projeto misericordioso. Enquanto
humanos imersos no amor, mentalidade e práxis profunda de Deus. Porém, não se
trata de um ato de leitura somente, mas de interiorização.
É um esforço continuo para guardar a
Palavra de Deus no coração. Dois são os meios mais comuns para isso: a
meditação e contemplação. Para realizarmos tal intento, é preciso condições
favoráveis. No nosso itinerário religioso podemos nos questionar: estamos rezando a Palavra de Deus? Estamos
criando condições para nos encontrar com Jesus? Estamos nos abrindo para
acolher Deus que age na nossa vida nas luzes e trevas que vivenciamos? Essa
experiência com Jesus é mais do que um formalismo. É um encontro com alguém que
nos conhece e nos ama mais do que tudo. Portanto, deve estar preenchida pelo afeto e amor verdadeiro e
sincero. Santo Afonso exemplifica que o encontro com Deus é semelhante há um
encontro com alguém que deixou um Reino, um país, só para estar e falar
conosco, e que anseia nos ver dia e noite (LIGÓRIO, 2014, p.84-85). Portanto,
trata-se de uma intimidade profunda. Muitos religiosos caem na vida e se
extraviam como ovelhas perdidas, porque perderam essa noção profunda de
intimidade com a Palavra de Deus e com sua Pessoa misericordiosa, na oração e
no cotidiano. Há também outros meios para fazermos comunhão com Deus. Porém
depende de nossa persistência e abertura constante para não perdermos essa
unidade e comunhão.
4)
Desprendimento de si: uma abertura para a
profundidade do seguimento de Deus na Vida Religiosa.
“Quando acabou
de falar, disse a Simão: ‘Faze-te ao largo; lançai vossas redes para pescar’. Simão
respondeu: ‘Mestre, trabalhamos a noite inteiro sem nada apanhar; mas, porque
mandas lançareis as redes’”.
Ter
Jesus no barco da nossa vida e escutar a sua voz, que toca a nossa mente e o
coração, requer que deixemos de lado uma tentação que acontece quando estamos
progredindo, dando os primeiros passos no seguimento de Cristo, ou até quando
nos tornamos propriamente religiosos (as): é a tentação de querer guiar a vida
por si próprio, ou simplesmente, querer ter Jesus conosco, porém, como
passageiro, ou objeto dos nossos interesses. Quando isso acontece fazemos
muito, nos esforçamos e nos preocupamos cansativamente, porém, não encontramos
tanto resultados. Esse é um risco que muitos religiosos correm, pois muitos
vezes achamos que estamos sempre certos, e chegamos até a cair no erro de se achar
portadores da salvação, ou, radicalmente, chegamos até a se tornar
monopolizadores da Verdade.
Essa
experiência pode acontecer desde a formação introdutória para a Vida Religiosa,
pois normalmente se entra no seminário, com algumas ideias já mais ou menos
formadas de como será o seguimento, porém, no caminhar da carruagem Deus vai
exigindo mais de nós e nos mostrando o caminho que devemos percorrer. Ele nos
diz: “‘Faze-te ao largo”, ou seja, avance por aquele lado. Assim Ele continua:
“lançai vossas redes para pescar”, ou seja, segui por esse caminho, superai
esse obstáculo, desprendei disso ou daquilo para continuar navegando. Então quanto
mais nos fechamos e resistimos com nossas opiniões já prontas e acabadas, com
nossa visão pequena e as vezes mesquinha de seguimento, mais sentimos
dificuldade e sofremos para seguir. É como Pedro disse: “Mestre, trabalhamos a
noite inteiro sem nada apanhar”.
Ora,
enquanto religiosos precisamos nos abrir por alguns caminhos inusitados e que
muitas vezes depende mais da confiança em Deus, do que da nossa própria
segurança. Muitas vezes a comunidade religiosa passa por transformações e o
Espírito diz é por aqui, porém, quando alguns membros emperram a caminhada,
então, a caminhada religiosa entra em crise. Na verdade toda a crise é fruto da
falta de comunhão com o espírito de Deus, quando boa parcela dos seus membros
estão perdendo a direção do Espírito ou estão resistindo a tal ação divina,
porque estão apegados há alguma coisa, ideia, ou pessoa, que não liberta-os
para o movimento do Espírito.
Nessas
circunstâncias é preciso muita oração, discernimento, e abertura para o bem
comum. E isso se dá tanto no âmbito pessoal como no âmbito comunitário, pois o
Espírito é um só, e Ele se manifesta em todos como no pentecoste (At.2,1-11).
Nesse sentido é preciso obedecer as investidas do Espírito, aniquilar o
egocentrismo que gira em nós e dizermos como Pedro: “mas, porque mandas lançareis
as redes’”, ou melhor dizendo, “em atenção a tua Palavra lançarei as redes”.
Então podemos refletir: que coisas em nós estão dificultando a identidade e
ação da Vida Religiosa no seguimento de Cristo? Diante das exigências do
Espírito, que se apresenta na vida e no trabalho seja religioso, seja
apostólico: onde estamos tendo mais dificuldade, ou o que nos prende, não nos
deixa seguir, na opção de Vida que respondemos? É preciso uma confiança em Deus
e muita coragem para manter a nossa comunhão com Jesus, pois cada dia, Ele nos
surpreende com um novo caminho ou uma nova exigência.
5)
A exigência do Reino na Vida Religiosa para além do
individualismo e personalismo.
“Fizeram isso
e apanharam tamanha quantidade de peixes que suas redes se rompiam. Fizeram
então sinais aos sócios do outro barco para virem em seu auxílio. Eles vieram e
encheram os dois barcos, a ponto de quase afundarem”
É possível percebermos que no
itinerário da Vida Religiosa temos dificuldades e desafios, porém também temos
muitos ganhos, crescimento e amadurecimento espiritual-humano. Mas boa parte
depende da forma como nos doamos para realizar a vontade de Deus. Se fizemos
isso conforme as exigências do Espírito, pois os discípulos “Fizeram isso e apanharam
tamanha quantidade de peixes que suas redes se rompiam”, isto é, a abertura e
obediência para as moções do Espírito foram tão profundas e confiantes, que os
frutos de tal seguimento foram maiores do que eles esperavam. Assim também pode
acontecer conosco, quando estamos disponíveis, confiamos e seguimos.
Mas
tal ação do Espírito exige que nós superemos as inclinações ao egoísmo em nós,
aquilo que a contemporaneidade chama de Individualismo. E a resposta para tais
entraves é iluminada pela Exortação Apostólica Evangelii Gaudium do Papa Francisco em que ele afirma: “[...] hoje
somos todos chamados a esta ‘saída’ missionária. Cada cristão e cada comunidade
há de discernir qual é o caminho que o Senhor lhe pede, mas todos somos
convidados a aceitar essa chamada: sair da própria comodidade [...]” (FRANCISCO,
2013, p. 20). Só acontece o frutífero sinal de Cristo se sairmos de nós mesmo e
entramos numa outra dinâmicas: a dinâmica da comunidade que se deixa iluminar
por Deus, a dinâmica do Reino. Possuir uma personalidade própria não é negar o
Evangelho, porém é preciso superar o nosso caminhar pessoal, pois, quando
dizemos “sim” para Deus, não se trata somente de um “sim” pessoal, mas que
engloba um projeto que vai além de nossas forças. Por isso, que os apóstolos “Fizeram
então sinais aos sócios do outro barco para virem em seu auxílio. Eles vieram e
encheram os dois barcos, a ponto de quase afundarem”. Portanto, o projeto do
Reino na Vida Religiosa é comunitário, e vai além do que pensamos ou queremos
decidir com a comunidade. Podemos então nos perguntar: estamos identificando o
projeto da nossa comunidade de fé como algo também nosso? Estamos contribuindo
para tal projeto? Estamos nos abrindo para as novidades que nos aparecem?
6) O reconhecimento das limitações, fragilidade e
dependência humana na Vida Religiosa, na comunhão com Deus.
“À vista disso
Simão Pedro atirou-se aos pés de Jesus, dizendo: ‘Afasta-te de mim, Senhor que
sou pecador!’”
A
experiência com Cristo deve nos levar a uma consciência de nós mesmos, de
nossas limitações, pecados e fragilidades. Isso é reflexo dessa amizade que nos
revela a verdade que é Deus e nossa total dependência Dele para concretude do
Projeto.
A
maturidade de que precisamos Dele para efetivação do projeto é a prova de
verdadeira humildade. Para tanto essa maturidade também se realiza na
comunidade onde cada membro se ver como ligados, feitos comunhão, entre si.
Assim quanto mais reconhecemos essa verdade de nossa fragilidade e pecado
diante de Deus, mais Deus se derrama de amor por nós e nos acolhe na sua
misericórdia como aconteceu com o Filho pródigo (Lc.15, 11-32). Por isso São
Paulo nos afirma que quanto mais fracos, ai é que somos fortes (2Cor.12, 9-10).
Reconhecer
a fragilidade e olhar com misericórdia diante da fragilidade do irmão é o passo
inicial para agirmos maduramente e a partir da nossa condição humana:
dependentes da Graça de Deus, deixando Deus agir, confiando em Deus que conduz
o nosso barco e o barco dos outros, mesmo que tais barcos estejam um pouco
quebrados, desorganizados ou sujos. Ai está a beleza da vida religiosa: não
buscamos a Deus pelo que de ruim existe em nós e nos outros, não buscamos a
Deus porque somos mais ou melhores que os outros. Não buscamos a Deus porque só
nós fazemos diferente ou somos melhores que os outros. Isso tudo é vão
pensamento e modo de viver de acordo com o mundo.
Escolhemos
essa vida porque cada dia mais reconhecemos que é Deus que nos quis, é Deus que
nos chamou, é Deus que nos faz amadurecer e ser melhor, é Deus que age em todos
(mesmo que estes criem resistências a Graça), é Deus que usa até do mais
miserável de todos os homens para mostrar o seu grande poder, a sua bondade
infinita. Mas isso só acontece no momento de Deus e não no nosso.
7)
A experiência do temor de Deus na Vida
Religiosa.
“O espanto,
com efeito, se apoderara dele e de todos os que estavam em sua companhia, por
causas da pesca que haviam acabado de fazer; e também de Tiago e João, filhos
de Zebedeu, que eram companheiros de Simão”
O temor é outro elemento que pode
aparecer no itinerário da Vida Religiosa, desde a entrada nas casas de
formação. Maria e muitos outros Santos passaram pela mesma experiência. Até
certo ponto o temos é construtivo na Vida Religiosa, desde que ele nos motive
para justamente avançar para águas mais profundas e depositar a confiança em
Deus. Isso implica uma questão de fé, de dar crédito a Deus. O temor pode
também seguir uma orientação de respeito com o Sagrado e com a exigência da
caminhada religiosa.
Daí
poderíamos nos perguntar: a experiência de nossa fé está entrelaçada pelo temor
a Deus, como confiança Nele e no temor como impulso para caminhar no seguimento
de Cristo? O grande risco dos radicais é crer que tudo é ruim ou que tudo é
bom. Mas a coisa mais difícil na discernir o que de fato é ruim e o que de fato
é bom. E perceber que o que era ruim
antigamente hoje pode ser bom assim como o que era bom antes hoje pode ser
prejudicial a nossa vida cristã.
A
lógica ética é que o bem deve ser praticado e o mal evitado. Porém, essa não
necessariamente é a lógica de Deus. É só olhar as palavras difíceis de serem
entendidas por Jesus: é preciso morrer para nascer de novo; do pobre é o Reino
do Céu; aquele que não perder a vida por mim, não entrará no Reino; eu vim para
os doentes e pecadores. Se olharmos o modo como Deus salvou a humanidade vamos
nos deparar com um escândalo ético: Deus nos salva, assumindo a nossa condição
humana, Deus nos salva perdoando a nossa maldade ou pecado, Deus nos salva
estando perto dos publicamente incorretos, Deus nos dá a vida eterna perdendo a
sua vida, Deus nos salva se tornando um condenado, Deus nos abre a
possibilidade de tudo (eternidade) perdendo tudo. Por isso que até o temor, visto
aparentemente com algo da fraqueza humana nem sempre é um problema. Muitas
vezes é a solução. E se torna eticamente correto.
8) Identidade e missão na Vida Religiosa.
“Jesus, porém,
disse a Simão: “Não tenhas medo! Doravante serás pescador de homens”. Então,
reconduziu os barcos à terra e deixando tudo, eles o seguiam”
Por
fim, todo esse processo de reflexão, meditação e observação por alguns pontos
de inspiração evangélica devem nos conduzir para a nossa identidade religiosa,
enquanto radicalidade, profundidade e maturidade no seguimento de Cristo. Essa
experiência rezada e vivida no cotidiano da vida tem a finalidade de tornar-nos
na Vida Religiosa, “pescadores de homens” para e na realidade em que nos
encontramos. Daí o movimento é de distanciamento do anti-reino para
profundidade evangélica, a fim de realizar a missão profética como religiosos
(as) no mundo contemporâneo, sendo uma expressão da misericórdia de Deus e
conduzindo todos para o fim eterno: a união com o Pai, o Filho e o Espírito
Santo.