segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Fé e Política



A e a Política sempre fizeram parte da vida do povo de Deus. No Antigo Testamento Moisés escreve os dez mandamentos para educar o povo na união com Deus (“Amar a Deus sobre todas as coisas”) e no compromisso de cuidado social do irmão (“não cobiçar as coisas alheias/ não levantar falso testemunho”), principalmente os mais abandonados: o órfão, a viúva, o migrante, o pobre.
Naquele tempo não havia separação entre Religião e Política. O profeta (o Ungido de Deus) era responsável para falar ao povo o que Deus queria, assim como tinha a obrigação de denunciar o Rei vigente (Saul, Salomão) quando este cometia injustiça para com o povo. A irresponsabilidade política era sempre condenada como o rompimento da “Aliança” de Deus. Pela boca do profeta Amós Deus denuncia os três crimes de Judá: “porque desprezaram a lei de Deus e não guardaram os seus mandamentos, tomando um caminho de mentiras” (Am 2,4). 
          Nos Evangelhos Jesus não é político, não se liga a nenhuma instância política do império romano, mas sua vida tem uma ação política que pode ser resumida em quatro posições: a) Jesus tinha uma visão realista da realidade: “‘sabeis que aqueles que vemos governar as nações as dominam, e os seus grandes as tiranizam” (Mc 10,42); b) Jesus sabe que as autoridades políticas, apesar de serem importantes, não são deuses e nem podem assumir o lugar de Deus (“pois dêm a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mt 22, 20); c) Jesus não nega o poder político ou função política de Pilatos, mas afirma que essa função é dada por Deus, e seu propósito deveria ser bom: “‘Não terias poder algum sobre mim, se não te fosse dado do alto” (Jo 19,11); d) Jesus era livre (Jo 10,18) para decidir corretamente diante de qualquer realidade política.
        Ao longo da história a Igreja e o povo crente estiveram envolvidos com a Política. Na Idade Média a Igreja e Estado eram uma só coisa. As regras da fé eram adaptadas ou sintonizadas com as normas civis da vida política e social do povo. Para assumir um cargo político era preciso passar pelos sacramentos, pelos princípios cristãos do serviço e cuidado. Estes princípios deveriam ser praticados na política. Os ricos influenciavam e até decidiam sobre a Igreja (quem iria ser ordenado Presbítero, Bispo e até Papa) e a Igreja tinha parte nas decisões do Estado e do Império (Romano...).
Da Modernidade adiante, principalmente no Brasil, a Igreja se separou do Estado. Isso até certo ponto foi bom para que os interesses corruptos e injustos do Estado não interferissem na Igreja e na vida de boa vontade dos fieis. Porém, recentemente há nos membros da Igreja um distanciamento da política. A corrupção, a injustiça e diversos erros saltam aos nossos olhos e nos deixam sem motivação para assumir o compromisso cristão de praticar a fé na política, para o Bem Comum. Mesmo diante desses desafios, não podemos perder a esperança. Se o barco está defeituoso, isso quer dizer que pode ser consertado. Assim é com a Política. Depende de nós contribuir para concertar o barco defeituoso chamado Política. 
O Concílio Vaticano II afirmou que a Igreja e a Política deveriam agir para o Bem de todos. Isso acontece pela cooperação entre as duas instâncias de poder (GS, 1581). Segundo a doutrina eclesial: a educação civil e política, tão necessária hoje em dia, especialmente para os jovens, deve ser ministrada de modo a que todos possam exercer o seu papel na comunidade política. (1578). A participação política do cristão católico é uma exigência que faz parte da raiz essencial humana.
Todos os cidadãos (inclusive cristãos) têm a possibilidade de participar cada vez mais livre e efetivamente da Política, do governo das coisas públicas, das instituições e eleições de governantes. A Igreja considera digna de louvores e considerações às pessoas que se colocam a serviço dos outros, nas coisas públicas e assumindo os encargos (GS, 1573). A exceção está no corpo ministerial ordenado, a saber, o presbítero, o bispo e pontífice romano. Estes mesmo possuindo validade eclesial de uma ação política no exercício do ministério e podendo orientar os fieis cristãmente sobre a Política, não podem fazer parte da política, não podem se filiar a nenhum partido, não podem ser políticos.
Por fim, o Papa Francisco afirma na Cartilha de Orientação Política que “para o cristão, é uma obrigação envolver-se na política. Nós, cristãos, não podemos fazer como Pilatos: lavar as mãos. Não podemos! Devemos nos envolver na política, pois a política é uma das formas mais altas da caridade, porque busca o bem comum. E os leigos cristãos devem trabalhar na política”.  Quando uma casa está pra cair, os donos correm e fazem alguma coisa. O nosso mundo é essa Casa Comum que está desabando com a corrupção Política, você vai ficar ai parado ou vai começar a arregaçar as mangas pra cuidar da nossa Casa Terra? Comece hoje......

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Vida Religiosa: meditações, reflexões e luzes evangélicas para a Contemporaneidade.



Nos sinais dos tempos atuais, a Vida Religiosa continua sendo um dos mais particulares, radicais e proféticos modos de vida na Igreja e sociedade. Sua singularidade e importância não está somente por se diferenciar tanto da vida laical como da clerical (CONCÍLIO VATICANO II, 2007, p. 228 ), mas por comungar e dialogar com estes dois modos de vida e manifestar, de modo especial e na sua radicalidade de seguimento, a expressão atualizada e renovada do Rosto de Cristo para os nossos tempos. E para contribuir, aprofundar e degustar sobre a experiência misericordiosa e rica de esperança no itinerário da Vida Religiosa, faz-se oitos considerações, a partir do Evangelho de Lucas (5, 1-11), que podem iluminar-nos e inspirar-nos- Religiosos(as) Consagrados(as)- a contemplar nosso percurso de vida com gratidão, alegria, esperança e entusiasmo evangélico. Também observamos algumas ideias e interrogações que nos ajudarão a aprofundar e vivenciar a riqueza de ser religioso na contemporaneidade carente de misericórdia.

1)   A realidade do chamado à Vida Religiosa.

“Certa vez em que a multidão se comprimia ao redor dele para ouvir a palavra de Deus, à margem do lago de Genesaré, viu dois pequenos barcos à margem do lago os pescadores haviam desembarcado e lavavam as redes.”

Se o Concílio Vaticano II nos convidou a retomar as origens do carisma congregacional ou institucional (CONCILIO VATICANO II, 2007, p. 302), essa origem precisa também fazer eco na nossa história particular, nas nossas bases histórico-existenciais. Essa conexão entre vida pessoal e experiência congregacional é necessária para percebermos que há uma continuidade, conversão e renovação na nossa trajetória de vida. Isso nos é importante para relembrarmos com alegria o fator motivador e decisivo do nosso modo de viver atual: o chamado de Deus. Não foi vós que me escolhestes, mais fui eu que te escolhi disse Jesus (Jo.15,16). Esse chamado não é outra coisa do que a expressão de quem nos conhecer profundamente e nos ama verdadeiramente. Podemos observar que há mais de 2000 anos Deus continua chamando pessoas para segui-Lo, como fez conosco e isso não é por mérito nosso, mas pela sua misericórdia que é eterna (Sl 136).  
O chamado de Deus, na nossa vida, não aconteceu no deserto ou na solidão da vida, mas numa experiência concreta, em um local concreto: em uma comunidade que caminhava com Cristo. A nossa experiência de fé parte de um contexto em que existiam um povo: “a multidão se comprimia ao redor dele para ouvir a palavra de Deus”. Isso é tão certo que o chamado de Deus, a nós, não é intermediado só por uma pessoa, mas por várias que aos poucos vão lançado a semente da sua misericórdia no nosso coração e nos sinalizando a vontade de Deus. E isso aconteceu porque nos abrimos para essa experiência. Cabe agora duas interrogações: temos guardado no nosso coração, bem vivo internamente, a experiência do chamado de Jesus na nossa vida? Atualizamos concretamente, todo dia, esse chamado e resposta a Deus? Santo Afonso Maria de Ligório costumava rezar no seu interior todo santo dia: começo hoje! (SÉGALEN, 1996, p.25). Essa é a primeira luz que não pode sair do nosso coração.
Se foi em um local, contexto e realidade específica que fomos chamados, e nos encantamos com tal experiência, isso não aconteceu por acaso, mas porque o barco da nossa vida estava dando uma estacionada, desembarcando para lavarmos as redes da vida que até então estava sem sentido profundo, sem caminho seguro, ou a espera de algo maior. Daí, como o chamado não é nosso, mas de Deus e também de seu Filho Jesus, foi este que “viu dois pequenos barcos à margem do lago”. Foi Jesus que nos viu. Portanto, podemos perceber novamente a ação primária e misericordiosa de Deus, que nos viu, nos amou por primeiro e foi ao nosso encontro de diversas formas e por diversas pessoas, como ele mesmo fez com seus discípulos. Outra questão se faz importante na Vida Religiosa: estamos deixando-nos ver (totalmente) e se encontrar por Jesus?

2)   A centralidade do Cristo e o distanciamento necessário da dinâmicas do mundo, na Vida Religiosa.

“Subindo num dos barcos, o de Simão, pediu-lhe que se afastasse um pouco da terra”

Se temos a certeza de fé, rezada e vivenciada, isso implica uma pergunta de fundo que fizeram todos os profetas e apóstolos: o Senhor nos chamou para que? A resposta de Deus é tão simples e tão difícil que podemos nos surpreender. Eles nos chamou para sermos Um com Ele, como Ele e o Pai são Um (Jo.17,22). E esse é o passo fundamental de toda a Vida Religiosa. Não há misericórdia maior do que estar unido com Cristo, com quem nos ama por primeiro e acima de tudo. Outros dois questionamentos se fazem necessários para nós: Estamos desejando, buscando, e tentando concretizar, nos nossos projetos e ações, ser Um, radicalmente, com Cristo? Os nossos trabalhos, pastorais, missão, instrumentos de evangelização, estão nos mantendo unidos a Ele?
Essa experiência é tão importante, que todo o nosso caminho histórico-humano-espiritual depende dessa união com Ele, pois Ele mesmo nos disse: “Sem mim nada podeis fazer” (Jo.15, 4). Nesse sentido precisamos orientar o barco da nossa vida, pois assim como Jesus subiu “num dos barcos, o de Simeão”, Ele quer fazer a mesma coisa com o nosso barco. Na verdade essa é a coisa que Deus mais quer. Todo o intento de Deus - deste o tempo dos primeiros povos na literatura-espiritual-poética adâmica até ressurreição do seu Filho, seguindo até hoje (com a mediação, aparições e intercessão de Nossa Senhora; a vida, persistência e testemunho dos Santos, Mártires, Beatos e Servos de Deus) - é para manter a comunhão conosco, porque nos ama.
Não foi por outra coisa que nós entramos na Vida Religiosa, se não por uma abertura à vontade de Deus. Para tanto, é preciso termos como opção fundamental o Cristo. Se na Vida Religiosa nós estamos com crise de identidade, isso é pela descentralização que fazemos da pessoas humana e divina de Jesus na nossa vida. Pela fraqueza humana e falta de fé, pelo fechamento à obra de Deus. Portanto é importante outra duas questões: Jesus Cristo está sendo a motivação fundamental, central e primeira na nossa vida, na nossa ação evangélica, nos nossos estudos e trabalhos? As outras motivações, as secundárias e assim por diante, estão sendo vivenciadas e realizadas para completar a motivação primeira e fundamental?  Quando deixamos outras coisas tomarem o lugar de Cristo então, aos poucos vamos nos separando, desligando e se afastando da identidade, vida e missão religiosa.
Para tal fim o próprio Jesus orienta a pessoa que Ele ama, pois ele mesmo, “pediu-lhe que se afastasse um pouco da terra”, isto é, que mantivesse uma distância razoável do jeito de pensar e viver dos demais modos de vida, e principalmente, dos que não caminham com Cristo. É importante destacarmos que os primeiros homens e mulheres (Monges, virgens,..) que se inspiraram para a criação da Vida Religiosa, levaram esse afastamento ao pé da letra e foram para o deserto. Apesar de tal radicalidade ter surtido efeitos positivos, porém, não foi um corte da realidade que Nosso Senhor nos pediu, não foi um virar as costas para a nossa realidade histórica, para o mundo, como se este não existisse ou fosse algo de condenável, como a tradição medieval pensou. Na verdade o que Jesus pediu, ou melhor dizendo, nos pede é um afastamento razoável, para adentrarmos no seu mistério e provarmos de sua misericórdia. É um abandonar a mentalidade do mundo humano egocêntrico, autossuficiente, independente, não solidário, não generoso, injusto e fechado ao cuidado com o gênero humano e todos os seres que compõe o nosso sistema planetário, para deixar-se guiar pela mentalidade de Jesus, pela inspiração concedida por Deus na pessoa de Jesus.
A entrada nas casas religiosas e o processo de formação é para termos esse afastamento a fim de que Ele nos fale, nos ensine e nos oriente ao que fazer na caminhada. Não se trata somente de um afastamento espacial-geográfico, pois podemos deixar os locais onde estávamos (muitas vezes incompatíveis com a opção de vida religiosa), sem deixar dentro de nós o modo antigo, ou as outras formas de vida que não nos ajudar a se encontrar e se identificar com Cristo radicalmente. Portanto, esse distanciamento interior e até certo ponto espacial é o que Cristo nos pede. O distanciamento de modos de vida que não promovem a felicidade humana, mas destrói a cada dia o nosso semelhante e explora initerruptamente as criaturas do nosso meio planetário. Então uma pergunta se faz presente: estamos nos distanciando de modos de pensar e viver que não competem a nós enquanto religiosos (as)? Olhemos a nossa consciência, pois, segundo falou Santo Afonso: ela é o sacrário de Deus, onde podemos encontrar a VERDADE MAIS PROFUNDA E ILUMINADA DO CORAÇÃO HUMANO.  É importante destacar que quando mais assumimos a nossa vocação religiosa, mais nos tornamos humanos, mais nos aprofundamos na experiência do amor agápico: amor incondicional, amor que busca e luta pela vida, dignidade e felicidade do outro.

3)   Uma escuta atenta e comunhão com Deus na Vida Religiosa.

           “depois, sentando-se ensinava do barco às multidões”

Se a experiência com Jesus nos leva há uma abertura para o seu chamado, ela exige de nós um afastamento razoável do estilo de vida e mentalidade do mundo. Isso significa que precisamos partir de outro ponto de vista que não seja o do ter, do prazer e do poder egoísta. Pois tais mentalidades são estimuladas, promovidas e disseminadas na cultural e na conjuntura contemporânea.
Podemos observar, então, que o chamado divino cristocêntrico é para nos envolver mais profundamente, mais de perto e realizar a comunhão com Jesus. E se não tentarmos nos esvaziar das coisas que nos afastam de Deus, ficará difícil fazer comunhão com Ele. Esse esvaziamento exemplificado pelo próprio Cristo (Fl 2,7) é fundamental para ouvir a vós de Deus, como fez o profeta Samuel (Sm 3,10). Assim como Jesus “ensinava do barco às multidões”, do mesmo modo Ele quer nos ensinar a Vontade do Pai misericordioso, para bem vivermos enquanto religiosos (as).
A Palavra de Deus, Além da Eucaristia, torna-se, então, um dos principais veículos de comunicação com o Pai e com o seu projeto misericordioso. Enquanto humanos imersos no amor, mentalidade e práxis profunda de Deus. Porém, não se trata de um ato de leitura somente, mas de interiorização. É um esforço continuo para guardar a Palavra de Deus no coração. Dois são os meios mais comuns para isso: a meditação e contemplação. Para realizarmos tal intento, é preciso condições favoráveis. No nosso itinerário religioso podemos nos questionar: estamos rezando a Palavra de Deus? Estamos criando condições para nos encontrar com Jesus? Estamos nos abrindo para acolher Deus que age na nossa vida nas luzes e trevas que vivenciamos? Essa experiência com Jesus é mais do que um formalismo. É um encontro com alguém que nos conhece e nos ama mais do que tudo. Portanto, deve estar preenchida pelo afeto e amor verdadeiro e sincero. Santo Afonso exemplifica que o encontro com Deus é semelhante há um encontro com alguém que deixou um Reino, um país, só para estar e falar conosco, e que anseia nos ver dia e noite (LIGÓRIO, 2014, p.84-85). Portanto, trata-se de uma intimidade profunda. Muitos religiosos caem na vida e se extraviam como ovelhas perdidas, porque perderam essa noção profunda de intimidade com a Palavra de Deus e com sua Pessoa misericordiosa, na oração e no cotidiano. Há também outros meios para fazermos comunhão com Deus. Porém depende de nossa persistência e abertura constante para não perdermos essa unidade e comunhão.

4)   Desprendimento de si: uma abertura para a profundidade do seguimento de Deus na Vida Religiosa.

“Quando acabou de falar, disse a Simão: ‘Faze-te ao largo; lançai vossas redes para pescar’. Simão respondeu: ‘Mestre, trabalhamos a noite inteiro sem nada apanhar; mas, porque mandas lançareis as redes’”.

Ter Jesus no barco da nossa vida e escutar a sua voz, que toca a nossa mente e o coração, requer que deixemos de lado uma tentação que acontece quando estamos progredindo, dando os primeiros passos no seguimento de Cristo, ou até quando nos tornamos propriamente religiosos (as): é a tentação de querer guiar a vida por si próprio, ou simplesmente, querer ter Jesus conosco, porém, como passageiro, ou objeto dos nossos interesses. Quando isso acontece fazemos muito, nos esforçamos e nos preocupamos cansativamente, porém, não encontramos tanto resultados. Esse é um risco que muitos religiosos correm, pois muitos vezes achamos que estamos sempre certos, e chegamos até a cair no erro de se achar portadores da salvação, ou, radicalmente, chegamos até a se tornar monopolizadores da Verdade.
Essa experiência pode acontecer desde a formação introdutória para a Vida Religiosa, pois normalmente se entra no seminário, com algumas ideias já mais ou menos formadas de como será o seguimento, porém, no caminhar da carruagem Deus vai exigindo mais de nós e nos mostrando o caminho que devemos percorrer. Ele nos diz: “‘Faze-te ao largo”, ou seja, avance por aquele lado. Assim Ele continua: “lançai vossas redes para pescar”, ou seja, segui por esse caminho, superai esse obstáculo, desprendei disso ou daquilo para continuar navegando. Então quanto mais nos fechamos e resistimos com nossas opiniões já prontas e acabadas, com nossa visão pequena e as vezes mesquinha de seguimento, mais sentimos dificuldade e sofremos para seguir. É como Pedro disse: “Mestre, trabalhamos a noite inteiro sem nada apanhar”.
Ora, enquanto religiosos precisamos nos abrir por alguns caminhos inusitados e que muitas vezes depende mais da confiança em Deus, do que da nossa própria segurança. Muitas vezes a comunidade religiosa passa por transformações e o Espírito diz é por aqui, porém, quando alguns membros emperram a caminhada, então, a caminhada religiosa entra em crise. Na verdade toda a crise é fruto da falta de comunhão com o espírito de Deus, quando boa parcela dos seus membros estão perdendo a direção do Espírito ou estão resistindo a tal ação divina, porque estão apegados há alguma coisa, ideia, ou pessoa, que não liberta-os para o movimento do Espírito.
Nessas circunstâncias é preciso muita oração, discernimento, e abertura para o bem comum. E isso se dá tanto no âmbito pessoal como no âmbito comunitário, pois o Espírito é um só, e Ele se manifesta em todos como no pentecoste (At.2,1-11). Nesse sentido é preciso obedecer as investidas do Espírito, aniquilar o egocentrismo que gira em nós e dizermos como Pedro: “mas, porque mandas lançareis as redes’”, ou melhor dizendo, “em atenção a tua Palavra lançarei as redes”. Então podemos refletir: que coisas em nós estão dificultando a identidade e ação da Vida Religiosa no seguimento de Cristo? Diante das exigências do Espírito, que se apresenta na vida e no trabalho seja religioso, seja apostólico: onde estamos tendo mais dificuldade, ou o que nos prende, não nos deixa seguir, na opção de Vida que respondemos? É preciso uma confiança em Deus e muita coragem para manter a nossa comunhão com Jesus, pois cada dia, Ele nos surpreende com um novo caminho ou uma nova exigência.  

5)   A exigência do Reino na Vida Religiosa para além do individualismo e personalismo.

“Fizeram isso e apanharam tamanha quantidade de peixes que suas redes se rompiam. Fizeram então sinais aos sócios do outro barco para virem em seu auxílio. Eles vieram e encheram os dois barcos, a ponto de quase afundarem”


            É possível percebermos que no itinerário da Vida Religiosa temos dificuldades e desafios, porém também temos muitos ganhos, crescimento e amadurecimento espiritual-humano. Mas boa parte depende da forma como nos doamos para realizar a vontade de Deus. Se fizemos isso conforme as exigências do Espírito, pois os discípulos “Fizeram isso e apanharam tamanha quantidade de peixes que suas redes se rompiam”, isto é, a abertura e obediência para as moções do Espírito foram tão profundas e confiantes, que os frutos de tal seguimento foram maiores do que eles esperavam. Assim também pode acontecer conosco, quando estamos disponíveis, confiamos e seguimos.
Mas tal ação do Espírito exige que nós superemos as inclinações ao egoísmo em nós, aquilo que a contemporaneidade chama de Individualismo. E a resposta para tais entraves é iluminada pela Exortação Apostólica Evangelii Gaudium do Papa Francisco em que ele afirma: “[...] hoje somos todos chamados a esta ‘saída’ missionária. Cada cristão e cada comunidade há de discernir qual é o caminho que o Senhor lhe pede, mas todos somos convidados a aceitar essa chamada: sair da própria comodidade [...]” (FRANCISCO, 2013, p. 20). Só acontece o frutífero sinal de Cristo se sairmos de nós mesmo e entramos numa outra dinâmicas: a dinâmica da comunidade que se deixa iluminar por Deus, a dinâmica do Reino. Possuir uma personalidade própria não é negar o Evangelho, porém é preciso superar o nosso caminhar pessoal, pois, quando dizemos “sim” para Deus, não se trata somente de um “sim” pessoal, mas que engloba um projeto que vai além de nossas forças. Por isso, que os apóstolos “Fizeram então sinais aos sócios do outro barco para virem em seu auxílio. Eles vieram e encheram os dois barcos, a ponto de quase afundarem”. Portanto, o projeto do Reino na Vida Religiosa é comunitário, e vai além do que pensamos ou queremos decidir com a comunidade. Podemos então nos perguntar: estamos identificando o projeto da nossa comunidade de fé como algo também nosso? Estamos contribuindo para tal projeto? Estamos nos abrindo para as novidades que nos aparecem?

6) O reconhecimento das limitações, fragilidade e dependência humana na Vida Religiosa, na comunhão com Deus.

“À vista disso Simão Pedro atirou-se aos pés de Jesus, dizendo: ‘Afasta-te de mim, Senhor que sou pecador!’”


A experiência com Cristo deve nos levar a uma consciência de nós mesmos, de nossas limitações, pecados e fragilidades. Isso é reflexo dessa amizade que nos revela a verdade que é Deus e nossa total dependência Dele para concretude do Projeto.
A maturidade de que precisamos Dele para efetivação do projeto é a prova de verdadeira humildade. Para tanto essa maturidade também se realiza na comunidade onde cada membro se ver como ligados, feitos comunhão, entre si. Assim quanto mais reconhecemos essa verdade de nossa fragilidade e pecado diante de Deus, mais Deus se derrama de amor por nós e nos acolhe na sua misericórdia como aconteceu com o Filho pródigo (Lc.15, 11-32). Por isso São Paulo nos afirma que quanto mais fracos, ai é que somos fortes (2Cor.12, 9-10).
Reconhecer a fragilidade e olhar com misericórdia diante da fragilidade do irmão é o passo inicial para agirmos maduramente e a partir da nossa condição humana: dependentes da Graça de Deus, deixando Deus agir, confiando em Deus que conduz o nosso barco e o barco dos outros, mesmo que tais barcos estejam um pouco quebrados, desorganizados ou sujos. Ai está a beleza da vida religiosa: não buscamos a Deus pelo que de ruim existe em nós e nos outros, não buscamos a Deus porque somos mais ou melhores que os outros. Não buscamos a Deus porque só nós fazemos diferente ou somos melhores que os outros. Isso tudo é vão pensamento e modo de viver de acordo com o mundo.
Escolhemos essa vida porque cada dia mais reconhecemos que é Deus que nos quis, é Deus que nos chamou, é Deus que nos faz amadurecer e ser melhor, é Deus que age em todos (mesmo que estes criem resistências a Graça), é Deus que usa até do mais miserável de todos os homens para mostrar o seu grande poder, a sua bondade infinita. Mas isso só acontece no momento de Deus e não no nosso.   

7) A experiência do temor de Deus na Vida Religiosa.

“O espanto, com efeito, se apoderara dele e de todos os que estavam em sua companhia, por causas da pesca que haviam acabado de fazer; e também de Tiago e João, filhos de Zebedeu, que eram companheiros de Simão”


            O temor é outro elemento que pode aparecer no itinerário da Vida Religiosa, desde a entrada nas casas de formação. Maria e muitos outros Santos passaram pela mesma experiência. Até certo ponto o temos é construtivo na Vida Religiosa, desde que ele nos motive para justamente avançar para águas mais profundas e depositar a confiança em Deus. Isso implica uma questão de fé, de dar crédito a Deus. O temor pode também seguir uma orientação de respeito com o Sagrado e com a exigência da caminhada religiosa.
Daí poderíamos nos perguntar: a experiência de nossa fé está entrelaçada pelo temor a Deus, como confiança Nele e no temor como impulso para caminhar no seguimento de Cristo? O grande risco dos radicais é crer que tudo é ruim ou que tudo é bom. Mas a coisa mais difícil na discernir o que de fato é ruim e o que de fato é bom.  E perceber que o que era ruim antigamente hoje pode ser bom assim como o que era bom antes hoje pode ser prejudicial a nossa vida cristã.
A lógica ética é que o bem deve ser praticado e o mal evitado. Porém, essa não necessariamente é a lógica de Deus. É só olhar as palavras difíceis de serem entendidas por Jesus: é preciso morrer para nascer de novo; do pobre é o Reino do Céu; aquele que não perder a vida por mim, não entrará no Reino; eu vim para os doentes e pecadores. Se olharmos o modo como Deus salvou a humanidade vamos nos deparar com um escândalo ético: Deus nos salva, assumindo a nossa condição humana, Deus nos salva perdoando a nossa maldade ou pecado, Deus nos salva estando perto dos publicamente incorretos, Deus nos dá a vida eterna perdendo a sua vida, Deus nos salva se tornando um condenado, Deus nos abre a possibilidade de tudo (eternidade) perdendo tudo. Por isso que até o temor, visto aparentemente com algo da fraqueza humana nem sempre é um problema. Muitas vezes é a solução. E se torna eticamente correto.  

8) Identidade e missão na Vida Religiosa.

“Jesus, porém, disse a Simão: “Não tenhas medo! Doravante serás pescador de homens”. Então, reconduziu os barcos à terra e deixando tudo, eles o seguiam”


Por fim, todo esse processo de reflexão, meditação e observação por alguns pontos de inspiração evangélica devem nos conduzir para a nossa identidade religiosa, enquanto radicalidade, profundidade e maturidade no seguimento de Cristo. Essa experiência rezada e vivida no cotidiano da vida tem a finalidade de tornar-nos na Vida Religiosa, “pescadores de homens” para e na realidade em que nos encontramos. Daí o movimento é de distanciamento do anti-reino para profundidade evangélica, a fim de realizar a missão profética como religiosos (as) no mundo contemporâneo, sendo uma expressão da misericórdia de Deus e conduzindo todos para o fim eterno: a união com o Pai, o Filho e o Espírito Santo.