Isaias
Mendes Barbosa, CSsR.
A Ecoteologia trata da
inter-relação, interdependência, ou comunhão integral entre todos os seres –
bióticos e abióticos – quem fazem parte do nosso planeta. Ela se situa no
âmbito científico, ético, antropológico e ambiental, porém, inspirada na e a partir
da fé cristã, sabedoria bíblico-religiosa, da Tradição e Doutrina eclesial.
Todavia, Sustentabilidade se classifica como
outro termo (substantivado ou adjetivado) relevante para Ecoteologia no âmbito
ético, político e ecológico, na relação transitiva e dialogal dentre a fé
cristã, a comunidade de vida e humana que permeia o nosso ecossistema
planetário. Ora, os governantes, as empresas e os meios de comunicação midiáticos
não poucas vezes se apropriam de tal termo nas propagandas de marketing, sem
saber ou desvirtuando o real e profundo significado de Sustentabilidade (BOFF, 2012, p.9).
O problema não está
somente numa definição conceitual inapropriada, mas também na forma como ela é
utilizada para iludir, inebriar o público alvo (a população), a fim de que este
continue a consumir produtos ou apõe projetos que pouco ou nada têm haver com a
Sustentabilidade no sentido original
e essencial do termo.
Diante do falacioso uso
do termo, da incoerência conceitual e prática dos modelos atuais de economia e
política socioambiental, pretendemos apresentar onde está o problema sobre tais
modelos – até então definidos como sustentáveis – e sobre os problemas de sua
prática social na contemporaneidade. Por conseguinte, esboçamos uma definição integradora
do referido termo em relação com as diversas dimensões da esfera humana e da
comunidade de vida, assim como destacamos suscintamente a relevância dessas
colocações para a Ecoteologia.
O Teólogo Leonardo Boff
na obra “Sustentabilidade: O que é. O que
não é” analisa criticamente os seis modelos atuais de Sustentabilidade utilizados pelos governos e empresários. O
primeiro modelo (padrão de desenvolvimento sustentável) classificou-se como capitalista, industrial, mercantil
exploratório. Os efeitos de tal modelo na política e prática empresarial foi
a exploração da Terra, a produção de desigualdade humana, a pobreza e a
miséria. O consumo e exploração constante dos bens naturais, que eram limitados,
geraram a degradação ambiental e o desrespeito ao ritmo de desenvolvimento da
natureza. O desenvolvimento sustentável viável, justo e ambientalmente correto
não aconteceu, portanto, se classificou insustentável (BOFF, 2012, p.41-44).
O segundo modelo (neocapitalista)
aceitou as regulações do Estado, mas deixou o
Mercado livre para seguir sua lógica concorrencial. Isso gerou tensão e
desequilíbrio na sociedade estadunidense. Daí continuou-se a extração dos
insumos da natureza e criou-se uma perversa desigualdade social (BOFF, 2012,
p.51-52). O terceiro modelo (do capital natural), contraditório no uso do
termo, pretendeu incorporar ao processo econômico os fluxos biológicos. A
finalidade era potencializar a natureza, por diversos meios técnicos, químicos
e naturais, para que ela produzisse mais. Tais ações geraram reposição de
recursos naturais, mas para fins econômicos em detrimento da dignidade, valor e
ritmo que a natureza possuia em si mesma (BOFF, 2012, p.52-52).
O quarto modelo (de
economia verde) que integra ecologia e economia de forma harmoniosa, pretendeu
auxiliar os pobres e pequenos agricultores com os meios técnicos, sementes e
créditos. Tentou-se uma redução da poluição ambiental por diversos meios.
Porém, a mudança prevista não alterou os padrões de consumo e nem esclareceu sobre
os meios (éticos ou não) para a produção “verde” e os efeitos agressivos ambientais
de tais atividades. Nesse modelo a desigualdade não foi minimizada pela sua
raiz social e cultural (BOFF, 2012, p.53-55).
O quinto modelo (ecossocialismo),
ainda não concretizado, visou uma produção respeitosa da dinâmica da natureza e
promoveu a economia humanitária fundada nos direitos e nos princípios éticos
fundamentais humanos. Mas tal proposta está encerrada no antigo paradigma não
relacional entre o humano, a terra e o universo (BOFF, 2012, p.56-57), tal
modelo teve as limitações do fechamento da sustentabilidade exclusivamente
antropológica. O sexto modelo (do ecodesenvolvimento ou da bioeconomia) subdividido
em três expressões trata a) do decrescimento econômico; b) combina economia,
ecologia, democracia, justiça, inclusão e equidade social; c) e busca uma
democracia econômica na qual o crescimento deveria ser sustentável, suficiente,
eficiente e equânime. Porém, tal modelo até agora não apresentou a força
argumentativa da nova cosmologia e da ecologia da transformação (BOFF, 2012,
p.60-61).
Em síntese Boff apresenta
a razão ética de sua critica aos modelos políticos e empresariais de sustentabilidade:
Em
conclusão podemos dizer: pouco importa a concepção que tivemos de
sustentabilidade, a ideia motora é esta: não é correto, não é justo nem ético
que, ao buscarmos os meios para a nossa subsistência, dilapidemos a natureza,
destruamos biomas, envenenemos os solos, contaminemos as aguas, poluamos os
ares e destruamos o sutil equilíbrio do Sistema Terra e do Sistema Vida. (BOFF,
2012, p.64)
Se
tais modelos apresentados demostram uma errada compreensão ou ilusória ideia
sobre o termo Sustentabilidade, isso
se dá por diversos motivos dentre os quais se destaca o sistema econômico,
técnico e político vigente que se motiva a busca livre e irrefreável do capital
acima de tudo e de todos, assim como tais lideranças políticas, empresariais e
governamentais criam projetos, partem de “ideologias” ou pressupostos que pouco
ou quase nada tem haver com o significado mais substantivo de Sustentabilidade e das dimensões que tal
termo engloba ao pensamos no Bem Comum.
Neste sentido a
compreensão e práxis do dito termo não alcançaram sua extensão e definição
conceitual indicada por Boff: sustentar, segurar por baixo, suportar, servir de
ancora, impedir que caia, impedir a ruína e a queda. Para Boff a compreensão
prévia para uma definição original e eticamente necessária de Sustentabilidade se refere a tudo o que
fizermos para que um ecossistema e a sua biodiversidade não decaia e se arruíne.
Neste sentido se enfatiza o acréscimo de termos ou sentidos que fazem parte do
mesmo campo semântico de Sustentabilidade:
o conservar, o manter, o proteger, o nutrir, o alimentar, o fazer prosperar, o
subsistir, o viver, o conservar-se sempre à mesma altura e conservar-se sempre
bem (BOFF, 2012, p.31). “Estes sentidos são visados quando falamos hoje em dia
de sustentabilidade, seja no universo, da Terra, dos ecossistemas e também de
inteiras comunidades e sociedades: que continuem vivas e se conservem bem”
(BOFF, 2012, p.32).
A partir da constatação
do que não se denominou como sustentável nos projetos e ações governamentais e
empresariais, vamos em busca de uma definição mais clarificada de tal termo.
Ela deve abranger as relações entre os diversos setores de intervenção humana
no sentido positivo do termo, assim com deve se relacionar com os âmbitos
observados na Ecoteologia: cosmologia, antropologia, ética, ecologia. Neste
sentido Boff nos atenta para alguns elementos presentes na história recente do
conceito de Sustentabilidade. Ele
sustenta que a preocupação do termo partiu da silvicultura, com o manejo das florestas,
mas se originou conceitualmente na Alemanha. Se no início a questão estava
relacionada com a preservação da floresta, pela limitação de corte para o
consumo humano e produção de carvão mineral (BOFF, 2012, p.34-35), ao longo do
tempo outras questões forma somando-se e se relacionando ao termo.
A preocupação de
manutenção dos bens naturais para as futuras gerações, a limitação ou
refreamento do crescimento económico, a radicação da pobreza, dos padrões
desiguais de vida, a saúde do sistema ambiental, a reciclagem dos resíduos
naturais, a busca por energia renovável (alternativa), a conservação da
biodiversidade e a interdependências entre todos os seres, foram elementos ou
questões que ampliaram e somaram-se na definição de Sustentabilidade e na busca de efetivação do termo nos programas de
diversos países para a manutenção, o desenvolvimento e bem estar equitativo da
vida humana e planetária.
Dois pressupostos são
fundamentais para uma definição integradora de Sustentabilidade, a saber: o cosmológico e o antropológico. O primeiro se reporta a “visão geral do
universo, da Terra, da vida e do ser humano que serve de orientação para as
pessoas e para a sociedade” (BOFF, 2012, p.77). Essa visão engloba a cosmogênese,
o processo evolutivo e interdependente de todos os seres. Trata-se de um
sistema aberto e em processo de transformação, harmonia, adaptação e etc. O
universo é visto como um todo, a massa e a matéria são equivalentes, e na
matéria está a informação como o resultado da interação entre todos os seres.
O segundo pressuposto,
não sem relação com o primeiro, apresenta a gênese humana. O processo evolutivo
complexo – de interiorização e interdependência – se transformou e nele surgiu
à complexidade mais sofisticada da vida, a vida humana. Da interioridade surge
o sistema nervoso central e um cérebro humano. Aqui desponta a consciência, a
inteligência, a espontaneidade e a liberdade; a espiritualidade, a
cordialidade, o cuidado e a vulnerabilidade (BOFF, 2012, p.82-83). Antropologia
e cosmologia se integram e se relacionam como pressuposto da Sustentabilidade. Daí Boff apresenta uma
definição integradora:
Sustentabilidade
é toda ação destinada a manter as condições energéticas, informacionais,
físico-químicas que sustentam todos os seres, especialmente a Terra viva, a
comunidade de vida e a vida humana, visando sua continuidade e ainda atender as
necessidades da geração presente e das futuras, de tal forma que o capital
natural seja mantido e enriquecido em sua capacidade de regeneração, reprodução
e coevolução. (BOFF, 2012, p.107)
As condições favoráveis da existência de todos os seres é a base que
dar sentido ao emprego do termo. Desde o processo da cosmogênese e da biogênese
que se observa o processo evolutivo e transformador dos seres pela conjugação
de elementos energéticos, informacionais
e físico-químicos. É o fundamento de tudo e passo inicial para que os
diversos seres que compõe a comunidade de vida e vida humana subsistam e se
conservem enquanto tal (BOFF, 2012, p. 107).
A sustentação vital de todos os seres supera o paradigma
antropocêntrico moderno (estrito) que exerce a objetivação ou coisificação
instrumental da comunidade de vida planetária e cósmica. Isso significa que
independente da funcionalidade utilitarista e capitalista, a biodiversidade,
todos os seres bióticos e abióticos que participam do nosso habitat são
importantes para a Sustentabilidade.
Por outro lado, a Terra é mais do que um instrumento de
extração e captação de bens, é uma célula viva que se autorregula, sofre,
regenera-se, evolui. É a base de subsistências da comunidade de vida e vida humana. Da Mãe Terra sai todas as demais
formas de vida e conservação dos seres. O meio ambiente é espaço basilar da
nossa existência. Somos interdependentes. Sem essa cadeia ou rede de vida a
existência fica fadada ao fracasso (BOFF, 2012, p.108). A comunidade de vida
forma os biomas e a biodiversidade para a continuidade da vida no planeta.
Neste o ser humano habita e participa da rede de
vida e se destaca por ser o ser mais complexo e portador de consciência,
sensibilidade, inteligência, amor e cuidado para garantir a continuidade da
vida e civilidade humana, além de possuir a liberdade de intervir positivamente
ou destrutivamente na natureza, no ecossistema e na espécie humana. A continuidade se dá pela fonte originária
de todo ser e pelo processo de autocriação e expansão do universo vital. A
assistência das necessidades humanas faz parte desse processo de Sustentabilidade da vida em todas as
suas formas, pois são os recursos emergenciais que o Cosmo e a Terra nos
oferece (BOFF, 2012, 109).
A conservação da nova geração além das que continuarão a nossa é
condicionada pela relação de sinergia e cooperação com a terra e distribuição
equitativa dos bens e serviços. A solidariedade e o direito de condições favoráveis
de existência são os percursos de preservação das novas gerações. A comunidade
de vida, por sua vez, é recoberta na Sustentabilidade
como espaço para a vida e convivência do ser humano. Porém, não se tem
cuidado, subsistência e conservação sem a capacidade de conservar o capital natural para ser entregue as gerações futuras (BOFF,
2012, p.109).
Ora, até aqui
constatamos que a Sustentabilidade é
de grande contributo para a Ecoteologia porque amplia e relaciona de modo
profundo e integral a dimensão antropológica e a cosmológica. Neste sentido, há
uma interdependência, ligação, relação, interação entre os diversos temas ou
questões tratadas na Ecoteologia. O vínculo dos seres humanos com os demais
seres que compõem a nossa Casa Comum e a visão planetária como um sistema
complexo, inter-relacional e em constante auto-criatividade, transformação e
evolução.
As questões da
degradação humana e do meio ambiente tem o respaldo da Ética Humana Ambiental,
do cuidado humano com a Casa Comum e da ligação dos seres humanos com os demais
seres que compõe no nosso sistema planetário. Isso tanto é observado na
Ecoteologia como na compreensão integrante da Sustentabilidade. Todavia, assim como na Ecoteologia, aquela se dedica a resgada o valor de todos os
seres, independente de utilidade comercial e capital.
Ao ser tratado como
pertencente às diversas esferas da vida humana e existência planetária, a Sustentabilidade se relaciona com as
questões da pobreza, da desigualdade, da exploração comercial e capital, da
degradação ambiental, da destruição do nosso ecossistema planetário e do
próprio gênero humano. Neste sentido há uma aproximação muito grande entre Sustentabilidade e Ecoteologia. Pois
tais questões se cruzam e se complementam na hora de se observar a vida nas
suas variações de formas pelo princípio holístico. O respaldo que aquela dá
sobre as questões da ecologia, da cosmogêneses, da antropologia humana, da
economia, é enriquecedor na Ecoteologia, pois amplia as pesquisas e formas de
pensar relacional e interdependentemente.
O processo sustentável
desenvolvimento concede uma maior explicação sobre a evolução de todos os
seres, isso serve como complemento para a dimensão teologal do dia da criação e
da doutrina social da Igreja. Por fim, as questões éticas pertinentes a
continuidade da geração presente e futura contribui na Ecoteologia para uma visão
mais histórico-social-imanente da escatologia.