Isaias
Mendes Barbosa, CSsR.
Ao
falarmos de teologia estamos tratando de um tipo de conhecimento ou saber que
deriva da fé cristã, mas se distingue desta porque apresenta formas, linguagens
e métodos próprios, mais articulados e elaborados para descrever a vida, a
compreensão e a forma de práxis do ser cristão. Sobre essa distinção entre fé cristã e teologia, Murad (2016,
p.207) nos ajuda a compreender que a fé, é intuitiva, sensitiva, comparativa,
expressa por analogias e aproximações das situações do cotidiano. Não elaborada
categoricamente, a fé cristã faz parte da vida simples ou do sentido comum dos
crentes, é um dom divino.
Já a teologia é
discursiva, racional, ela elabora os dados da fé, das sagradas escrituras e da
tradição eclesial, em busca de maior clareza sobre a vida e missão do cristão.
É uma ciência com um rigor reflexivo, pois dá razão àquilo que cremos (fé),
esperamos (esperança) e praticamos (caridade). A teologia está voltada para a luz da fé revelada para compreender o
mundo, a vontade de Deus e responder evangelicamente às exigências da
realidade. Apesar desta distinção, tanto a fé cristã como a teologia se implicam,
pois a teologia é a reflexão sobre a fé cristã ou a partir dela. Elas partem de
objetos indispensáveis ao saber e vida cristã: Deus, a Revelação e
autocomunicação de Deus na história, e relação de Deus com a Comunidade
(humana) crente e a realidade vivenciada. Todavia fica a questão: o que é Ecoteologia?
Qual sua relação com a teologia e a fé cristã? O que diferencia a Ecoteologia dessas
duas formas de saber?
A Ecoteologia é uma
saber ou ciência que deriva da teologia, é parte desta. É um tipo de teologia
cristã que partilha de elementos constitutivos da ciência da fé, porém com um
diferencial, dentre outros: “consiste em pensar a fé no horizonte da
consciência planetária. Essa se caracteriza como a (re)descoberta de que o
mundo torna-se um todo, o ser humano è membro da Terra e deve assumir a
responsabilidade pelo futuro do planeta habitável” (MURAD, 2016, p.211).
A Ecoteologia trata de
questões que relaciona a humanidade com a sua práxis e a realidade planetária
que a cerca. É um saber de relação, de interconectividade, de intercambio e
interdependência com tudo e em momentos variados. Assim, três âmbitos fazem
parte das questões inter-relacionais da Ecoteologia: a ciência da
interdependência do todos os seres, a ética do cuidado com o planeta e o
paradigma pós-antropocêntrico (MURAD, 2016, p.212). Ela amplia a visão e
consciência humana para além de um antropocentrismo, ou visão tradicional
antropológica. Situa o ser humano na relação com os outros seres abióticos
(solo, ar, energia solar) e bióticos (micro-organismos, plantas e animais) da
nossa esfera planetária.
Apesar da Ecoteologia
tratar de questões ou temas que pertencem à teologia como a fé, a revelação, o
homem, a ética, os escritos bíblicos, a tradição, a experiência religiosa
cristã, ela tem uma singularidade quanto ao método, a linguagem e ao conteúdo.
Há um rompimento da separação tradicional entre corpo e alma, sujeito e objeto,
realidade humana e realidade da natureza, é um saber que promove a
integralidade nas relações entre os seres que compõe o nosso ecossistema. Não
há uma redução metodológica conceitual como na teologia tradicional, mas também
uma combinação de símbolos e imagens para tratar das questões ou realidade
teológica.
Ela combina elementos
que aparentemente não possuem nenhuma relação entre si, como a sabedoria da
terra e a sabedoria humana, a degradação ambiental e a mobilidade humana, o
aquecimento global e a economia, o bem estar humano e o cuidado com o planeta,
revelação divina e o nosso ecossistema, a crise ambiental e a fragilidade do
pobre. O método “combina vários acessos à comunhão da criação: tradição,
experiência, ciência, sabedoria, dedução, intuição” (MURAD, 2016, p.216).
Se a teologia é uma
prática teórica que considera o saber hermenêutico pré-teológico – como a
filosofia, a literatura, a arqueologia, a medicina e a sociologia – para
aprimorar ou amadurecer sua compreensão e posicionamento ético (não
fundamentalista ou dogmático) sobre a realidade, a Ecoteologia, por sua vez,
serve-se de outros saberes ou ciências (sociais e ambientais) – como a
história, a economia, a agroecologia, o ecodesign, a engenharia civil e
arquitetura sustentável, a geografia, a ecologia e o estudo dos solos, dentre
outros – para sua postura moral ecológica cristã fundamental sobre a realidade
relacional humana e ambiental integral. Para além de um discurso eclesial ou magisterial,
da tradição bíblica ou das verdades reveladas da fé cristã, a Ecoteologia pensa
a realidade humana, ambiental, planetária, social, estrutural, cultural e
política á luz da fé. Ela tem uma função crítica, construtiva e se insere no
movimento de continuidade, rupturas e avanços da teologia contemporânea:
[...] Não
alimenta a ilusão de ser a grande chave hermenêutica para reconfigurar toda
teologia. Tampouco é um pequeno setor, que se ocupa somente de questões
ambientais ou da teologia da criação. Consiste em uma perspectiva, um enfoque,
que permite reorganizar dados da fé, inferir, dialogar e aprofundar. Ela
influencia a produção da teologia ao colocar perguntas decisivas no momento de
realizar o intellectus fidei, a
mediação hermenêutica própria ente teológica, que utiliza a Bíblia e a Tradição
eclesial, sensível aos “Sinais dos Tempos” (MURAD, 2016, p.222).
A
Ecoteologia pode tratar dos mesmos temas, elementos ou referencial teórico da
teologia. Todavia, o seu diferencial está em contribuir ou ampliar o patrimônio
vivo do saber teológico contemporâneo e poder avançar nas reflexões em
diferentes áreas disciplinares até então pouco ou quase nada exploradas. Para
exemplifica, sustentamos que a Ecoteologia ora trabalha, ora recebe
contribuição teológica sobre diversos temas.
O tema da Terra é focado numa visão cristã sobre o
ser humano em relação com a natureza e Deus. Aqui o princípio cosmogênico de
complexificação, interiorização/diferenciação e inter-relacionalidade se
constitui como fundamental; o tema antropológico
da Graça apresenta uma perspectiva cristã antropológica em relação com o
processo evolutivo da matéria e história do cosmos. Há uma reflexão sobre a
graça original e o pecado no horizonte evolutivo; observamos o tema do mistério de Deus sobre a relação una e trinitária
de Deus conosco. Essa comunhão fundamenta a biodiversidade e a diversidade
humana, a prioridade da cooperação e interdependência de todos os seres;
A Cristologia acentua o Cristo glorificado, aquele que é Palavra
criadora, primogênito de toda criatura, o Cristo cósmico; na Pneumatologia a Ecoteologia acentua a
função do Espírito Santo que cria, conserva, renova e consuma o projeto de
Deus, atuando no crente, na Igreja e no universo; a Ética tem como conteúdo a conservação e continuidade da vida em
toda sua extensão, a Ética do cuidado; a Teologia
bíblica trás para a Ecoteologia a questão da criação e salvação, louvor,
compromisso histórico, a sabedoria, a ética, o profetismo e etc, numa unidade
integral; o tema dos estudos patrísticos
resgata as intuições dos primeiros séculos referentes à ecologia e a relação do
pecado, encarnação e redenção de Cristo na natureza. Por fim acentuamos:
[...], a
ecoteologia trata de temas explicitamente ecológicos, em âmbito prático, para
ajudar os cristãos a constituir uma sociedade sustentável, viável. Por isso,
assuntos como água, resíduos sólidos, política energética, biodiversidade,
governança global, consumismo e consumo responsável, mobilidade urbana, uso do
solo, qualidade do ar torna-se também matéria-prima para a ciência da fé, como
ética teológica. Em dialogo com as ciências ambientais, compreende-se cada
questão no contexto da biosfera. A pontam-se as causas diversas que levam a
degradação do meio ambiente e do ser humano. (MURAD, 2016, p. 229)
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