sábado, 27 de outubro de 2018

Ecoteologia: o que é, que método usa e que temas trabalha?

Isaias Mendes Barbosa, CSsR.
            Ao falarmos de teologia estamos tratando de um tipo de conhecimento ou saber que deriva da fé cristã, mas se distingue desta porque apresenta formas, linguagens e métodos próprios, mais articulados e elaborados para descrever a vida, a compreensão e a forma de práxis do ser cristão. Sobre essa distinção entre fé cristã e teologia, Murad (2016, p.207) nos ajuda a compreender que a fé, é intuitiva, sensitiva, comparativa, expressa por analogias e aproximações das situações do cotidiano. Não elaborada categoricamente, a fé cristã faz parte da vida simples ou do sentido comum dos crentes, é um dom divino.
Já a teologia é discursiva, racional, ela elabora os dados da fé, das sagradas escrituras e da tradição eclesial, em busca de maior clareza sobre a vida e missão do cristão. É uma ciência com um rigor reflexivo, pois dá razão àquilo que cremos (fé), esperamos (esperança) e praticamos (caridade). A teologia está voltada para a luz da fé revelada para compreender o mundo, a vontade de Deus e responder evangelicamente às exigências da realidade. Apesar desta distinção, tanto a fé cristã como a teologia se implicam, pois a teologia é a reflexão sobre a fé cristã ou a partir dela. Elas partem de objetos indispensáveis ao saber e vida cristã: Deus, a Revelação e autocomunicação de Deus na história, e relação de Deus com a Comunidade (humana) crente e a realidade vivenciada. Todavia fica a questão: o que é Ecoteologia? Qual sua relação com a teologia e a fé cristã? O que diferencia a Ecoteologia dessas duas formas de saber?
A Ecoteologia é uma saber ou ciência que deriva da teologia, é parte desta. É um tipo de teologia cristã que partilha de elementos constitutivos da ciência da fé, porém com um diferencial, dentre outros: “consiste em pensar a fé no horizonte da consciência planetária. Essa se caracteriza como a (re)descoberta de que o mundo torna-se um todo, o ser humano è membro da Terra e deve assumir a responsabilidade pelo futuro do planeta habitável” (MURAD, 2016, p.211).
A Ecoteologia trata de questões que relaciona a humanidade com a sua práxis e a realidade planetária que a cerca. É um saber de relação, de interconectividade, de intercambio e interdependência com tudo e em momentos variados. Assim, três âmbitos fazem parte das questões inter-relacionais da Ecoteologia: a ciência da interdependência do todos os seres, a ética do cuidado com o planeta e o paradigma pós-antropocêntrico (MURAD, 2016, p.212). Ela amplia a visão e consciência humana para além de um antropocentrismo, ou visão tradicional antropológica. Situa o ser humano na relação com os outros seres abióticos (solo, ar, energia solar) e bióticos (micro-organismos, plantas e animais) da nossa esfera planetária.
Apesar da Ecoteologia tratar de questões ou temas que pertencem à teologia como a fé, a revelação, o homem, a ética, os escritos bíblicos, a tradição, a experiência religiosa cristã, ela tem uma singularidade quanto ao método, a linguagem e ao conteúdo. Há um rompimento da separação tradicional entre corpo e alma, sujeito e objeto, realidade humana e realidade da natureza, é um saber que promove a integralidade nas relações entre os seres que compõe o nosso ecossistema. Não há uma redução metodológica conceitual como na teologia tradicional, mas também uma combinação de símbolos e imagens para tratar das questões ou realidade teológica.
Ela combina elementos que aparentemente não possuem nenhuma relação entre si, como a sabedoria da terra e a sabedoria humana, a degradação ambiental e a mobilidade humana, o aquecimento global e a economia, o bem estar humano e o cuidado com o planeta, revelação divina e o nosso ecossistema, a crise ambiental e a fragilidade do pobre. O método “combina vários acessos à comunhão da criação: tradição, experiência, ciência, sabedoria, dedução, intuição” (MURAD, 2016, p.216).
Se a teologia é uma prática teórica que considera o saber hermenêutico pré-teológico – como a filosofia, a literatura, a arqueologia, a medicina e a sociologia – para aprimorar ou amadurecer sua compreensão e posicionamento ético (não fundamentalista ou dogmático) sobre a realidade, a Ecoteologia, por sua vez, serve-se de outros saberes ou ciências (sociais e ambientais) – como a história, a economia, a agroecologia, o ecodesign, a engenharia civil e arquitetura sustentável, a geografia, a ecologia e o estudo dos solos, dentre outros – para sua postura moral ecológica cristã fundamental sobre a realidade relacional humana e ambiental integral. Para além de um discurso eclesial ou magisterial, da tradição bíblica ou das verdades reveladas da fé cristã, a Ecoteologia pensa a realidade humana, ambiental, planetária, social, estrutural, cultural e política á luz da fé. Ela tem uma função crítica, construtiva e se insere no movimento de continuidade, rupturas e avanços da teologia contemporânea:
[...] Não alimenta a ilusão de ser a grande chave hermenêutica para reconfigurar toda teologia. Tampouco é um pequeno setor, que se ocupa somente de questões ambientais ou da teologia da criação. Consiste em uma perspectiva, um enfoque, que permite reorganizar dados da fé, inferir, dialogar e aprofundar. Ela influencia a produção da teologia ao colocar perguntas decisivas no momento de realizar o intellectus fidei, a mediação hermenêutica própria ente teológica, que utiliza a Bíblia e a Tradição eclesial, sensível aos “Sinais dos Tempos” (MURAD, 2016, p.222).
            A Ecoteologia pode tratar dos mesmos temas, elementos ou referencial teórico da teologia. Todavia, o seu diferencial está em contribuir ou ampliar o patrimônio vivo do saber teológico contemporâneo e poder avançar nas reflexões em diferentes áreas disciplinares até então pouco ou quase nada exploradas. Para exemplifica, sustentamos que a Ecoteologia ora trabalha, ora recebe contribuição teológica sobre diversos temas.
O tema da Terra é focado numa visão cristã sobre o ser humano em relação com a natureza e Deus. Aqui o princípio cosmogênico de complexificação, interiorização/diferenciação e inter-relacionalidade se constitui como fundamental; o tema antropológico da Graça apresenta uma perspectiva cristã antropológica em relação com o processo evolutivo da matéria e história do cosmos. Há uma reflexão sobre a graça original e o pecado no horizonte evolutivo; observamos o tema do mistério de Deus sobre a relação una e trinitária de Deus conosco. Essa comunhão fundamenta a biodiversidade e a diversidade humana, a prioridade da cooperação e interdependência de todos os seres;
A Cristologia acentua o Cristo glorificado, aquele que é Palavra criadora, primogênito de toda criatura, o Cristo cósmico; na Pneumatologia a Ecoteologia acentua a função do Espírito Santo que cria, conserva, renova e consuma o projeto de Deus, atuando no crente, na Igreja e no universo; a Ética tem como conteúdo a conservação e continuidade da vida em toda sua extensão, a Ética do cuidado; a Teologia bíblica trás para a Ecoteologia a questão da criação e salvação, louvor, compromisso histórico, a sabedoria, a ética, o profetismo e etc, numa unidade integral; o tema dos estudos patrísticos resgata as intuições dos primeiros séculos referentes à ecologia e a relação do pecado, encarnação e redenção de Cristo na natureza. Por fim acentuamos:
[...], a ecoteologia trata de temas explicitamente ecológicos, em âmbito prático, para ajudar os cristãos a constituir uma sociedade sustentável, viável. Por isso, assuntos como água, resíduos sólidos, política energética, biodiversidade, governança global, consumismo e consumo responsável, mobilidade urbana, uso do solo, qualidade do ar torna-se também matéria-prima para a ciência da fé, como ética teológica. Em dialogo com as ciências ambientais, compreende-se cada questão no contexto da biosfera. A pontam-se as causas diversas que levam a degradação do meio ambiente e do ser humano. (MURAD, 2016, p. 229)

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