Introdução
O percurso da história, o progresso e desvelamento
da revolução industrial é marcado por mudanças significativas no processo de
civilização humana, apesar de se observar um rompimento com os paradigmas da
tradição antiga, tal evento revolucionário trouxe, com a novidade do
desenvolvimento tecnológico industrial, económico e produtivo, uma aparente
ideia de suprimento e resolução das necessidades humana e a promoção do
bem-estar da sociedade civil industrial.
Tal proposta teria a objetividade de
promover a Liberdade e Autonomia humana para uma vivência prazerosa e
gratificante, porém isso não se realizou no status
quo. A negação da liberdade e do direito conforme a tradição esperançava
foram os primeiros passos de delimitação da autonomia humana. A proposta camuflada de liberdade comercial e
ascensão econômica retardou o processo da racionalidade humana e gerou na
história humana exploração dos meios de produção, da tecnologia, da economia,
do trabalho e da vida civil industrial.
As contradições do próprio sistema
capitalista foram conciliadas com o eixo de desenvolvimento para que não
houvesse uma consciência crítica da debilitação de tal sistema. Novas formas de
alienação foram impostas, não mais só nos meios trabalhistas, mas na própria
consciência do homem. Sair de tal determinismo se tornou o grande desafio dos
contemporâneos de Marcuse. Urgi a
retomada e atualizada dos elementos principais e motivadores da revolução
industrial: a Liberdade e Autonomia. Para esse empreendimento se promove uma
proposta de negação do estado estabelecido e uma observação sobre as
contradições nas estruturas fundamentais do sistema determinante.
Tal apreensão requer uma observância das
verdadeiras necessidades humanas em contrapartida com o estabelecido. A partir
da negação realizada por um processo mediático-reflexivo e crítico pode-se
observar novos passos para Liberdade humana. Esse processo se realiza pelo
descobrimento de uma não liberdade determinista tecnológica industrial para
promoção de uma racionalidade da consciência humana para tornar o movimento da
história conforme sua lógica racionalista desvelada: o progresso da autonomia
humana e da sua Liberdade fundamental.
1)
O estado contemporâneo da industrialização: a
não-Liberdade da racionalidade humana e um conformismo determinista.
A civilização industrial avançada ou
contemporânea apresentou um progresso racional tecnológico, econômico e
industrial que pretendia, nas suas formas de organização, satisfazer as
necessidades humanas e conformá-las ao sistema estabelecido, o status quo, e suas determinações
impositivas. Tal período é determinado pela negação das raízes tradicionais,
princípios e valores motivadores originários da sociedade industrial, e pelas
contradições internas do atual sistema de governo determinista e elitista até
então: como uma ‘não-liberdade confortável” e conformista da massa populacional
ao status quo, uma perca da racionalidade e da independência econômica das
classes populacionais frente a outras alternativas de equilíbrio econômico e
desenvolvimento social, e a privação da criticidade do pensamento
autônomo, independente e deliberativo
das classes. Tal estado totalitário impôs novas formas de repressão da
Liberdade e racionalidade humana no seu âmbito crítico e autônomo.
a)
A recusa da liberdade tradicional.
Se por um lado houve mudanças
paradigmáticas com a inovação tecnológica industrial na ascensão capitalista,
que fez a civilização superar a situação tradicional de comercialização,
trabalho e produção de bens, por outro, tais princípios da razão tecnológica,
negaram a liberdade e o direito dos setores de baixa produtividade comerciais
tradicionais. Neste sentido tais impedimento de liberdade de consciência,
pensamento e palavras, defendidos pela tradição foi relegado ao silencio e a
submissão ao sistema econômico e comercial determinante. Deste modo a
participação e autonomia dos grupos ou indivíduos na promoção da liberdade e do
direito para outros meios alternativos de comercio e economia foram sufocadas
pelo sistema dominante e totalitário alienante de dominação.
“Os direitos e
liberdades que eram os fatores vitais nas origens e nos estágios iniciais da
sociedade industrial se rederam ao estágio superior dessa mesma sociedade,
esses direitos e liberdade estão perdendo sua razão e seu conteúdo tradicionais”.
(MARCUSE,
2015, p.41)
b)
A liberdade oferecida pelo status quo.
A proposta de liberdade do status quo se reduziu ao determinismo
industrial do trabalho exploratório em vista do progresso econômico. Liberdade
para o trabalho industrial ou para a morte humana, devido a escassez dos meios
de trabalho agrícola ou da seca, foras as duas opções que a população do campo
teve. O avanço tecnológico promoveria a liberdade econômica, política e
empresarial dos setores que tivessem uma renda per capita equilibrada e possuíssem os meios de produção
tecnológica para o capital de giro do mercado vigente. A ascensão econômica e
maquinaria tecnológica era a proposta ideal e determinante do desenvolvimento
capitalista e da facilitação do trabalho humano, ou da força de trabalho. A
esperança da racionalidade tecnológica motivou uma liberdade e dignidade humana
aparente, pois com o auge da tecnologia o homem “seria livre para exercer sua
autonomia sobre a vida que seria propriamente sua”, se o aparato produtivo
pudesse ser organizado e dirigido para a satisfação das necessidades vitais
humanas. Porém tal proposta não se efetivou, com as contradições do sistema.
“A livre iniciativa não foi. Desde o início, uma
vantagem. Enquanto liberdade para trabalhar ou morrer de fome, isso significou
labuta, insegurança e medo para uma grande maioria da população”. (MARCUSE,
2015, p.42)
c) A atividade de um estado totalitário e o
determinismo racional tecnicista.
No estabelecimento do desenvolvimento
tecnológico industrial o sistema impôs suas exigências econômicas e políticas
de defesa e expansão sobre o tempo de trabalho humano, o tempo livre, a cultura
material e intelectual da época. Tem-se nesse sentido, o totalitarismo
industrial que dominava pela manipulação das necessidades humanas por
interesses alheios e de uma minoria. Deste modo a ação determinante foi a posse
sobre os processos mecânicos e o aparato tecnológico, mobilizando, organizando
e explorando a mobilidade técnica, mecânica e científica da civilização
industrial. A maquinaria superou a força de trabalho humano e se tornou o bem
mais valioso do desenvolvimento econômico e da política das organizações
determinantes. Porém tal situação é visto por Marcuse como um processo que
instaurou a Liberdade humana.
“Atualmente, o
poder político afirma-se por meio de seu poder sobre os processos mecânicos e
sobre a organização técnica do aparato”. (MARCUSE, 2015, p.43)
2)
A atualização da tradição libertária: a negação da
negação do status quo para uma
Liberdade efetiva.
As consequências negativas da Evolução
tecnológica são os primeiros passos para mudança paradigmática da noção de
liberdade, consciência e autonomia social. Até então o sistema dominante havia
promovido contradições na civilização contemporânea industrial com a
privatização dos meios de produção, a exploração tecnológica e trabalhista e a
homogeneização do comercio e a negação das tradicionais formas de economia,
governo e formas de relações de produção que pretendiam uma “livre sociedade”.
A nova proposta de liberdade e autonomia não pode ser definida em termos
tradicionais, pois tais propostas antigas estão desvinculadas do seu contexto
histórico. Essa recusa da tradição e a atual situação de não-Liberdade no
estado estabelecido requer uma atualização da proposta de ‘sociedade livre’ que
supere as contradições do sistema vigente, ou seja, reafirme a necessidade a
consciência autônoma, dignificante e efetiva da Liberdade humana.
“Se o indivíduo
já não fosse mais forçado a ser bem-sucedido no mercado, como um sujeito
economicamente livre, o desaparecimento desse tipo de liberdade seria uma das
maiores realizações da civilização”. (MARCUSE, 2015, p.42)
a)
A consciência
de servidão para o processo libertário pela negação.
O modelo de domínio predominante na
sociedade contemporânea industrial desenvolveu nos meios sofisticados de
alienação, estes não se reportam há um estranhamento da atividade do sujeito
com o produto do seu trabalho, ou a uma desapropriação dos meios de trabalho.
Tratasse de uma identificação do sujeito com seu objeto de trabalho e uma
introjeção da consciência alienada nos fatos, aparentemente ausentes de
contradições. Tal situação de manipulação da consciência humana tem objetivação
de sua função servidora e mantenedora da situação determinante e totalitária da
regência oligárquica governamental. A libertação humana depende dessa
consciência que precisa ser superada. E não tem como propor novos caminhos
libertários se não se assume uma postura distinta, contrária ou negativa ao
sistema determinante. Daí se impõe a necessidade de novos caminhos que promova
uma racionalidade libertária humana.
“São necessários
novos modos de realização, que correspondam às novas capacidades da sociedade.
[...]. Esses novos modos só podem ser nomeados com termos negativos porque eles
equivaleriam à negação dos modos predominantes”. (MARCUSE, 2015, p.43)
b)
A negação como caminho libertário.
A negação é positiva, ou seja, trata-se
de um esclarecimento e afirmativa acerca das contradições em que se depara a
sociedade civil regida pelo sistema vigente. A ausência de autonomia e controle
sobre a própria existência humana é um dos impositivos, além do determinismo
trabalhista e das situações homogêneas de necessidade e satisfação. Por meio de
tal percepção mediática-racional-reflexiva e da negação de tal situação
camuflada de bom senso é possível a abertura para novos caminhos, que liberte o
ser humano das forças e econômicas, sociais, políticas, ideológicas,
intelectuais e alienantes da sociedade. A mais efetiva e duradoura guerra para
promoção da Liberdade humana se reporta a quebra das falsas necessidades
materiais e intelectuais que se perpetuam nas formas de domínio e manipulação
do status quo.
“Assim, a
liberdade econômica significa a libertação da economia-de ser controlado pelas
forças e relações econômicas; libertação da luta diária pela existência, de
ganhar a vida. A liberdade política significaria a libertação dos indivíduos em relação às políticas sobre as quais
eles não têm qualquer controle efetivo”. (MARCUSE, 2015, p.45)
c)
A negação da Liberdade pelo novo modelo sofisticado
de alienação.
A predominância do controle social
tecnológico capitalista utilizou-se da igualdade de meios compensatório
universais para promover e satisfazer as necessidades de toda a população para
preservação do estado estabelecido. Essa medida paliativa chamada de
nivelamento das classes tentou amenizar as contradições do próprio sistema
capitalista. O meio para realização de tal efeito ilusório reparador foi a
construção de necessidades sociais do âmbito público para o âmbito privado ou
individual. Deste modo uma mesma medida tomada, como os meios de comunicação,
tanto servem como instrumento de informação e entretenimento, como meios de
manipulação e doutrinação. No mundo produtivo o controle técnico parece incutir
a própria encarnação da Razão em benefício de todos a tal ponto de todas as
contradições do sistema predominante parecerem irracional. Assim se instaura
medidas que tentam repelir qualquer oposição ao estado estabelecido disfarçado
de influência e Liberdade, e introjeta na mente humana a ausência de qualquer
contradição entre o status quo e seu programa, pautado na tecnologia, de
manipulação e redução das disparidades exploratórias do sistema.
“Nós estamos
novamente diante de um dos mais irritantes aspectos da civilização industrial avançada:
o caráter irracional de sua racionalidade. Sua produtividade e eficiência[...],
a dimensão com que essa civilização transforma o mundo objetivo em uma extensão
do corpo e do espírito (mind) torna questionável
a própria noção de alienação. As pessoas se reconhecem em suas mercadorias’.
(MARCUSE, 2015, p.47)
3)
A necessidade do processo mediático para Liberdade.
A libertação das formas de opressão e
manipulação social dominante, não pode ser realizada sem uma reflexão crítica
racional acerca do sistema determinante e sem a efetivação de novos
caminhos. Não se trata de uma observação
imediata e muito menos de uma ação imediata, mas da observância de processos.
Neste sentido entra em questão a análise do sistema e das suas formas de
manipulação totalitárias. Alguns elementos de tal processo são a inversão de
necessidades fundamentais por necessidades supérflua, a introjeção de uma
mentalidade elitista como meta de vida, a aceitação de forças exteriores que
apresentam verdades dogmáticas que devem ser mantidas. Todos esses elementos
são fundamentais para manter a dinâmica do capital, as formas de manipulação e
consumo desenfreado, e a resistência a mudanças necessárias. Esses processos
nos mantem na rotatividade do estabelecido e é responsável pela miséria humana,
pelo medo, pela injustiça e pela estagnação da racionalidade como caminho de
Liberdade. Superar tal estado é promover novos percursos é o desafio.
a)
As falsas necessidades do status quo.
Se a contemporaneidade industrial
avançada tomou outras medidas de domínio e manipulação isso se realizou pelo
estabelecimento de necessidades ao população. As determinações do que era
satisfatório ou insatisfatório, desejável ou indesejável, desfrutável ou
destrutível, prazeroso ou o oposto. Tais coisas foram necessidades importas que
induziu a maioria ao acolhimento e a manutenção dos bens supérfluos de consumo.
Tais necessidades perpetuam labuta, agressividade, miséria e injustiça. Sua
realização não gerou a felicidade humana geradora de paz e bem-estar, mas uma
euforia na infelicidade. A maior parte delas como o descanso, o divertimento, o
comportamento e o consumo de acordo com os anúncios propagandistas da classe
dominante pertencem as categorias de falsas necessidades que devem ser negadas.
“Nós podemos
distinguir entre necessidades verdadeiras e falsas. ‘Falsas’ são aquelas que
são superimpostas ao indivíduo por interesse social particulares para
reprimi-lo” (MARCUSE, 2015, p.44)
b) As necessidades
fundamentais humanas.
As necessidades úteis e fundamentais
para a humanidade foram aquelas ligadas as necessidades vitais, ou seja,
essenciais para a manutenção e subsistência da existência e cultura social e
intelectual humana. Partir destas necessidades é possível observar outras
sublimadas pelo processo técnico determinante e outras não-sublimadas. Todas
elas precisam estar ligadas ao desenvolvimento do indivíduo e de toda a
população para a melhor e mais útil dos recursos materiais e intelectuais
disponíveis. Por meio de tais observações é possível instaurar propostas
inovadoras e o movimento história da própria realidade na sua racional
efetivação. Porém para que tal Liberdade se esclareça e se efetive é preciso
sua relação com o movimento da história e as imposições do estado
contraditórias do status quo.
“As únicas
necessidades que possuem uma pretensão absoluta à satisfação são as
necessidades vitais-alimentação, vestuário e moradia possível em certo nível
cultural”. (MARCUSE, 2015, p.44)
c)
O imperativo da autonomia humana sobre as suas
verdadeiras necessidades e satisfações.
Se a libertação de tal paradigma
tecnológico e governo totalitário requer uma negação do estabelecido, é
autonomia e autoconsciência humana precisa estar em posse de sua deliberação e
livre de qualquer determinismo. Deste modo é o próprio indivíduo, e não os
tribunais ou sistemas de decisões políticas, éticas e jurídicas, a decisão ou
resposta sobre o quais são as necessidades reais humanas e as falsas
necessidades. A retomada do direito e deliberação do sujeito sobre quais
necessidades são relevantes no processo de dignificação e Liberdade humana é
uma ação que exige como pressuposto a não determinidade exterior da efetivação
da consciência humana, ou seja, de sua autonomia. Daí se justifica a negação de
qualquer determinismo exterior ou estranho a consciência ou pensamento humano,
para sua verdadeira Liberdade como efetivação de um novo processo autônomo que
estar por ser desvelar.
“Em última
análise, a questão sobre quais necessidades são verdadeiras ou falsas deve ser
respondida pelos próprios indivíduos, mas apenas em última análise; ou seja, se
e quando eles são livres para dar sua resposta”. (MARCUSE, 2015, p.45)