Não tem como falar da força
revolucionária atual dos conselhos evangélicos (castidade-pobreza-obediência)
na Congregação Redentorista, sem nos atermos aos processos históricos,
culturais e religiosos que tais conselhos tiveram desde sua origem na Igreja.
Por isso, de antemão, votemo-nos as proximidades do século IV (após os primeiros
mártires cristãos e a institucionalização do cristianismo), quando as virgens
escolhiam uma vida de total entrega a Deus, e o monacato dava seus primeiros
passos de gestação, numa tentativa radical e decisiva de realizar a vontade de
Deus-absoluto e estar nessa comunhão com o mesmo. É nesses dois momentos que
nos deparamos com as primeiras fundações e configurações dos votos religiosos,
sendo que as virgens apresentavam como ponto forte de sua profecia “a castidade”,
enquanto os primeiros monges, senobitas ou da ordem de São Bento, tinham como mais
relevante “a obediência” para realizar o que Deus queria e seguir "cegamente a autoridade”
de seu mestre-fundador- e pastor, uma vez que este era considerado como "porta
vós de Deus".
Para um mundo religioso que ainda
estava em construção os votos evangélicos tiveram conotações diversificadas de
acordo com cada mosteiro, ordem religiosa e opção radical de vida consagrada. Nesses
primeiros séculos os votos religiosos foram não tão “perfeitos”, mas,
sobretudo, como afirmou os padres do deserto, um profundo desejo de entrega a
Deus, num caminho continuo de conversão. Ora, é no século XII, com a ascensão
burguesa-comercial, que surge a figura de São Francisco e as Ordens Mendicantes, dando destaque profético para a “pobreza literal” e para a crítica ao
capitalismo comercial. Essa postura, apesar de importante, não acompanhou, com a
mesma força originária, a história humana religiosa.
Com o período patrístico
encontramos o respaldo e influência “do voto da castidade” em Agostinho e as Ordens Monásticas, e uma visão de retração afetiva e um dualista entre corpo e
alma, que perdurou até o Concílio Vaticano II. Nesse percurso patrístico o
desprezo pelo corpo e a continência sexual tinha sua sustentação e validade
por diversos mecanismos de contensão, como as práticas da disciplina, ascese,
mortificação e flagelação do corpo.
No período escolástico os conselhos
evangélicos ganharam uma significativa teologia fundamentada com instrumentos
filosóficos e ontológicos, revestindo-se de caráter doutrinal e lógico. Nesse
período os votos são visto como meios para a “perfeição” no seguimento radical
de Jesus Cristo. Porém é na Modernidade que tais votos começaram a ser colocados em
questão critica com toda a relevância de sua radicalidade profética. No período de transição
moderna tais conselhos ainda seguiam a sua concepção histórica tradicional,
formal, onde a coisa mais importante era “cumprir os votos” de acordo com “cada regra de vida religiosa”. Por conta disso muitos religiosos se tornaram santos,
muitos sofreram inigualavelmente, muitos morreram bem cedo, enquanto outros, em posição extrema, nos
porões do anonimato, não davam importâncias para tais coisas, e viviam como bem
queriam.
É nesse período de transição, do
Renascimento italiano para Modernidade (séc. XVII para o séc XVIII) que, em 1732,
Santo Afonso funda a Congregação Redentorista, denominada pelo nome de Santíssimo
Salvador, mas que, no decorrer da história, assumiu as feições próprias e
titulares de uma Congregação Missionária Redentorista. Ora no período afonsiano
os votos religiosos seguiam a radicalidade da tradição, isto é, era marcado pela continência
sexual, pelas formas ascéticas de mortificação, pela dilaceração do corpo, por
uma “obediência cega” ao superior e por uma pobreza em todos os níveis da
existência. Evidentemente que havia as exceções anônimas na Igreja que não
seguiam tais orientações, como ainda hoje acontece, porém, na Congregação
afonsiana os conselhos evangélicos assumiram algumas particularidades
significativas que se desenvolveram no decorrer da história até os tempos
atuais.
É no âmbito redentorista que os conselhos
evangélicos tiveram um caráter teológico e cristológico muito forte. A vida de
oração era a base para tais votos, tanto que Afonso chegou a praticar 8 horas
diárias de oração. E não só ele, mas todos os santos e beatos redentoristas
cultivaram essa prática como sustento e sentido vital para os votos religiosos.
A obediência tinha por meio a fidelidade não só ao superior, mas primeiramente
a Jesus Cristo e a missão confiada a Congregação. Era nesse sentido que a obediência
estava orientada para uma abnegação de si mesmo, a fim de levar aos outros, os
mais abandonados, a boa- nova de Cristo. Assim não se fazia a obediência, mas
se seguia, isto é, se "continuava o Cristo" obediente, indo ao encontro dos
cabreiros e excluídos de Nápoles.
No campo da castidade é possível
perceber que, provavelmente sem saber, Afonso assentou a razão fundamental do carisma da
Congregação: o amor por Jesus Cristo e o amor especial pelos prediletos de
Jesus, os últimos, os excluídos, os pobres. Em poucas palavras podemos
encontrar o sinal mais forte da castidade, que perpassou a razão de ser dos
missionários: a redenção, a salvação da humanidade, uma paixão sem limites pelo
homem. Era essa linha que orientou e ainda hoje orienta a castidade
redentorista.
No campo da pobreza Afonso deu um
salto qualitativo e inovador, pois tal voto nunca foi um não ter nada material,
mas algo bem mais profundo: um desapego existencial (da família, dos amigos, dos
bens, de si mesmo). Evidentemente que o básico se tinha para viver, conforme a
mentalidade da época, porém quanto mais se desapegasse dos bens materiais e dos
apegos afetivos, em função de Jesus Cristo, da missão, muitos mais os
missionários eram livres e autênticos Redentoristas. Poderíamos dizer que este
voto ganham a sua máxima expressão numa simples palavra: distacco! É tão
impressionante a visão de Afonso para o seu tempo, porque ele observou uma coisa inaudita
nos votos evangélicos: a busca constante e persistente do Eterno. Por isso que adjunto aos
três votos ele acrescentou um, “o voto da perseverança”, isto é, morrer na Congregação,
realizar algo em vista da Eternidade. Realizar um passo que não teria mais como
voltar. Por isso é que ele dizia que “quem quiser entrar para Congregação
Redentorista, deve entrar para ser santo”. Uma decisão que não tem um meio
termo. É deste modo que os conselhos evangélicos vão perpassando a própria
identidade redentorista.
Com o prosseguir do Concílio
Vaticano II, os votos tiveram uma revolução significativa. Se antes do Concílio
os conselhos evangélicos estiveram atrelados a “prática minuciosa da regra”, no
decorrer do pós-concílio aconteceu uma abertura para a vivencia de qualidade dos
votos, sem tantas e minuciosas regras, muitas vezes desnecessárias. Se na Congregação Redentorista, em 1936,
as orientações redacionais e instrutiva sobre o votos possuíam um total exaustivo de 56 páginas, em 1965 tais votos eram tratados sinteticamente em 9 páginas. Dos aspectos minuciosos e sem sentido, se passou para os aspectos
essenciais acentuados. No voto da pobreza, a Congregação promovia a
sustentabilidade dos membros, de tal modo que eles vivessem “uma vida
perfeitamente comum”, sem “distinções ”, todos os bens de
atividade missionária e apostólica não deviam denotar vaidade, mas um modo simples de viver. Quanto
ao aspecto da castidade, esta tinha uma fundamentação espiritual em vista do
bom êxito do trabalho apostólico, “sendo uma virtude tão agradável ao Filho de
Deus e tão necessária ao operário evangélico”.
Em relação a obediência, as Constituições e Estatutos eram a "lei" que deveria ser cumprida,
todavia, havia a possibilidade de dispensa de tais regras de acordo com a
necessidade e as circunstâncias, desde de que houvesse uma razão plausível para tal
dispensa e sob a orientação de um superior.
Segundo as Constituizoni e Statuti Della Congregazione del Ss. Redentore, em
1969, fala sobre os votos evangélicos, este é “uma resposta de amor”, uma busca
pelo “dom total de si”. Pela castidade o redentorista, “consagrado ao mesmo
mistério” de Cristo, “dedica-se... a Deus a Missão de Cristo” para “servir o
próximo com coração grande”. Assim, vemos os novos caminhos que a castidade deveria seguir e amadurecer. Em relação a pobreza, os redentoristas abraçaram "voluntariamente a pobreza de Cristo". Inspirados nos apóstolos de Jesus, que
viviam a fraternidade, os redentoristas partilhavam os bens em “comum para
utilidade de todos”. Também neste sentido, a pobreza evangélica tinha em
consideração a situação dos destinatários da missão, os pobres. Por isso a
pobreza era um sinal de esperança de uma vida humana e fraterna. Quanto a
obediência, todos, desde os superiores até os seus subordinados, deveriam
servir a Deus e a comunidade com responsabilidade e solicitude, e no serviço apostólico e
missionário, dentro do devido diálogo. As Constituições de 83 apresenta uma
abertura maior da vivencia dos votos conforme as diversas circunstâncias e
situações de cada região, província e vice província. Na radicalidade dos votos
os pobres, a missão e o carisma da Congregação são levados em conta. Uma maior
solidariedade evangélica perdura, a tal ponto dos redentoristas se integrarem
com as causas dos pobres e lutarem pela dignidade humana deles.
Por fim, temos as Constituições e
Estatutos de 2004, ai encontramos mudanças significativas quanto aos votos
religiosos. O voto de castidade mantem o seu viés de auxílio da graça de Deus e
ação intercessora de Maria, nossa mãe do Perpétuo Socorro. Enquanto que o voto
de pobreza nos abre um leque profético missionário atual. Onde a prioridade é “colocar
em comum todos os bens” e “uma aguda sensibilidade face à pobreza do mundo e
aos graves problemas sociais”. “Toda a espécie de pobreza- material, moral,
espiritual- deve solicitar seu zelo apostólico”. Em casos particulares é
possível participar das penúrias dos pobres. O testemunho e solidariedade com
os mais pobres é a meta constante do voto de pobreza. Quanto a prática da
obediência, a proposta se destina ao corpo missionário para “continuar a missão
da Congregação, segundo a diversidade de lugares”. Quanto ao potencial e dons
da diversidade redentorista, se promove o estímulo dos dons para o serviço
redentorista em vista do carisma congregacional e da essência misericórdia
divina, a caridade.
Portanto,
conforme a história se segue e conforme a Congregação se abre para as
investidas do Espírito, mais ela se aprofunda e se descobre sobre a importância
e valor dos votos evangélicos. Eles não só possuem um caráter espiritual, e
isso é de fundamental importância, mas também uma força transformadora, social,
cultural, político, redentora e plena na vida do Redentorista e na vida das
pessoas, em especial, os pobres e abandonados. Os votos não se reduzem a
práticas fechadas, mas envolvem a razão de ser redentorista e a qualidade de
sua missão. Pois não tem como pensar em conselhos evangélicos tridimensional sem
uma integração com a própria existência da Congregação Redentorista e o seu desafio
profético nos tempos atuais. Atualmente podemos dizer que tais votos se
desdobram em três ações que os dois últimos capítulos tentam implementar: a) a
restruturação para a missão, que implica uma abertura e obediência frente aos
novos desafios que se segue com a evangelização e promoção humana, b) a solidariedade
internacional, de pessoas e bens, para a realização do projeto redentor
(pobreza-distacco), e c) uma conversão interior para identidade e fidelidade carismática
missionária redentorista (castidade).
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