domingo, 18 de março de 2018

Santíssima Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo): algumas explicitações nas Escrituras.


O termo Trindade é atribuído, pela Igreja Católica, às três pessoas divinas da fé, tradição e doutrina cristã, a saber: a Deus Pai (Criador de todas as coisas), a Jesus Cristo, o Filho (Redentor) e ao Espírito Santo (Paráclito – Consolador). As três pessoas se apresentam nos Escritos Bíblicos, ao longo da histórica economia da salvação de Israel e do Movimento cristão. No Antigo Testamento há referência às três pessoas indicadas, porém de modo obscuro. No livro do Gênese temos o relato da criação – de tradição eloísta – que apresenta Deus como criador da humanidade: “Deus disse: ‘Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança” (Gn 1,26). O verbo e o pronome estão no plural e indica um sujeito (Deus) que ao falar (Façamos/ nossa) não está só, mas se comunica com outra(s) entidade (s), no ato criativo. Os Santos Padres compreenderam que nesses termos deliberativos se apresenta o Mistério da Trindade. O relato do Gênese 11 – de tradição javista – Deus desce a terra para ver a cidade e a torre que os homens estão construindo. O verbo utilizado por Deus é “Desçamos!” (Gn 11,6), indicando a mesma pluralidade. Os Salmos 8, 6 e 110 fazem alusão à várias entidade divinas. Isso abre a hipótese da presença trinitária no Antigo testamento.

Nos Evangelhos encontramos explicitamente a presença da Trindade. Em Mateus (1,20) vemos o relato do nascimento de Jesus por obra do Espírito Santo: “pois o que foi nela gerado vem do Espírito Santo”. A geração implica a unidade substancial do gerador para com o que é gerado. Em Mateus (3,16-17), Marcos (1,9-11) e Lucas (3,21-22) está o relato do batismo de Jesus. O Espírito Santo se manifesta e o Pai fala. Este chama Jesus de “Filho” e aquele se aproxima de Jesus e o indica como divindade. A transfiguração de Jesus em Marcos (9,3-8), Mateus (17,2-8) e Lucas (9,29-36) faz referência a Deus Pai que chama Jesus de “Filho”. A “nuvem” explicita Deus. A tradição patrística compreendeu esta como sendo a manifestação do Espírito Santo. Em Lucas (23,46), no relato da paixão e morte de Jesus, este chama a Deus de Pai e lhe confia o espírito: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”. No relato do envio e mandato do batismo (Mt 28,19) está a Trindade: “Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Se em João (1,1) o “Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus”, esse “Verbo” é classificado como “Jesus”: o Filho de Deus. A relação de intimidade entre as duas pessoas são explicitadas. João (14,11) acentua a unidade entre os dois. O Espírito Santo se classifica como o Paráclito, a Verdade (Jo 14,16-17). Na Ressurreição de Jesus este envia o Espírito Santo com a autoridade do perdão: “soprou sobre eles e lhes disse: ‘recebei o Espírito Santo’” (Jo 20,22). Portanto, tanto no Antigo Testamento como nos Evangelhos encontramos sinais da Trindade: ora na criação do mundo, ora nas experiências de fé do salmista, ora nos relatos do nascimento, batismo, transfiguração, morte e ressurreição de Jesus.

Nas Cartas Católicas e aos Hebreus (±50-60dC) nos deparamos com questões variadas no âmbito da articulação e argumentação ora pastoral, ora teológico, ora instrutivo-teórico da fé. Todavia, pretendemos demonstrar que os traços da Trindade perpassam as variadas questões dessas Cartas ou Epistolas. A questão de fundo da Carta aos Hebreus é a dependência e o apego ao Templo e as tradições judaizantes relacionadas a ele. O autor tenta orientar os cristãos oriundos do judaísmo para um novo universo que supera o Templo, o culto, o sacerdócio e as práticas tradicionais judaicas: o mistério de Cristo. Na exposição e exortação discursiva – para a adesão a fé e vida cristã –, está contido a Trindade. Na base introdutória da Carta está a relação entre o Pai e o Filho: “Muitas vezes, e de diversos modos falou Deus” (Hb 1,1), porém “nestes dias que são os últimos, falou-nos pelo Filho” (Hb 1,2). Na demonstração de superioridade do Filho sobre os Anjos está a presença de Deus Pai: “a qual dos anjos disse Deus: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei?” (Hb 1,5). A divindade do Pai e do Filho é expressa pela referencia ao Sl 45: “Ao Filho, porém, diz [Deus]: o teu trono, ó Deus, é para os séculos dos séculos” (Hb 1,8).  A Trindade (Deus – Pai, Filho – Senhor, Espírito Santo) age na Salvação: “Esta começou a ser anunciada pelo Senhor. Depois, foi-nos fielmente transmitida pelos que a ouviram, testemunhando Deus juntamente com eles, por meio de sinais, de prodígios e de vários milagres e por dons do Espírito Santo” (Hb 2,3).

O autor demonstra a superioridade do Filho a Moisés. A adesão a Ele se dá no coração que ouve a Deus, porém essa inspiração e efetividade tem o apoio do Espírito Santo: “Eis porque assim declara o Espírito Santo: Hoje, se lhe ouvirdes a voz, não endureçais vossos corações, como aconteceu na Provocação” (Hb 3,7). É este Espírito que confirma a palavra de Deus em nossos corações, que nos leva ao repouso de Deus. É a unidade e fidelidade a Deus Ábba que tornou Jesus o centro de todas as coisas e o Sumo Sacerdote: “Deste modo, também Cristo não se atribui a glória de tornar-se Sumo Sacerdote. Ele, porém, a recebeu daquele que lhe disse: ‘Tu és meu Filho, hoje te gerei...’” (Hb 5,5). Em relação à oferenda, sacrifício expiatório cultual, isto é, a antiga aliança, Jesus é aquele que supera tudo: “Cristo possui um ministério superior. Pois é ele o mediador de aliança bem melhor” (Hb 8,6) que a antiga. No Filho o sacrifício foi realizado de uma vez por todas: “Eis porque ele é o mediador de uma nova aliança. Sua morte aconteceu para o resgate das transgressões cometidas no regime da primeira aliança” (Hb 9,15). Pelo seu sangue foram apagados os nossos pecados. “Este é o sangue da aliança que Deus vos ordenou” (Hb 9,20). Portanto a união trinitária é tão presente nas três pessoas que tanto a criação humana, como a nossa salvação foi realizada em conjunto pelas três pessoas que se testemunham, justificam e dão crédito da fé pela nossa salvação. O Filho “depois de ter oferecido um sacrifício único pelos pecados, sentou-se para sempre a direita de Deus. [...] De fato, com esta única oferenda, levou a perfeição, e para sempre o que ele santifica. É isto o que também nos atesta o Espírito Santo” (Hb10,12-15).

A Carta de São Tiago (±60 dc) é para os cristãos da diáspora. Porém, as questões tratadas não se restringem somente a estes. A questão de fundo é a fidelidade e autenticidade da fé cristã. A argumentação textual é de caráter exortativo e de incentivo pastoral (aos pobres). A prática e perseverança da fé e a crítica profética aos distantes e contrários à mesma fé (ricos) faz parte da postura do autor. Nesse universo se situa de modo quase nulo as duas pessoas trinitárias. A identificação está no início da Carta: “Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo” (Tg1,1). A intuição é que “Deus” deve ser o Pai e o “Senhor Jesus Cristo” o Filho. Em Tiago 1,17 se afirma que “todo dom precioso e toda dádiva perfeita vêm do alto e desce do Pai das luzes”. A fundamentação dos dons está para orientar os endereçados a escutar a “Palavra de verdade”: Jesus (paralelo com João). Ao mesmo tempo que percebemos as duas pessoas, também temos referência à doutrina de Deus Uno: “Tu crês que há um só Deus? Ótimo!”(Tg 2,19). Em Tg 5,7 o autor nos aconselha a esperar o Filho denominado de “Senhor”: “Sede, pois, pacientes, irmãos, até a Vinda do Senhor”.

Na 1ª Carta de Pedro (±67dc) a questão de fundo é as provações que sofrem os estrangeiros da Dispersão, por causa de sua pureza de vida. Nesse âmbito o autor tenta sustentar a fé do povo em meio às provações. Na proposta da Carta – à perseverança e à ética do bem – está a Trindade. A saudação inicial aos destinatários é retocada pela marca trinitária: “eleitos segundo a presciência de Deus Pai, pela santificação do Espírito, para obedecer a Jesus Cristo” (1Pd 1,2). O autor bendiz a Deus, Pai, que nos gerou de novo pela ressurreição e salvação de nosso Senhor Jesus. Os profetas, que investigaram a salvação, intuíram o tempo da Revelação do Filho, imbuídos pelo “Espírito de Cristo”. É pelo “Espírito Santo enviado do céu” (1Pd 1,12) que, após os sofrimentos e a glória de Cristo neste mundo, foi anunciado o Evangelho. Deus Pai é mencionado como Juiz e o Filho como cordeiro, desde o início do mundo, por causa da humanidade. O Filho mediou a fé em Deus, Ele é “a Palavra viva de Deus” (1Pd 1,23) e deixou-nos o seu exemplo – pela fidelidade nos sofrimentos e provações –, a fim de que sigamos os seus passos. Se a sujeição de Jesus ao Pai fez dele exemplo e testemunho de fé, mediador entre a humanidade e Deus Pai, é esse exemplo que o autor utiliza para motivar as mulheres, na vida matrimonial, e o povo a perseverar na perseguição e provação, a romper com o pecado e a unirem-se a Cristo, pelos sofrimentos, na busca do bem.  A 2ª Carta de Pedro só varia na questão principal: os falsos doutores, a demora da parúsia e o dia do juízo final. Sobre esse norte a divindade de Jesus Cristo é apresentada (2Pd 1,1). Em Pd 1,17 o autor retoma Mt 17,5. O testemunho de comunicação do Filho e da Vontade de Deus é motivado pelo Espírito Santo. E o julgamento final é “o Dia de Deus”. 

A 1ª Carta de João é endereçada ás comunidades da Ásia ameaçada pelas heresias. Na Carta o essencial da fé é apresentado e defendido. Nesta exposição e fundamentação se apresenta a Trindade. Na introdução a questão central é a comunhão do Pai e do Filho, pois este, chamado de “Verbo da vida”, “manifestou-se: nós a vimos e dela vos damos testemunho e vos anunciamos esta Vida eterna” (1Jo 1-2). Todavia, a humanidade pode participar dessa comunhão divina “com o Pai e com o Filho Jesus Cristo” (1Jo 1,3). A partir de então o autor apresenta algumas propriedades de Deus e caminhos morais que negam as propriedades divinas e nossa comunhão com Ele: “Deus é Luz e nele não há treva alguma. Se dissermos que estamos em comunhão com ele e andamos nas trevas, mentimos” (1 Jo 1,5-6). O sangue de Jesus nos purifica de todo pecado, mas se “dissermos: ‘Não temos pecado’, enganamo-nos” (1 Jo 1,8). Algumas condições expressam essa comunhão nossa com o Pai e o Filho: o romper com o pecado, observar os mandamentos, principalmente o da caridade, preservar-se do mundo, preservar-se dos anticristos. Essas condições perpassam o “sermos chamados filhos de Deus”(1 Jo 3,1). Porém, é pelo Espírito Santo que reconhecemos que Deus é nosso Pai e permanece em nós. O Espírito confessa Jesus que veio na carne, que o Pai enviou seu Filho como Salvador do mundo. Se Deus é “amor”, o caminho contrário ou de negação dessa comunhão é o “medo”. O Espírito Santo testemunha que Deus é amor. E que quando nos relacionamos positivamente com Deus, isso acontece com Jesus e pela força do Espírito Santo. A 2ª Carta procura responder a problemática da negação da encarnação, por isso o autor começa falando “da parte de Deus Pai e de Jesus Cristo, o Filho do Pai, na verdade e no amor” (2Jo 3) do Espírito Santo. O aprofundamento na doutrina nos faz possuir o Pai e o Filho. Na 3ª Carta a questão é o conflito de autoridade. Nesse prisma as palavras que se relacionam com a Trindade é “a Verdade” e “o bem”, pois “o que faz o bem é de Deus”(3Jo 11). Por fim, a Carta de São Judas é endereçada “aos que foram chamados, amados por Deus Pai e guardados em Jesus Cristo” (1 Jd 1). O autor nos adverte dos falsos doutores, que não possuem o Espírito, que põe em perigo a fé. “Mas vós, amados, edificando-vos a vós mesmos na vossa santíssima fé e orando no Espírito Santo, guardai-vos no amor de Deus, pondo a vossa esperança na misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo para a vida eterna”(1Jd 20-23). 

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