domingo, 25 de setembro de 2016

2) Algumas observações proféticas na Espiritualidade dos Missionários Redentoristas.

    Seria ingenuidade tratar, em um sintético capítulo, sobre a dimensão profética da espiritualidade-vital redentorista na sua totalidade, em todos os âmbitos e região que atuou a Congregação do Santíssimo Redentor, durante o século XX, ou precisamente de 1970 a 1990. Entretanto, tal capítulo se dedica, sobretudo, a delinear algumas luzes, características e elementos que identificam os aspectos proféticos da Espiritualidade Missionária Redentorista na sua trajetória e alguns fatos, dessa repercussão apostólica-profética, no Brasil.
Para isso se tem como base de reflexão a) alguns artigos ou documentos da coleção ESPIRITUALIDADE REDENTORISTA: TEXTOS (2º e 5º volume ), realizado pela União dos Redentoristas no Brasil; b) a apostilha Aspectos Históricos da Congregação Redentorista (2216), do Historiador Ir J. M. Marciel CSsR; c) e o 7º caderno da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), intitulado como A DIMENSÃO PROFÉTICA DA VIDA RELIGIOSA NA NOVA EVANGELIZAÇÃO (1990). A partir de tais textos pode-se considerar os traços da dimensão profética redentorista no século XX durante o referido período.
Ora, não é possível delinear a atuação redentora congregacional sem o marco histórico de grande importância para Igreja assim como para os Redentoristas, a saber, o Concílio Vaticano II. Tal fato é fundamental para se entender a dinamicidade e dimensão profética da Congregação. Pois é nesse Concílio, com base em alguns de seus documentos, a saber, a Lumen Gentium, a Perfectae Caritatis, a Gaudium et Spes, dentre outros, que acontece uma nova orientação e dinamismo missionário que configurou, de modo renovado, precisamente da década de 70 em diante, os novos caminhos da Congregação. Como elemento significativo deste período, destaque-se o abandono de um modelo de Igreja monárquica para um novo modelo, até então inesperado. Segundo afirmou o Pe. John O’Donnell, C.Ss.R, no artigo REFLEXÕES SOBRE AS CONSTITUIÇÕES DA C.SS.R:
Até o tempo do Concílio Vaticano II, o modelo mais comum para a organização da Igreja era o chamado modelo monárquico ou papal. A Igreja era vista na sua organização à imagem da sociedade monárquica de outrora, e seu esquema era muitas vezes apresentado na figura de uma pirâmide. O papa era considerado como um rei no topo da pirâmide. Durante muitos séculos, quando um papa era eleito, era também coroado, até que João Paulo I acabou com o costume em 1987. (ESPIRITUALIDADE REDENTORISTA, Vol.2, p. 62)
Neste modelo anterior ao Concílio, o que caracterizou o exercício do governo clerical na Igreja foi “uma autoridade forte centralizada que dirigia a vida de todos até os pormenores, através de um impressionante código de leis” (Ibidem.). A figura do papa estava na autoridade divina, e tal autoridade seguia um caráter hierárquico impositivo. Neste sentido, exemplifica O’DONNELL: “Assuntos como jejum e abstinência eram decididos em Roma e imposto aos católicos do mundo inteiro, sem levar em consideração se a população local se alimentava ou não. Detalhes da Liturgia eram elaborados lá ‘em cima’, sem preocupação com a cultura local” (Ibidem.).
Esse modelo mantinha na Igreja e Congregação Redentorista um caráter de organização e uma autoridade vertical. “Em cada diocese, em cada paróquia, em cada comunidade religiosa, a palavra da pessoa revestida de autoridade era lei” (Ibidem.). “Era um tempo em que, por exemplo, o superior geral dos redentoristas podia retirar e de fato retirou, por sua própria autoridade, uma questão importante proposta da pauta de um Capítulo Geral” (Ibidem, p.63). Apesar de se reconhecer alguns elementos positivos de tal modelo, este não respondia as necessidades locais de várias unidades ou áreas de atuação da Congregação Redentorista na Modernidade. Isso trousse prejuízo no dinamismo missionário redentorista e na cultura e vida dos evangelizados, ou melhor dizendo, o povo leigo. Poder-se-ia afirmar que esse modelo monárquico seguia, de modo geral, as mesmas estruturas da monarquia bíblica no tempo de Davi, Saul e Acaz, dentre outros reis do povo de Israel. É marca característica do Concílio a ruptura com tal modelo pernicioso para a missão evangelizadora e profética da Igreja e Congregação.
Durante o Vaticano II, um novo modelo de organização da Igreja emergiu e tornou-se o modelo predominante dos documentos conciliares. É o modelo ‘Comunidade’ ou ‘Povo de Deus’. Pode-se ai dizer que o conceito de Igreja subjacente a este modelo forma a base de todos os outros ensinamentos do Concílio (Ibidem.)
   Delineando-se sobre o tema em questão, esse novo modelo resgatou vários elementos da tradição bíblico testamentária que caracterizavam a presença, anuncio, denuncia e ação dos profetas na história do povo de Deus. “Este modelo evoca a memória do povo peregrino do Antigo Testamento, procurando seu caminho para a Terra Prometida sob a liderança de Deus” (Ibidem.).
Segundo este modelo, a coerência da Igreja consiste na vocação de todos os seus membros para a participação em toda a vida do povo de Deus. Alguns aspectos de sua vida são enfatizados. Em primeiro lugar temos a ideia de comunidade, com as implicações de proximidade, envolvimento, preocupação com as necessidades mútuas e personalismo. Em segundo lugar, a autoridade entendida como algo compartilhado. [...] Conforme o modelo ‘Povo de Deus’, porém, a autoridade de Deus reside no povo que, sob a inspiração do Espírito Santo, discerne os que receberam o carisma da direção e os escolhe como guias e representantes da autoridade comunitária. Em terceiro lugar, enfatiza-se a igualdade entre os que formam o povo de Deus, e a idéia que o Espírito de Deus fala através de todos os membros. (Ibidem.)
Esse novo modelo propiciou mudanças no modo de organização e na missão da Igreja. Ele também proporcionou uma maior abertura para o trabalho profético da Congregação, onde o povo participava ativamente do Reino de Deus na Igreja local e tinha maior autonomia e responsabilidade na dinâmica e missão da Congregação. Isso não excluía a autoridade dos sacerdotes ou membros religiosos, mas os colocavam como representantes da autoridade comunitária, isto é, como voz de Deus, mediada pelo povo, enquanto protagonistas do Reino. Segundo afirma o Ir. Maciel, no Brasil, em 1966 “A Congregação Redentorista iniciou uma ampla e livre consulta entre os confrades, com o intuito de uma renovação adequada, exigida pelo Concílio Vaticano II”(MARCIEL, 2016, p.47). Surge de modo mais patente, assim, na história da Congregação, as mudanças que revitalizou até hoje o seu modo de atuar religioso profético no Brasil, assim como em toda a realidade da América Latina.

Poderia-se dizer que as mudanças acontecidas na estrutura e dinâmica interna da Congregação- como as reformulações das Constituições e Estatutos-, pós conciliar, contribuíram significativamente para renovação da Congregação e para a realização de sua dimensão profética: “Durante o Concílio Vaticano II e nos anos seguintes, a Congregação, com muita energia, deu-se ao trabalho de compor novas Constituições e Novos Estatutos. As atenções concentraram-se fortemente nos problemas particulares e nas estruturas” (ESPIRITUALIDADE REDENTORISTA, Vol 2º, p. 4). Porém, no decorrer do processo a Congregação foi se abrindo para nos perspectivas proféticas, novos desafios pastorais e novas formas de evangelização.

Deste modo os princípios constitucionais de nova organização interna e atividade missionária-profética tiveram sua fonte inspiradora nos documentos do Concílio (Ibidem, p.66). Sobre isso sustenta O’DONNELL: “Cada Constituição de 92 a 96 destaca um destes princípios: corresponsabilidade, descentralização, subsidiariedade, solidariedade e adaptação, urgindo os redentoristas que os implantem no governo e na organização da Congregação” (Ibidem, p.66).

Outra observação é possível se feita em relação a atividade missionária da Congregação. Segundo O’DONNELL sustenta: “A Comunidade Redentorista existe, portanto, para pregar o Evangelho” (Ibidem, p. 27). Porém, essa urgência pastoral e marca característica da missão Redentorista recebe uma preferência-profética, isto é, uma ‘opção em favor dos pobres e abandonados'. Essa missão prioritária dos pobres e abandonados é um mandado recebido à Congregação Redentorista. Todavia, para melhor esclarecimento:

[...]O Mandado conferido à Congregação de evangelizar os pobres visa a libertação e salvação da pessoa humana toda. Os membros da Congregação têm como incumbência o anúncio explicito do Evangelho e a solidariedade com os pobres, a promoção de seus direitos fundamentais na justiça e na liberdade, com emprego dos meios que sejam, ao mesmo tempo, conforme ao Evangelho e eficazes (Ibidem, p.29).

Essa especificidade missionária e pastoral da Congregação ganha seu valor profético por apresentar sinais similares do profetismo na tradição bíblica: um profetismo que, naquela época, lutava pela justiça e pelo direito, e contra a exploração dos últimos e excluídos da sociedade, a saber, o órfão, a viúva e a criança (Ex22, 21-22; Tg1, 27). Neste sentido, a partir da década de 70, a teologia determinante, que encontrou sua autorização na Evangelii Nuntiandi de Paulo VI, se caracterizou como Teologia da Libertação. Esta que tinha com ênfase a salvação da pessoa toda, e não apenas de sua alma, e uma opção preferencial pelos pobres, promovendo os direitos fundamentais de justiça e liberdade. Segundo afirmou O’DONNELL, sobre essa teologia e o compromisso da Igreja na sociedade: “Tudo isso passou a ser explicitamente parte da missão da Congregação com acréscimo[...] na Constituição 5” (Ibidem.) Nessas mudanças significativas da Congregação:

É importante observar que o Capítulo de 1979 acrescentou ainda um outro parágrafo à Constituição: (Estatuto 09 b) Não podem os Redentoristas desprezar o clamor dos pobres e oprimidos. Mas sua obrigação consiste em procurar caminhos para ajuda-los, assim que sejam capazes de, com suas próprias forças, superar os males que os oprimem. Jamais falte esse elemento essencial do Evangelho na proclamação da Palavra de Deus (Ibidem.).

            Este parágrafo ficou inserido nos estatutos da Congregação. Toda via, tão importante quanto o exposto é apresentar os dois critérios fundamentais para os redentoristas na opção de seu trabalho apostólico-profético: “uma preferência pelos pobres e pelos abandonados, e b) uma preferência pelas situações de urgência pastoral” (Ibidem, p.30). Portanto, O’DONNELL conclui:

As Constituições convocam os membros da Congregação a estabelecer suas opções à luz destes critérios, para serem fiéis à sua vocação. A convocação missionária citada aqui é feita à Congregação como um todo, e a cada (v)província como um todo. Ainda que a missão para os abandonados e a opção pelos pobres não seja absoluta e exclusiva, não há nenhuma dúvida onde deve ser a ênfase (Ibidem.).

        Essa clareza em relação aos destinatários da Missão-profética redentorista e as situações mais urgentes de evangelização, porque mais gritantes de Justiça e paz, teve uma resposta concreta e significativa na região onde se situa o Brasil, a saber, na América Latina. Sobre essa realidade gritante de justiça, a Irmã Maria Carmelita de Freita, no artigo Profetismo na nova Evangelização, constatou: “Em face desta situação, como reconhece Medellin, um surdo clamor pela libertação brota de milhões de homens e mulheres do continente. Clamor que hoje, segundo Puebla, se faz ensurdecedor [...]” (CADERNO DA CRB, 1990, p.59).

Outra questão que se apresentou, nas proximidades dos anos 70 a 90, relevante para o aspecto profético da Congregação, foi a nova compreensão que se deu sobre o termo “redenção”. No Artigo COPIOSA APUD EUM REDEMPTIO: REDENÇÃO E LIBERTAÇÃO NAS CONSTITUIÇÕES DA C.SS.R., o Pe. Hans Schermana, questionou sobre o conteúdo e riqueza da redenção nas Constituições da Congregação. Assim Ele apresentou, de modo sintético, os três aspectos da redenção, que possuem uma importãncia da atuação ainda hoje:

a)Em uma série de textos, redenção é entendida com libertação de destituição espiritual (alienação de Deus) e degradação moral. [...]b) Outros textos manifestam uma visão mais compreensiva de salvação, que inclui uma dimensão humana. Entendem que salvação consiste em toda a sua existência humana e espiritual, em uma comunidade que é digna deles, tanto física como espiritualmente. Nesse ponto de vista, o “mundo” e o “tempo” (história) adquirem grande significado.  Apesar de todos os contratempos, a história da humanidade é um movimento na direção de uma sempre maior liberdade e dignidade. [...] Esse ponto de vista de redenção baseia-se na constituição pastoral do Vaticano II, Gaudim et Spes. c) Um terceiro grupo de textos entende redenção como libertação das pessoas das forças e pressões econômicas, sociais e políticas. Neste ponto de vista, salvação diz respeito a algo que envolve a pessoa toda (C6), que é e deve ser alcançado nesta vida. A realização é a atividade básica dos seres humanos que devem, contudo, primeiro ser convocados e capacitados para isso. Essa visão de redenção tem suas raízes nas encíclicas sociais dos últimos papas e especialmente na Teologia da Libertação (Ibidem, p.86-87).

Desses rasgos elementares proféticos pode-se constatar a viragem cultural e teológica moderna do século XX, a partir da década de 70. Nesse período foi realizado as orientações do Concílio Vaticano II, “sobre a necessidade de um retorno à inspiração original dos Institutos Religiosos” (Ibidem.). Deste modo se observou o contexto e a inspiração profético-evangélica de Santo Afonso quando este deixou a Capital Napolitana para as periferias da dita região, a saber, as costas de Almalfi, afim de atender aos pobres, cabreiros, da periferia. Sobre a situação conflitante da realidade político-cultural napolitana e a situação de descriminação e opressão que os pobres, camponeses, passavam, Maciel descreve:

Naquele tempo, no Reino de Nápoles, “o camponês italiano em geral era tratado ‘como se fosse, não já um homem igual aos outros, senão um verdadeiro jumento da espécie humana, o desejo e o opróbio da Natureza’”. A capital, com os transtornos sociais diversos e frequentes, mostrava-se “sempre envolvida em imagens tristes das misérias, delitos, desconcertos, quirelas, violência, das quais compuseram a [...] atimosfera, [...] (MACIEL, 2016, p.1).

Essa realidade que Afonso presencia é marca característica de sua opção radical por Cristo. Nesse contexto onde os pobres são desprezados e excluídos, onde a nata do clero está nas mordomias e regalias de Nápoles, Santo Afonso faz um caminho inverso. E a inspiração bíblica de sua ação profética está no evangelista Lucas 14, 18-19, que se tornou parte integrante das Constituições Redentorista. É servindo-se desse texto que na COMMUNICANDA Nº4, EVANGELIZZARE PAUPERIBUS ET A PAUPERIBUS EVANGELIZZARI, se diz:

Começamos nossa reflexão pelo texto de São Lucas, citado na Constituição 1: “O Espírito Santo está sobre mim, porque me ungiu e mandou-me evangelizar os pobres, anunciar aos cativos a libertação, aos cegos a recuperação da vista, pôr em liberdade os oprimidos pelo grilhões, proclamar um ano de graça do Senhor” (Lc 14, 18-19)(ESPIRITUALIDADE REDENTORISTA, Vol.5, p.3).

Por conseguinte, no capítulo segundo da A PAUPERIBUS EVANGELIZZARI que o Pe. F. X Durrwell fala sobre o percurso histórico fundacional da Congregação: “Como foi Cristo no seu envio aos pobres, assim foi o seu discípulo Afonso enviado aos pobres e santificado neste envio” (Ibidem, p.66). Ora, desde a infância Afonso foi amigo do Cristo e dos pobres. Um dos fatores que contribuíram para a sua conversão foi quando se tornou advogado e se impôs “como obra de caridade a visita e o cuidado dos doentes do maior hospital de Nápoles, Santa Maria Del Pópolo, sinistramente chamado ‘dos incuráveis’ [...] (Ibidem.) Estes pobres, desamparados, esfoliados e esquecidos social, político e espiritualmente, são os últimos, pelos quais Afonso foi tocado profeticamente, na sua vocação. Todavia, a ação evangélico-profética de redenção e libertação dos pobres só tem um significado importante, na conversão de Santo Afonso, depois que ele perdeu uma causa, isto é, foi vítima de uma injustiça jurídica e percebeu por que caminho teria que recomeçar sua vida:

Acabava de perder aquela causa e era alvo das instâncias de seu pai que o queria lançar de novo na brilhante carreira. Cito o Padre Rey-Mermet: “Afonso foi esquecer sua dor junto aos pobres incuráveis. Era lá o seu palácio: junto dos sem-esperança. E foi lá, enquanto a sua chaga se cicatrizava curando as deles, foi lá que surgiu o acontecimento [profético][...]: “Deixa o mundo e entrega-te a mim”. [...] o cuidado que ele dedicara aos pobres evangelizando-os, vai conduzi-lo a uma santidade extraordinária, fazendo dele o “continuador de Cristo” na evangelização dos pobres (Ibidem.).

É em meio a estes incuráveis que Santo Afonso desperta-se para a realização de sua vocação profética. O pobre é aquele a quem ele foi chamado para evangelizar. “Durante oito anos vai inclinar-se sobre ele, com amor, com fé nestas palavras de Jesus: ‘O que vós fazeis ao mais pequenino dos meus é a mim que fazeis’. Este pobre, este crucificado é Cristo” (Ibidem, p.67). É na busca, no contato e encontro com os pobres que ele resolve fundar a Congregação:

O ponto de partida da Congregação foi o choque experimentado por Santo Afonso de Ligório diante da miséria humana e religiosa dos cabreiros de Scala. Já desde alguns anos ele pregava missões populares, mas nunca até aquela estadia na costa de Almalfi havia sido tão profundamente tocado. Tudo partiu dessa consciência da miséria do mundo rural do Reino de Nápoles (Espiritualidade Redentorista, 1991, p.5).

            Foi o contato vivo e experiencial com a realidade dos sofridos e abandonados, os pobres da época, que Afonso projeta fundar uma instituição, não propriamente religiosa, no sentido atual do termo, que desse assistência aos desassistidos do mundo napolitano. Dessa inspiração teológico-profética-libertadora, desponta em 1732 a fundação da Congregação Redentorista. Toda via, é no século XX, a partir da década de 70 em diante, que se dissemina uma nova visão sobre o trabalho apostólico-profético da Congregação Missionária: a consciência da estreita relação dialética do evangelizador com os pobres. Por isso, o Tema Principal do Capítulo Geral de 1985 foi a COMMUNICANDA Nª4: EVANGELIZZARE PAUPERIBUS ET A PAUPERIBUS EVANGELIZZARI, isto é, evangelizar os pobres e pelos pobres ser evangelizados. O foco não se centraliza na pura ação missionária dos Redentoristas como se estes fossem os redentores imponentes, heróis dos pobres, mas na participação e colaboração dos pobres na evangelização dos mesmos. Neste sentido o caminho aberto foi a constatação de que os pobres tanto podem ser evangelizados como podem ser, pelo seu modo de vida, evangelizadores dos Redentoristas e dos demais que precisam da boa nova profética e salvífica de Cristo. Assim se situava um ciclo de evangelização entre os pobres e os redentorista que contribuiu até hoje para a realização da missão redentorista.

Daí se observou as prioridades pastorais de cada província ou vice província. “Uma vez redigidas as Constituições e Estatutos pelo Capítulo Geral de 1979, as Províncias tiveram que atualizar suas estruturas e sua organização” (Ibidem, p. 4-5). As decisões tomadas em 85 fora um prolongamento do Capítulo Geral de 79. As escolhas das prioridades pastorais tiveram um elemento significativo constatado no compromisso apostólico-profético:

Em certas unidades da Congregação, alguns confrades têm um compromisso direto e concreto em situações de pobreza material, de opressão, de injustiça e de exploração. Para estes confrades a questão de saber para quem eles devem trabalhar é extremamente clara, e as formas de sua evangelização são determinadas pelo compromisso que eles assumiram. (Ibidem, p.5).

      No Brasil um exemplo dessas mudanças pós-conciliar e de reestruturação carismática, missionária e profética já estava acontecendo em algumas unidades da Congregação. “A comunidade Redentorista (RJ-MG-ES) de Coronel Fabriciano-MG, em 12 de junho de 1966, instalou a Rádio Educação com a finalidade de veicular formação religiosa católica, música, informação e cultura” (MACIEL, 2016, p.47); “Os redentoristas do Amazonas, além da evangelização, participavam de programas da Rádio Educação Rural de Coari, do Movimento de Educação de Base e do Apostolado com os Deficientes Físicos e Surdo-Mudos”(Ibidem.); “Os redentoristas da Unidade de Recife, sob a influência de D. Helder Câmara, desenvolveram suas atividades “na pastoral operária, junto aos camponeses, na organização da justiça e paz, e junto aos bóias-frias dos canaviais e dos sindicatos rurais”(Ibidem.). Neste sentido se realizou um novo modo de evangelização comprometida com a situação real dos pobres e excluídos das áreas missionárias redentoristas.

Por conseguinte, a aceitação, maturação e concretização do Tema Principal passou por alguns entraves, medos e desafios no caminhar da Congregação (Ibidem.). Porém, apesar de tais dificuldades em relação aos novos horizontes que estavam acontecendo, a reflexão sobre o TP prosseguiu como meio de conversão pessoal e comunitária continua. Deste modo foi dito:

As nossas Constituições chamam-nos, sem cessar, a nos converter em nosso comportamento, em nosso estilo de vida e no exercício do nosso ministério apostólico:
 - se nossas atividades apostólicas devem ser caracterizadas mais pelo “dinamismo missionário que por certas formas de atividade”, temos necessidade de nos questionar incessantemente sobre a qualidade e a verdade de nosso serviço e do ministério entre os pobres e os mais abandonados do povo de Deus (Const.14)
- Uma contínua conversão de coração, especialmente em relação à questão dos pobres, será exigida de nós se devemos, de fato, ser “livres e disponíveis” na opção que tomamos em relação aos grupos entre os quais somos chamados a trabalhar e em relação aos meios para cumprir esta nossa missão (Const. 15)
- A conversão não é unicamente qualquer coisa de pessoal, mas é algo a que a comunidade deve visar tendendo a uma "constante renovação do espírito” [...](ESPIRITUALIDADE REDENTORISTA, Vol 5, p.7).

Além da nova dinâmica interna e missionária que ganhava forma nos Capítulos Gerais que vai de 1970 a 1991, uma questão fundamental em relação a evangelização dos pobres se impôs: “O que se entende afinal por POBRES?”(Ibidem.). Retomando a trajetória histórico-redentorista-afonsiana, ficou constatado que não havia “na Congregação, uma tradição uniforme sobre os destinatários de nossa atividade pastoral. O pobre a quem o Evangelho deve ser pregado vem entendido diferentemente, segundo as diversas situações” (Ibidem, p.8). Porém isso não impediu que houvesse um traço característico para o trabalho apostólico-profético redentorista:

-damos, tradicionalmente, preferência ao povo simples. Salvo exceções, não cultivamos as classes altas no domínio da ciência, da fortuna ou da influência.
- Nesta linha situam-se a simplicidade requerida e o tom popular de nossa pregação: coisas exigidas por Santo Afonso desde as origens da Congregação e que procuramos conservar sempre. Esta simplicidade vai do estilo mesmo de pregação até os exercícios de piedade e da religiosidade popular.
Além disso, existe entre nós a tradição de ir ao povo e de não esperar que ele venha até nós. E é por isso que rincão algum é para nós nem muito pequeno nem muito grande. Os critérios que servem para caracterizar-nos estão contidos numa única fórmula: “as almas mais abandonadas dos campos” e no sistema de pregação itinerante. Outra coisa que nos distingue é nossa disponibilidade para aceitar frentes missionárias difíceis.
-Mais recentemente começamos a experimentar, em certas regiões, um movimento crescente em direção dos sociologicamente pobres e dos marginalizados.(Ibidem.).

Esta direção aos sociologicamente pobres e marginalizados se fez concreta na América Latina e especificadamente no Brasil, onde assumiu a solidariedade com os pobres e o compromisso nas suas lutas e transformações estruturais determinantes e contrárias a vida. Por este caminho foi que a Vida Religiosa foi manifestando a sua fidelidade ao Deus de Jesus Cristo, aquele que estava com os pobres e excluídos, de onde imana o caráter profético. (CADERNO DA CRB, 1990, p. 59).

O tema da prioridade pastoral é continuo desde o Capítulo Geral de 1979. Por meio de tais mediações, reflexões e meditações espirituais se chegou a delinear na Congregação, de modo cada vez mais claro, a sua missão específica, frente aos pobres, pela justiça e paz social. No Brasil é visível essas transformações de ação missionária. Segundo Maciel apresenta sobre o período de 1964 a 1984:
Temos no Brasil, o período da “Igreja como Povo Militante”, quando leigos católicos, bem formados e esclarecidos, religiosos e a hierarquia católica somam forças em favor da justiça social e dos direitos humanos. Durante este período, a Ditadura Militar Brasileira, também perseguiu aos redentoristas, sobretudo aqueles que estavam ligados a D. Hélder Câmara e D Aloísio Lorscheider (no Nordeste) e a D. Paulo Evaristo Arns (em São Paulo) (MACIEL, 2016, p.51).

No âmbito geral, a Congregação conseguiu tem maior clareza em relação a sua missão. Neste sentido, a COMMUNICANDA Nº4 expressa profeticamente:

No âmago desta missão da Igreja, a Congregação tem sua missão particular que vem expressa em três aspectos diferentes:
- a evangelização no sentido estrito: a proclamação explícita, profética e libertadora do Evangelho;
- a preferência dada a situações nas quais existem urgências pastorais;
- e, a partir desta, uma preferência especial pelos pobres, os deserdados, os oprimidos.
Estes três aspectos juntos constituem “a razão de ser da Congregação na Igreja e o distintivo de sua fidelidade à vocação recebida”(Const.5). (ESPIRITUALIDADE REDENTORISTA, Vol 5, p.9)

Após delinear as características fundamentais da Congregação, a natureza específica dos pobres pelos quais a mesma deve evangelizar e ser evangelizada, e alguns elementos que indicam a missão profética redentorista no Brasil, pode-se então destacar o Capítulo Geral de 1985, em que se discorreu sobre “o ANÚNCIO EXPLÍCITO, PROFÉTICO e LIBERTADOR DO EVANGELHO AOS POBRES, [...] segundo o carisma [...] expresso nas Constituições 1,3,5 e 5 e nos Estatutos Gerais”(Ibidem, p.10).

Porém, no desenvolvimento do percurso houve outra dificuldade em relação as situações de pobreza que deveriam ser priorizadas essencialmente. Assim “O Capítulo colocou, para toda a Congregação, a seguinte pergunta: ‘a quais situações de pobreza e opressão queremos dar uma atenção particular, a partir do Tema Principal?”(Ibidem.). Como resposta para tal questionamento veio a indicação do texto de Puebla. Nele se delineia especificadamente e com propriedade a que situações merecem apelo redentor-apostólico-profético:

Um exemplo de atitude que devemos ter nos é dado no seguinte texto de Puebla;
“Esta situação de extrema pobreza generalizada adquire, na vida real, feições concretíssimas, nas quais deveríamos reconhecer as feições sofredoras de Cristo, o Senhor que nos questiona e interpela:
- feições de crianças, golpeadas pela pobreza ainda antes de nascerem, impedidas que estão de realizar-se por causa das deficiências mentais e corporais irreparáveis, que as acompanharão por toda a vida; crianças abandonadas e muitas vezes exploradas de nossas cidades, resultado da pobreza e da desorganização moral e familiar;
- feições de jovens, desorientados por não encontrarem seu lugar na sociedade e frustrados, sobretudo nas zonas rurais e urbanas marginalizadas, por falta de oportunidade de capacitação e de ocupação;
-Feições de indígenas e, com frequência, também de afroamericanos que, vivendo segregados e em situações desumanas, podem ser considerados como os mais pobres dentre os pobres;
-feições de camponeses que, como grupo social, vivem relegados em quase todo o nosso continente, sem terra, em situação de dependência interna e externa, submetidos a sistemas de comércio que os enganam e os exploram;
-feições de operários, com frequência mal remunerados, que têm dificuldades de se organizar e defender os próprios direitos;
Feições de subempregados e desempregados, despedidos pelas duras exigências das crises econômicas e, muitas vezes de modelos desenvolvimentistas que submetem os trabalhadores e suas famílias a frios cálculos econômicos;
-feições de marginalizados e amontoados das nossas cidades, sofrendo o duplo impacto das carências dos bens materiais e da ostentação da riqueza de outros setores sociais;
-feições de anciãos cada dia mais numerosos, frequentemente postos à margem da sociedade do progresso, que prescinde das pessoas que não produzem[...](Ibidem, p.11-12)
           Para que os aspectos proféticos da missão redentorista se realizasse na sua concretude histórica e testemunhal, foi preciso no decorrer da história, uma reavaliação do seu próprio modo de ser redentorista. Assim as bases relacionais entre os confrades e a observação sobre os bens instrumentais e humanos de trabalho apostólico foram revistos e reestruturados para atender as novas exigências dos tempos modernos.  É nessa linha que a COMMUNICANDA Nº11 expressa o tema fundamental: “A COMUNIDADE APOSTÓLICA REDENTPORISTA, EM SI MESMA PROCLAMAÇÃO PROFÉTICA E LIBERTADORA DO EVANGELHO”(Ibidem, p.17). Daí nesta se refletiu: “sobre o nosso viver e trabalhar juntos como comunidade apostólica, precisamente à luz do tema principal do último Capítulo Geral: evangelizzare pauperibus et a pauperibus evangelizzari” (Ibidem, p.18):
Tarefa especial dum religioso é ser sinal profético da viabilidade e validade do Reino dentro da Igreja e entre o povo. Esse testemunho precede qualquer espécie de pregação explícita. A experiência da copiosa redenção, da realidade do amor do Pai, deve realizar-se primeiramente no seio da própria comunidade religiosa. (Ibidem, p.22)

     Deste modo se observou os elementos essências da vida missionária-postólica-profética redentorista como i) a fraternidade; ii) a vivência dos votos para a missão-profética; iii) a comunhão entre os membros da Congregação; iv) a igualdade entre os confrades, irmão de um único Deus; v) o respeito, acolhimento e abertura na relação entre os confrade, professos e formandos; vi) a exigência da convivência; vii) a vivência real de uma espiritualidade e vida pobre; viii) a partilha comum dos bens; xix) o desprendimentos; x) a auteridade; xi) a abertura das casas apostólicas nas áreas de atuação, presença com os pobre; xii) e por último: proximidade com o povo.


Por fim, fazendo um aparto geral do profetismo nos Missionários Redentoristas, entre os anos 1970 e 1990, com alguns fatos na realidade brasileira, é possível constatar que tal Congregação missionária não esteve aquém das transformações e exigências do tempo. Seu caráter profético- anuncio, denúncia, redenção, testemunho- na sua missão e identidade fundacional afonsiana possui um valor significativo ainda hoje. As mudanças internas e externas de formas de viver e anunciar Jesus Cristo deram sua continuidade, ora com progressos ora com regressos. Porém se pode constatar que o compromisso com os pobres, abandonos e excluídos, o anúncio da redenção e a compreensão das situações de urgências de trabalhos apostólicos configuram o caráter da Congregação atualmente. Sem esses pontos gerais a identidade redentorista perde a sua força e vitalidade profética. Urge observar os novos traçados da Missão Redentorista afim de atender e responder corajosamente o Cristo imerso nas realidades difíceis, dolorosos, variadas e pobres que nos cercam. Pela complexidade do tempo presente o profetismo precisa ganhar uma revitalização para permanecer no espírito da boa nova de salvação. As prioridades dos tempos atuais configuram os caminhos para continuar o Redentor na sua dimensão profética.

domingo, 18 de setembro de 2016

1) Considerações sobre os profetas e sua ação-vital-profética na tradição bíblico-testamentária.



Não só na tradição bíblica, mas também nas diversas culturas religiosas, como a grega, a figura do profeta é presente e característica de peculiaridades variadas. Por isso, se justifica o fato de se ter, na história de Israel, uma quase imensurável compreensão sobre tais pessoas, suas funções e o lugar que ocupam no contexto bíblico. Essas variantes também se constata na concepção terminológica de “Profeta”. A etimologia do termo profeta, que em hebraico se traduz por nabí, provem originalmente do grego: profetes. Esta nomenclatura se referia àquele(a) que interpretavam as vozes dos deuses nos oráculos de Delfos (ALDAY, 2009, p.11-12).

Entretanto, esse termo na tradição bíblico-hebraica foi utilizado para designar os homens e mulheres que, na história de salvação, tiveram um papel importante na sociedade como comunicadores, ou anunciadores da palavra de Deus ao povo de Israel. Toda via, nos livros sacros, o termo “profeta” é sinônimo de outros termos equivalentes como “homem de Deus”, “vidente” e “visionário” (SICRE, 1998, p. 76-84). Daí se justificar o fato de inúmeros videntes, visionários ou pessoas que possuíam essa experiência com Deus, Iahweh, receberem pelo povo, ou lideranças políticas e religiosas da época, o título e a fama de profeta.

É importante considerar que há uma complexidade para desenvolver um traço comum, ou uma imagem particular acerca dos profetas, pois eles tanto estão em diversas situações culturais, políticas e regionais, na tradição bíblica, como assumem diversas funções e preocupações na camada social. Como sustenta José Luis Sicre (2000, p.181) sobre os profetas: “Não se trata de pessoas talhadas pelo mesmo padrão, uniformes em todos os aspectos de sua personalidade, sua atividade ou mensagem”. Elas variam conforme cada situação. Essas dificuldades provem da própria dinamicidade da tradição bíblica e dos variados textos proféticos que se tem.

De modo geral pode-se apresentar alguns pontos em que os profetas se diferenciam, a saber, quanto a) ao tempo que se dedicam à sua atividade profética: Isaias, por exemplo, exerceu sua profecia aproximadamente quarenta anos, isto é durante o tempo de sua vida, enquanto o profeta Abdias ocupa extremo oposto; b) quanto ao modo de entrar em contato com Deus: visões, audições, sonhos e transe são alguns desses modos; c) no modo de transmitir a mensagem: pela palavra oral, pela escrita, em diversos géneros literários, estilos e por símbolos; d) e pela função que desempenha na sociedade: alguns são como conselheiros ou funcionários dos reis, outros são solitários (não sozinhos) e outros reformadores sociais, dentre outros. Estas diferenças inegáveis não anulam a unidade do movimento profético, mas destroem uma concepção uniforme, limitada e unilateral sobre o que compreende-se como profeta.

Na tradição bíblica há uma distinção de duas categorias de profetas de Israel, a saber, os profetas (verdadeiros) e os falsos profetas. Estes foram duramente criticados por serem profetas de divindades estrangeiras, como o deus Baal, enquanto que os profetas que afirmam verdade na sua profecia são porta-voz de Deus Iahweh. Alguns profetas falsos se encontram no tempo de Elias (1Rs18) e são acusados pelo problemas que acarretaram ao povo e pelas falsas profecias. Os falsos profetas tranquilizam os maus, para que não mudem suas injustiças, prometem a paz e bem estar ao povo enquanto o país se precipita em tragédias. Segundo sustenta Sicre: “os falsos profetas extraviam o povo (Jr23, 13), impedem que se convertam (Jr23, 14), não fala em nome de Deus (Jr23, 16), não observam seus conselhos (Jr23, 18), e não conhecem seus planos (Jr23, 17-19)” (SICRE, 1998, p.145).

Apesar de tais limites é possível descrever poucos traços comuns, que marcam o movimento profético, na sua essência, como a) a inspiração divina: é de comum acordo que todos os profetas eram vistos como homens de Deus, e que este mesmo Deus, lhe falava, para que estes fossem seus porta-vozes direcionados ao povo, como no caso de Abração (Ex3, 10). Neste aspecto há uma distinção específica a considerar entre os profetas do povo de Israel com os de outras culturas e religiões. Na tradição hebraica o profeta é aquele que fala com Deus, Iahweh, e por meio do mesmo, e não há outro fora dele (Dt32, 39). Essa ligação intima e determinação divina hebraica se apresenta no livro Deuteronômio (18, 14-18) em que o próprio Deus, e não outros deuses, afirma sobre a eleição de um profeta nos seguintes termos:

Iahweh teu Deus suscitará um profeta como eu no meio de ti, dentre os teus irmãos, e vós o ouvireis. É o que tinha pedido a Iahweh teu Deus no Horeb, no dia da Assembleia[...]. Vou suscitar para eles um profeta como tu, do meio dos teus irmãos. Colocarei as minhas palavras em sua boca e ele lhes comunicará tudo o que eu lhe ordenar.

Segundo afirma Sicre (1998, p. 77): “ainda que este texto se use posteriormente para justificar a esperança da vinda de um profeta definitivo, semelhante a Moisés, originalmente [ele] se referirá a toda as séries dos profetas como transmissores da Palavra de Deus”. Deus se comunica pessoalmente, a palavra de Deus é a força e a fraqueza humana pela qual Deus se comunica. “Pensemos naqueles que são considerados profetas do nosso tempo: Martin Luther King, Oscar Romero, etc. Estavam convencidos de que comunicavam a vontade de Deus, de que diziam o que Deus queria em determinado momento histórico” (SICRE, 2000, p.188).

b) os profetas são pessoas públicas: seu lugar é as ruas e as praças. Eles não podem se limitar ao local dos estudos sossegados, ou ao templo. Eles devem estar lá, aonde o povo se reúne, onde a mensagem profética é mais necessária e mais delicada, porém mais exigente. Eles devem ter uma consciência profunda das diversas realidades que os cercam, como as maquinações das lideranças políticas; o descontentamento, limitações e fragilidade do povo; o luxo esbanjado dos ricos e poderosos; e o descaso de muitos que assumem poder religioso e clerical. O profeta Isaias e Jeremias são ideais de tais características proféticas.

c) os profetas são homens ameaçados: são inúmeras as situações em que eles precisam dizer palavras duras e difíceis de acolhimento do povo ou dos líderes religiosos e políticos. O anuncio é de conversão e denuncia das diversas situações de injustiças e opressão, cujo ponto e causa fundamental se caracteriza pelo distanciamento ou negação da vontade de Deus. Deus os instruem para fazer tais coisas, como no caso de Jeremias (1, 10):hoje eu te coloco contra nações e reinos, para arrancar e para derrubar, devastar e destruir, para construir e para plantar”. Eles, muitas vezes sofrem o risco de perderem-se numa causa que não encontra eco nos ouvintes. “Oséias é chamado de ‘louco’, ‘néscio’; Jeremias é acusado de traidor da pátria. E se chega também à perseguição, ao cárcere e à morte. Elias deve fugir do rei em muitas ocasiões; Miqueias termina na prisão; Amós é expulso do Reino do Norte” (Ibidem, p.202). Eles podem ser perseguidos, não só pelos reis, poderosos e falsos profetas, mas também pelos sacerdotes e pelo povo. Eles podem ser ameaçados até por Deus: “Não tenhas medo deles, senão eu é que te farei tremer diante deles” (Jr1,17).

d) a profecia é um carisma que rompe as barreiras das circunstâncias: Não há um tempo específico, uma pessoa certa, um ofício determinado e nem uma educação específica para ser profeta e realizar a profecia. Deus realiza tais coisas de modo surpreendente. Ele chama homens (Moises, Abraão, Samuel, Ezequiel...) e mulheres (Débora, Hulda) para serem a ‘boca de Deus’. Eles extrapolam as classes sociais, as barreiras religiosas e políticas, e até a idade determinada para profetizar. Portanto a profecia é um carisma que emerge de dentro de cada profeta na sua relação com Deus, sem ser necessária as circunstâncias históricas-políticas-religiosas-sociais do tempo que determinem a existência de tais profetas.

Segundo afirma o teólogo David E. Aune (SICRE,2000, p.188), no antigo Israel há “quatro tipos de profetas, a saber, i) os profetas do xamãs, ii) os profetas cultuais e do templo, iii) os profetas da corte e iv) os profetas livres”.  Os primeiros eram considerados possuidores de habilidades espirituais como ser vidente, isto é, saber de alguns acontecimentos futuros, como por exemplo: Samuel que afirma a Saul que este não se preocupasse, pois encontraria sua a jumenta em boa condição (ISm9, 19-22). Tais profetas também possuem habilidades de cura, como Eliseu que curou Naamã (II Reis 5, 1-27). O segundo grupo faz parte daqueles que estão ligados ao culto ou templo de Jerusalém. São os que por meio de Deus, denunciam o descaso com o templo como causa dos males do povo de Deus, como por exemplo o profeta Ageu (1, 2-4,9b). O terceiro grupo é dos que se relacionam diretamente com o Rei. Eles indicam os caminhos de gestão governamental e denunciam os descasos ou erros na governabilidade para o bem estar do povo. São denominados de os conselheiros do Rei, como o profeta Gad (1 Sm 22, 1-6) que foi profeta no reinado de Davi. O último grupo é dos profetas que estão distantes do Rei, e mais próximo do povo. Suas vidas estão em função da Palavra de Deus e da Libertação do povo como Elias. Ele “é um profeta itinerante, sem vinculação a nenhum santuário, que aparece e desaparece de modo imprevisível. De certa forma, Elias é um novo Moisés” (SICRE, 2000, p.217).

Agora é possível traçar algumas considerações sobre os diversos gêneros literários de profecias utilizadas na história do povo de Israel. De modo geral, os profetas utiliza-se de uma linguagem poética. Trata-se, portanto, de um recurso linguístico fácil tanto para anunciar a boa nova de Deus como para denunciar as injustiças sociais. No profeta Amós (5, 18-26) pode-se encontrar este aspecto linguístico poético:

Ai daquele que desejam o dia de Iahweh!
Para que vos servirá o dia de Iahweh?
Ele será trevas e não luz.
Como alguém que foge de um leão e um urso cai sobre ele!
[...]
Eu odeio, eu desprezo as vossas festas
E não gosto de vossas reuniões.
Porque, se me ofereceis holocaustos...,
Não me agradam as vossas oferendas
[...]
Que o direito corra como água
E a justiça como um rio caudaloso!
Por acaso oferecestes-me sacrifícios e oferendas no deserto,
Durante quarenta anos, ó casa de Israel?
Suportareis Sacut, vosso rei,
e a estrela de vosso deus, Caivã,
imagem que fabricastes para vós.

Para se compreender as palavras proféticas de Amós, basicamente, é preciso observar o contexto pelo qual foi escrita e a figura de linguagem utilizada. Para a época tais palavras eram bem compreendidas e expressavam a denúncia contra o povo de Deus que prestava culto a outros deuses (“imagem que fabricastes para vós”), por isso Amós afirma que eles não verão a luz no “dia de Iahweh”!,  mas “será trevas e não luz”, porque eles ofereceram “holocaustos” a Deus, mas não praticaram o direito e a justiça. Daí se impor, por Deus, a exigência anunciada pela profeta: “Que o direito corra como água e a justiça como um rio caudaloso”, para Israel retomar o caminho reto e bom. A figura de linguagem é utilizada para dar destaque ao mau caminho percorrido pelo povo de Deus, o caminho de injustiça que é “Como alguém que foge de um leão e um urso cai sobre ele”, isto é, Israel pensa e age em função do egoísmo, mas, seguindo tal caminho de injustiça acabarão caindo nas consequências de seus próprios erros.

De modo geral, se pensa que os profetas comunicam sua mensagem por meio de discurso ou sermão, porém, há outros gêneros literários utilizados na sua profecia, a saber, a) gêneros derivados da sabedoria tribal e familiar, como a exortação, a interrogação, a parábola e a alegoria, dentre outros ; b) gêneros derivado do culto, como os hinos, as orações, as instruções e os oráculos de salvação; c) gêneros do ambiente judicial, isto é, discurso acusatório, formulas casuísticas e o requisitório profético; d) e gêneros estritamente proféticos, que é o oráculo de denúncia-condenação dirigida a um grupo ou povo, e outro oráculo a específica pessoa, como um rei. A denúncia implica a acusação de faltas ou crimes praticados contrários a vontade de Deus e para o mal do povo, no final se insere um pecado concreto particular. A condenação envolve o anúncio do castigo com uma intervenção de Deus e as consequências de tais erros.

Considera-se, por conseguinte, o itinerário de alguns profetas de Israel, tendo como base a história do movimento profético, subdividida em três momento, isto é, a) desde as origens até Amós, b) de Amós até o exílio, c) e deste até o final. Acrescentada a figura de Jesus. Em cada tempo histórico destaca-se alguns profetas que teve significativa importância na história de Israel.

No primeiro momento histórico uma das personagens de destaque, na tradição bíblica é Moisés Ele é considerado como um profeta intermediário entre Deus e o povo, aquele que transmite a palavra do Senhor e se converte em modelo de todo autentico profeta. O texto mais antigo em que Moisés aparece como profeta é o de Oseias (12, 14): “Por meio de um profeta, o Senhor tirou Israel do Egito e por meio de um profeta, o guardou”. Sua função específica é a libertação do povo e sua condução pelo deserto conforme a vontade de Deus e seu anuncio (Ex3,7-11). Segundo apresenta o Deuteronômio (34,10-12) sobre Moisés: 

[...]os israelitas lhe obedeceram, agindo conforme Iahweh tinha ordenado a Moisés. E em Israel nunca mais surgiu um profeta como Moisés- aquém Iahweh conhecia face a face- seja por todos os sinais e prodígios que Iahweh o mandou realizar na terra do Egito, contra Faraó, contra todos os seus servidores e toda a sua terra, seja pela mão forte e por todos os feitos grandiosos e terríveis que Moisés realizou aos olhos de todo Israel!

                Entrando na época dos Juízes outro profeta é de significativo destaque: Samuel. Ele é um herói de guerra contra os Filisteus, um juiz de Israel e vidente. Está ligado ao culto do templo e possui função sacerdotal. Todavia seu destaque como profeta é a transmissão da palavra de Deus, que se inicia desde sua vocação (1Sm3, 3-10) quando foi chamado por três vezes. Sua missão difícil é anunciar o castigo da família de Eli (ISm3, 11-21), ungir o rei Saul e Davi. Sua denúncia profética se realiza contra o rei Saul, por motivos da batalha de Macmas (ISm13, 8-15) e na guerra contra os amalecitas (ISm15, 10-23). Ele é de uma ação religiosa e política significativa.

Por conseguinte, da origem da monarquia até Amós, se situa Elias, um profeta livre, que ora está em solidão, com Deus, e ora denuncia e desafia o rei. Elias é considerado como o novo Moisés pelo seu itinerário profético: fuga para o deserto, refúgio em país estrangeiro, sinais e prodígios grandiosos e viagem ao Sinai onde Deus se manifesta para ele, na brisa suave (IRs19, 9-15). Todos esses profetas da origem até Amós são profetas que possuem uma ação forte de denuncia das estruturas opressoras do povo de Israel. Porém, nesse período a ação profética se limita a reformas estruturais.

De Amós até o exílio pode-se destaca um novo modo de profetizar centrado na ruptura total das estruturas-opressivas e do distanciamento do povo de Iahweh. No Século VIII aC. a evolução econômica do podo de Israel se dava as custas dos mais pobres. Os problemas sociais se agravam tanto no Reino do Norte de Israel como no Reino do Sul. O abismo entre ricos e pobres crescia sem cessar e Amós viu o povo dividido em duas categorias, os que oprimem e os oprimidos (Am3, 9-12). Amós se considerava um ‘vaqueiro’ e cultivador de ‘sicômoros’. Era informado sobre os acontecimentos dos países vizinhos e conhecia a problemática social, política e religiosa de Israel, na sua profundidade e essência. Homem de impetuoso sermão, ele é enviado por Deus para profetizar em Israel, tanto anunciando o castigo dos líderes e povo que se afastava de Deus, como indicando as causas de tais erros, ou pecados, cometidos. Ele é considerado como o profeta da justiça social (ALDAY, 2009, p.25). De modo sintético Amos denuncia quatro tipos de pecados cometidos na época: o luxo, a injustiça, o falso culto a Deus e a falsa segurança religiosa. Sua persistente postura profética é a denúncia do luxo da classe alta, classe esta que vivia em seus magníficos e extravagantes palácios, com casas suntuosas cheias de objetos valiosos, vivendo todos os dias de festa e com toda comodidade (Am6, 4-6). Todas essas regalias era as custas da exploração e opressão dos pobres e miseráveis, a maior camada populacional. Amós chega a atacar profeticamente o rei Jeroboão e anunciar o desterro do povo, que o expulsa de Israel (Am7, 10-13).

Neste recorte histórico determinado se destaca a figura de Isaias. É salutar observar que este profeta é um dos mais significativos da história pela sua prolongada atividade profética e por ser o que mais sinalizou para a vinda de Jesus Cristo, como messias(ALDAY, 2009, p.35). Ora, o seu tempo, que abrange a segunda metade do século VIII, é alternado por períodos de tranquilidade e turbulência. Pelo extenso tempo de sua profecia, dentre outros fatores históricos, se considera que houve três Isaias. Deste modo geralmente se classifica o grande Isaias, o Dêutero-Isaias e o Trito-Isaias. O primeiro se situa no tempo que vai de Amós até o exílio, enquanto que os dois últimos se situam no período posterior. Neste sentido só será destacado o primeiro Isaias. Sua profecia é dinâmica entre dois polos quase em equilíbrio: salvação e condenação. Aproximadamente aos vinte anos inicia sua atividade profética. É um homem decidido sem falsa modéstia que voluntariamente se oferece a Deus, para fazer a sua vontade, e assumir a sua vocação (Ibidem). Determinação e enfrentamento político-religioso social é uma característica peculiar sua. O que mais o preocupou foi a situação sócio-religiosa de Israel.   

O grande Isaias se situa no reinado de Joatão, em um período de prosperidade econômica e independência política, que é ameaçada nos últimos anos de tal reinado. A análise profética é bem clara: “Constata numerosas injustiças, as arbitrariedades dos juízes, a corrupção das autoridades, a cobiça dos latifundiários, a opressão dos governantes. Tudo isso é mascarado por uma falsa piedade e abundantes práticas religiosas (Is 1, 10-20)” (SICRE.2000, 230).  Numa analogia com a vida matrimonial, Isaias denuncia que Jerusalém se deixou de ser uma boa esposa, fiel, de Deus, e se tornou prostituta (Is1,21-26), que produzirá, na sua vida, amarguras, como a vinha malcuidada de Deus (Is5, 1-7). No final do reinado de Joatão, a cidade de Damasco e Samaria se volta contra Jerusalém. A partir de então se instaura a guerra siro-efraimita, no reinado de Acaz. O povo de Israel quer pedir socorro aos assírios. Isaias se opõe ao pedido de socorro.

Sua crítica está no povo desconfiar de Deus e submeter-se a outros povos, como os egípcios e assírios. Sua postura profética política está fundamentada na fé, pois Deus que se comprometeu com seu povo será quem decidirá a ruína de Damasco e Samaria, que havia se voltado contra o povo de Israel. Após várias tensões entre o povo assírio e o povo egípcio com a cidade de Jerusalém, esta várias vezes é invadida e se submete aos outros povos estrangeiros, e ao culto a deuses estranhos. Isaias denuncia tais pecados, apresenta o castigo do povo errôneo e por último, anuncia a salvação de Jerusalém (Is31, 5-6; 30, 27-33; 37, 21-29). Surge então a promessa de salvação que só se realizará com uma resposta concreta de fé, comprometida, vigilante, calma e serena.

O último período, do exílio até o final do mesmo, destaca-se por dois profetas, a saber, Ezequiel e Zacarias. Com a queda de Jerusalém, culminando no exílio à Babilónia, a história do povo de Deus atinge um novo percurso. Na Babilónia, as ameaças e revoltas internas, no poderio de Nabucodonosor, fomenta nos deportados a esperança de que Deus não mais castigaria seu povo, e que eles, com seu rei Joaquim, seriam libertados e voltariam para a Palestina. É nesse contexto que surge o profeta Ezequiel, para destruir as falsas esperanças do povo.

No capitulo quarto e quinto, de seu livro, Ezequiel anuncia a catástrofe de Jerusalém diante do otimismo e da esperança dos exilados, as razões de tal castigo são a rebeldia contra as leis e mandamentos do Senhor (Ez 5, 6), a idolatria (Ez5, 9), insolência e maldade (Ez7,10-11). É na releitura da história de Israel que Ezequiel ver um povo marcado pelo pecado. Um povo que se esqueceu de Deus e cedeu lugar para a prostituição do poderio egípcio, assírio e babilónico, isto é, um povo, da tribo de judá e Israel, que fez aliança e acordos político-religiosos com essas grandes potências governamentais da época.

Nesse tempo Nabucodonosor-rei da Babilónia- tinha nomeado Sedecias para assumir o governo de Jerusalém e explorar tal povo com pesados impostos. Durante nove anos a capital Jerusalém estava em relativa calma, quando Sedecias se rebela contra Nabucodonosor. Fome, incêndio do templo, saques e destruição assolam a capital, e Sedecias se rende ao imperador. Deste modo se realiza a profecia de Ezequiel, de que Jerusalém seria destruída. Uma vez acontecida a queda de Jerusalém, tal profeta se abre para uma nova profecia. Ele denuncia os responsáveis da catástrofe elencando cinco grupos (Ez 22, 23-31): príncipes, sacerdotes, nobres, profetas falsos e proprietários de terra que acumulavam crimes em Jesuralém. Os Reis e os que estão em patamar mais elevado de poderio também são responsáveis por tal mal. A partir de então se abre caminho para uma nova visão, ou profecia (Ez34, 11-16):

Com efeito, assim diz o Senhor Iahweh: Certamente eu mesmo cuidarei do meu rebanho e dele me ocuparei. Como o pastor cuida do seu rebanho, quando está no meio das ovelhas dispersas assim cuidarei das minhas ovelhas e as recolherei de todo os lugares por onde se dispensaram em dias de nuvem e escuridão.  

  Tal profecia denota um novo caminho a ser trilhado por Deus para salvar o seu povo. A profecia é de consolo (Ez36, 1-15). E a conversão se fincará nas suas raízes mais profundas: “Borrifarei água sobre vós e ficareis puro; sim, purificar-vos-ei de todas as vossas imundícies e de todos os vossos ídolos imundos. Dar-vos-ei coração novo, porei no vosso íntimo espírito novo, tirarei do vosso peito o coração de pedra e vos darei coração de carne” (Ez36, 25-26). Deste modo há uma promessa de nova aliança, que unificará as duas tribos e uma eterna permanecia com seu povo (Ez37, 26-27). A partir de então as profecias terão mais fortemente um aspecto de consolo e salvação.

O Dêutero-Isaías se integra nessa nova profecia (Is40-55). Esta passagem referida será de consolo. Assim na boca do Dêutero- Isaías, Deus fala nas primeiras palavras no quadragésimo  capítulo (Is40, 1): “Consolai, consolai meu povo, diz vosso Deus”. Toda via, finalmente, é conveniente se deter rapidamente na profecia de Zacarias. Ele fala da reconstrução do templo de Jerusalém, mas denuncia os pecados do povo e os exorta a conversão (Zc1, 1-6). É significativa suas sete visões, que descrevem, de modo simbólico sua profecia: 1) do castigo das nações e a benção de Jerusalém (Zc1, 8-16), 2) os castigos dos pagãos (Zc2, 1-4), 3) a glória de Jerusalém (Zc2, 5-9), 4) a exaltação de Zorobabel e Josué (Zc4, 1-10), 5) os castigos dos malvados (Zc5, 1-4), 6) a maldade que habita na Babilónia (5, 5-11) e 7) o castigo do norte (Zc6, 1-8). Os aspectos mais relevantes de sua profecia é a ordem escatológica que precede a vinda de Deus. Tudo é orientado para a realização da ação benigna de Deus: “Deus se volta benigno para seu povo, castiga seus adversários, enche de glória Jerusalém, elimina os malfeitores e dá ao povo governantes dignos de nova situação. Após o século V a.C o profetismo vai perdendo sua força. A canonização da lei, o empobrecimento da temática profética, as inúmeras religiões que acolheram para si o atributo profético, dentre outros fatores, contribuem para que o profetismo perca sua força vital anterior. Apesar disso, na camada social de Israel havia a expectativa da vinda de um grande profeta como Moisés e Elias.É interessante que tais profetas se apresentam na transfiguração de Jesus.

Por último vale ressaltar um aspecto de suma importância para o profetismo no segundo testamento. Trata-se portanto da figura de Jesus Cristo, o nazareno. Afirmar que essa personalidade é um profeta seria limitar a grandiosidade de seu anúncio, pois ele mesmo se denominou Filho de Deus (Mt26, 62-66/ Lc22, 68-71) e esta foi sua maior acusação (Jo19, 7). Porém, na missão de Jesus de anuncia Deus Pai e redimir a humanidade, pela sua entrega na cruz, encontra-se, também, alguns aspectos significativos que fazer parte de sua ação profética, enquanto ungido enviado por Deus para salvar a humanidade.

De antemão pode-se destacar que muitos dos profetas do antigo testamento, se não todos, prefiguram a sua presença e ação redentora. É possível encontrar diversos elementos característicos dos profetas que são plenamente realizados em Jesus Cristo. Daí o fato de Jesus receber pelo povo da época, como acontece na tradição de Israel, o título de profeta: “no caminho perguntou, perguntou aos seus discípulos: ‘Quem dizem os homens que eu sou? Eles responderam: ‘João Batista’, outros, Elias; outros ainda, um dos profetas” (Mc8, 27-28).

           Assim se pode considerar: os profetas eram pessoas inspiradas por Deus, Jesus era Filho de Deus que testemunhou com sua própria vida a palavra de Deus, isto é, Jesus mesmo era a Palavra encarnada (Jo1,14). Os profetas eram pessoas públicas, conhecidas pelo povo; Jesus começa sua vida pública, aos trinta anos, a partir do batismo (Mt3, 13s) e apresenta a realização do cumprimento do movimento profético em sua pessoa (Lc4, 16-21 ). Os profetas eram ameaçados; Jesus foi ameaçado pelos fariseus e por Herodes (Lc13, 31). A profecia rompe as barreiras do tempo e das circunstâncias; a pregação de Jesus rompeu as barreiras das sinagogas e chegou aos excluídos da sociedade (Mt4, 23-24). Os quatro tipos de profetas -os profetas do xamãs, os profetas cultuais e do templo, os profetas da corte e os profetas livres-   tinham suas peculiaridades de ação e preocupação religiosa política. A ação profética de Jesus se apresenta com elementos dessas quatro características, isto é, ora cura os doentes (Mt9, 1-8), prega nas sinagogas (Lc4, 16-17), é sinal de profecia e merece ser morto por não se submeter aos poderosos da época (Jo11, 45-54), e privilegia como os mais necessitados do amor e da justiça de Deus aos pobres (Mt5,1-12; Lc6, 20-23; Mt9, 10-13). Jesus anuncia o Reino do Pai e denuncia as injustiças por meio de parábolas, estilo profético (Mt13, 1-3). Na transfiguração Jesus se apresenta em comunhão com os profetas do primeiro testamento (Lc 9:28-36). Por fim, a dimensão profética de Jesus Cristo o leva a morte de cruz (Jo19,25-33). Esses são alguns aspectos que configuram a dimensão profética de Jesus. Portanto, é visível na sua pessoa humana e divina o cumprimento de toda a tradição profética que culmina na ressurreição (Mc16-6) e na abertura de caminho para vida eterna (Jo11, 25).