Seria ingenuidade tratar, em um sintético capítulo, sobre a dimensão
profética da espiritualidade-vital redentorista na sua totalidade, em todos os
âmbitos e região que atuou a Congregação do Santíssimo Redentor, durante o
século XX, ou precisamente de 1970 a 1990. Entretanto, tal capítulo se dedica,
sobretudo, a delinear algumas luzes, características
e elementos que identificam os aspectos proféticos da Espiritualidade
Missionária Redentorista na sua trajetória e alguns fatos, dessa repercussão
apostólica-profética, no Brasil.
Para isso se tem como base de reflexão a) alguns artigos ou documentos da
coleção ESPIRITUALIDADE REDENTORISTA:
TEXTOS (2º e 5º volume ), realizado pela União dos Redentoristas no Brasil;
b) a apostilha Aspectos Históricos da
Congregação Redentorista (2216), do Historiador Ir J. M. Marciel CSsR; c) e
o 7º caderno da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), intitulado como A DIMENSÃO PROFÉTICA DA VIDA RELIGIOSA NA
NOVA EVANGELIZAÇÃO (1990). A partir de tais textos pode-se considerar os
traços da dimensão profética redentorista no século XX durante o referido
período.
Ora, não é possível delinear a atuação redentora congregacional sem o
marco histórico de grande importância para Igreja assim como para os
Redentoristas, a saber, o Concílio Vaticano II. Tal fato é fundamental para se
entender a dinamicidade e dimensão profética da Congregação. Pois é nesse
Concílio, com base em alguns de seus documentos, a saber, a Lumen Gentium, a Perfectae Caritatis, a
Gaudium et Spes, dentre outros, que acontece uma nova orientação e dinamismo missionário que configurou, de modo
renovado, precisamente da década de 70 em diante, os novos caminhos da
Congregação. Como elemento significativo deste período, destaque-se o abandono de um modelo de Igreja monárquica
para um novo modelo, até então inesperado. Segundo afirmou o Pe. John
O’Donnell, C.Ss.R, no artigo REFLEXÕES
SOBRE AS CONSTITUIÇÕES DA C.SS.R:
Até o tempo do
Concílio Vaticano II, o modelo mais comum para a organização da Igreja era o
chamado modelo monárquico ou papal. A Igreja era vista na sua organização à
imagem da sociedade monárquica de outrora, e seu esquema era muitas vezes
apresentado na figura de uma pirâmide. O papa era considerado como um rei no
topo da pirâmide. Durante muitos séculos, quando um papa era eleito, era também
coroado, até que João Paulo I acabou com o costume em 1987. (ESPIRITUALIDADE
REDENTORISTA, Vol.2, p. 62)
Neste modelo anterior ao Concílio, o que caracterizou o exercício do
governo clerical na Igreja foi “uma autoridade forte centralizada que dirigia a
vida de todos até os pormenores, através de um impressionante código de leis”
(Ibidem.). A figura do papa estava na autoridade divina, e tal autoridade
seguia um caráter hierárquico impositivo. Neste sentido, exemplifica O’DONNELL:
“Assuntos como jejum e abstinência eram decididos em Roma e imposto aos católicos
do mundo inteiro, sem levar em consideração se a população local se alimentava
ou não. Detalhes da Liturgia eram elaborados lá ‘em cima’, sem preocupação com
a cultura local” (Ibidem.).
Esse modelo mantinha na Igreja e Congregação Redentorista um caráter de
organização e uma autoridade vertical. “Em cada diocese, em cada paróquia, em
cada comunidade religiosa, a palavra da pessoa revestida de autoridade era lei”
(Ibidem.). “Era um tempo em que, por exemplo, o superior geral dos
redentoristas podia retirar e de fato retirou, por sua própria autoridade, uma
questão importante proposta da pauta de um Capítulo Geral” (Ibidem, p.63).
Apesar de se reconhecer alguns elementos positivos de tal modelo, este não
respondia as necessidades locais de várias unidades ou áreas de atuação da
Congregação Redentorista na Modernidade. Isso trousse prejuízo no dinamismo
missionário redentorista e na cultura e vida dos evangelizados, ou melhor
dizendo, o povo leigo. Poder-se-ia afirmar que esse modelo monárquico seguia,
de modo geral, as mesmas estruturas da monarquia bíblica no tempo de Davi, Saul
e Acaz, dentre outros reis do povo de Israel. É marca característica do
Concílio a ruptura com tal modelo
pernicioso para a missão evangelizadora e profética da Igreja e Congregação.
Durante o Vaticano II, um novo
modelo de organização da Igreja emergiu e tornou-se o modelo predominante dos
documentos conciliares. É o modelo ‘Comunidade’ ou ‘Povo de Deus’. Pode-se ai
dizer que o conceito de Igreja subjacente a este modelo forma a base de todos
os outros ensinamentos do Concílio (Ibidem.)
Delineando-se sobre o tema em
questão, esse novo modelo resgatou vários elementos da tradição bíblico
testamentária que caracterizavam a presença, anuncio, denuncia e ação dos
profetas na história do povo de Deus. “Este modelo evoca a memória do povo
peregrino do Antigo Testamento, procurando seu caminho para a Terra Prometida
sob a liderança de Deus” (Ibidem.).
Segundo este
modelo, a coerência da Igreja consiste na vocação de todos os seus membros para
a participação em toda a vida do povo de Deus. Alguns aspectos de sua vida são
enfatizados. Em primeiro lugar temos a ideia de comunidade, com as implicações
de proximidade, envolvimento, preocupação com as necessidades mútuas e
personalismo. Em segundo lugar, a autoridade entendida como algo compartilhado.
[...] Conforme o modelo ‘Povo de Deus’, porém, a autoridade de Deus reside no
povo que, sob a inspiração do Espírito Santo, discerne os que receberam o
carisma da direção e os escolhe como guias e representantes da autoridade
comunitária. Em terceiro lugar, enfatiza-se a igualdade entre os que formam o
povo de Deus, e a idéia que o Espírito de Deus fala através de todos os
membros. (Ibidem.)
Esse novo
modelo propiciou mudanças no modo de organização e na missão da Igreja. Ele
também proporcionou uma maior abertura para o trabalho profético da
Congregação, onde o povo participava ativamente do Reino de Deus na Igreja local
e tinha maior autonomia e responsabilidade na dinâmica e missão da Congregação.
Isso não excluía a autoridade dos sacerdotes ou membros religiosos, mas os
colocavam como representantes da
autoridade comunitária, isto é, como voz de Deus, mediada pelo povo,
enquanto protagonistas do Reino. Segundo afirma o Ir. Maciel, no Brasil, em 1966
“A Congregação Redentorista iniciou uma ampla e livre consulta entre os
confrades, com o intuito de uma renovação adequada, exigida pelo Concílio
Vaticano II”(MARCIEL, 2016, p.47). Surge de modo mais patente, assim, na
história da Congregação, as mudanças que revitalizou até hoje o seu modo de
atuar religioso profético no Brasil, assim como em toda a realidade da América
Latina.
Poderia-se
dizer que as mudanças acontecidas na estrutura e dinâmica interna da
Congregação- como as reformulações das Constituições e Estatutos-, pós
conciliar, contribuíram significativamente para renovação da Congregação e para
a realização de sua dimensão profética: “Durante o Concílio Vaticano II e nos
anos seguintes, a Congregação, com muita energia, deu-se ao trabalho de compor
novas Constituições e Novos Estatutos. As atenções concentraram-se fortemente
nos problemas particulares e nas estruturas” (ESPIRITUALIDADE REDENTORISTA, Vol
2º, p. 4). Porém, no decorrer do processo a Congregação foi se abrindo para nos
perspectivas proféticas, novos desafios pastorais e novas formas de
evangelização.
Deste modo
os princípios constitucionais de nova organização interna e atividade missionária-profética
tiveram sua fonte inspiradora nos documentos do Concílio (Ibidem, p.66). Sobre
isso sustenta O’DONNELL: “Cada Constituição de 92 a 96 destaca um destes
princípios: corresponsabilidade, descentralização, subsidiariedade,
solidariedade e adaptação, urgindo os redentoristas que os implantem no governo
e na organização da Congregação” (Ibidem, p.66).
Outra
observação é possível se feita em relação a atividade missionária da Congregação.
Segundo O’DONNELL sustenta: “A Comunidade Redentorista existe, portanto, para
pregar o Evangelho” (Ibidem, p. 27). Porém, essa urgência pastoral e marca
característica da missão Redentorista recebe uma preferência-profética, isto é,
uma ‘opção em favor dos pobres e abandonados'. Essa missão prioritária dos
pobres e abandonados é um mandado recebido à Congregação Redentorista. Todavia,
para melhor esclarecimento:
[...]O Mandado conferido à Congregação de evangelizar os pobres visa a
libertação e salvação da pessoa humana toda. Os membros da Congregação têm como
incumbência o anúncio explicito do Evangelho e a solidariedade com os pobres, a
promoção de seus direitos fundamentais na justiça e na liberdade, com emprego
dos meios que sejam, ao mesmo tempo, conforme ao Evangelho e eficazes (Ibidem,
p.29).
Essa
especificidade missionária e pastoral da Congregação ganha seu valor profético
por apresentar sinais similares do profetismo na tradição bíblica: um
profetismo que, naquela época, lutava pela justiça e pelo direito, e contra a
exploração dos últimos e excluídos da sociedade, a saber, o órfão, a viúva e a
criança (Ex22, 21-22; Tg1, 27). Neste sentido, a partir da década de 70, a
teologia determinante, que encontrou sua autorização na Evangelii Nuntiandi de Paulo VI, se caracterizou como Teologia da
Libertação. Esta que tinha com ênfase a salvação da pessoa toda, e não apenas
de sua alma, e uma opção preferencial pelos pobres, promovendo os direitos
fundamentais de justiça e liberdade. Segundo afirmou O’DONNELL, sobre essa
teologia e o compromisso da Igreja na sociedade: “Tudo isso passou a ser
explicitamente parte da missão da Congregação com acréscimo[...] na
Constituição 5” (Ibidem.) Nessas mudanças significativas da Congregação:
É importante observar que o Capítulo de 1979 acrescentou ainda um outro
parágrafo à Constituição: (Estatuto 09 b) Não
podem os Redentoristas desprezar o clamor dos pobres e oprimidos. Mas sua
obrigação consiste em procurar caminhos para ajuda-los, assim que sejam capazes
de, com suas próprias forças, superar os males que os oprimem. Jamais falte
esse elemento essencial do Evangelho na proclamação da Palavra de Deus
(Ibidem.).
Este
parágrafo ficou inserido nos estatutos da Congregação. Toda via, tão importante
quanto o exposto é apresentar os dois critérios fundamentais para os
redentoristas na opção de seu trabalho apostólico-profético: “uma preferência
pelos pobres e pelos abandonados, e b) uma preferência pelas situações de urgência
pastoral” (Ibidem, p.30). Portanto, O’DONNELL conclui:
As Constituições convocam os membros da Congregação a estabelecer suas
opções à luz destes critérios, para serem fiéis à sua vocação. A convocação
missionária citada aqui é feita à Congregação como um todo, e a cada
(v)província como um todo. Ainda que a missão para os abandonados e a opção
pelos pobres não seja absoluta e exclusiva, não há nenhuma dúvida onde deve ser
a ênfase (Ibidem.).
Essa clareza
em relação aos destinatários da Missão-profética redentorista e as situações
mais urgentes de evangelização, porque mais gritantes de Justiça e paz, teve
uma resposta concreta e significativa na região onde se situa o Brasil, a
saber, na América Latina. Sobre essa realidade gritante de justiça, a Irmã
Maria Carmelita de Freita, no artigo Profetismo
na nova Evangelização, constatou: “Em face desta situação, como reconhece
Medellin, um surdo clamor pela libertação brota de milhões de homens e mulheres
do continente. Clamor que hoje, segundo Puebla, se faz ensurdecedor [...]” (CADERNO
DA CRB, 1990, p.59).
Outra
questão que se apresentou, nas proximidades dos anos 70 a 90, relevante para o
aspecto profético da Congregação, foi a nova compreensão que se deu sobre o
termo “redenção”. No Artigo COPIOSA APUD
EUM REDEMPTIO: REDENÇÃO E LIBERTAÇÃO NAS CONSTITUIÇÕES DA C.SS.R., o Pe.
Hans Schermana, questionou sobre o conteúdo e riqueza da redenção nas
Constituições da Congregação. Assim Ele apresentou, de modo sintético, os três
aspectos da redenção, que possuem uma importãncia da atuação ainda hoje:
a)Em uma série de textos, redenção é entendida com libertação de
destituição espiritual (alienação de Deus) e degradação moral. [...]b) Outros
textos manifestam uma visão mais compreensiva de salvação, que inclui uma
dimensão humana. Entendem que salvação consiste em toda a sua existência humana
e espiritual, em uma comunidade que é digna deles, tanto física como
espiritualmente. Nesse ponto de vista, o “mundo” e o “tempo” (história)
adquirem grande significado. Apesar de
todos os contratempos, a história da humanidade é um movimento na direção de
uma sempre maior liberdade e dignidade. [...] Esse ponto de vista de redenção
baseia-se na constituição pastoral do Vaticano II, Gaudim et Spes. c) Um
terceiro grupo de textos entende redenção como libertação das pessoas das
forças e pressões econômicas, sociais e políticas. Neste ponto de vista,
salvação diz respeito a algo que envolve a pessoa toda (C6), que é e deve ser
alcançado nesta vida. A realização é a atividade básica dos seres humanos que
devem, contudo, primeiro ser convocados e capacitados para isso. Essa visão de
redenção tem suas raízes nas encíclicas sociais dos últimos papas e
especialmente na Teologia da Libertação (Ibidem, p.86-87).
Desses
rasgos elementares proféticos pode-se constatar a viragem cultural e teológica
moderna do século XX, a partir da década de 70. Nesse período foi realizado as
orientações do Concílio Vaticano II, “sobre a necessidade de um retorno à
inspiração original dos Institutos Religiosos” (Ibidem.). Deste modo se
observou o contexto e a inspiração
profético-evangélica de Santo Afonso quando este deixou a Capital
Napolitana para as periferias da dita região, a saber, as costas de Almalfi,
afim de atender aos pobres, cabreiros, da periferia. Sobre a situação
conflitante da realidade político-cultural napolitana e a situação de
descriminação e opressão que os pobres, camponeses, passavam, Maciel descreve:
Naquele tempo,
no Reino de Nápoles, “o camponês italiano em geral era tratado ‘como se fosse,
não já um homem igual aos outros, senão um verdadeiro jumento da espécie
humana, o desejo e o opróbio da Natureza’”. A capital, com os transtornos
sociais diversos e frequentes, mostrava-se “sempre envolvida em imagens tristes
das misérias, delitos, desconcertos, quirelas, violência, das quais compuseram
a [...] atimosfera, [...] (MACIEL, 2016, p.1).
Essa
realidade que Afonso presencia é marca característica de sua opção radical por
Cristo. Nesse contexto onde os pobres são desprezados e excluídos, onde a nata
do clero está nas mordomias e regalias de Nápoles, Santo Afonso faz um caminho
inverso. E a inspiração bíblica de sua ação profética está no evangelista Lucas
14, 18-19, que se tornou parte integrante das Constituições Redentorista. É
servindo-se desse texto que na COMMUNICANDA
Nº4, EVANGELIZZARE PAUPERIBUS ET A PAUPERIBUS EVANGELIZZARI, se diz:
Começamos nossa reflexão pelo texto de São Lucas, citado na
Constituição 1: “O Espírito Santo está sobre mim, porque me ungiu e mandou-me
evangelizar os pobres, anunciar aos cativos a libertação, aos cegos a
recuperação da vista, pôr em liberdade os oprimidos pelo grilhões, proclamar um
ano de graça do Senhor” (Lc 14, 18-19)(ESPIRITUALIDADE REDENTORISTA, Vol.5,
p.3).
Por
conseguinte, no capítulo segundo da A
PAUPERIBUS EVANGELIZZARI que o Pe. F. X Durrwell fala sobre o percurso
histórico fundacional da Congregação: “Como foi Cristo no seu envio aos pobres,
assim foi o seu discípulo Afonso enviado aos pobres e santificado neste envio”
(Ibidem, p.66). Ora, desde a infância Afonso foi amigo do Cristo e dos pobres. Um
dos fatores que contribuíram para a sua conversão foi quando se tornou advogado
e se impôs “como obra de caridade a visita e o cuidado dos doentes do maior
hospital de Nápoles, Santa Maria Del Pópolo, sinistramente chamado ‘dos
incuráveis’ [...] (Ibidem.) Estes pobres, desamparados, esfoliados e esquecidos
social, político e espiritualmente, são os últimos, pelos quais Afonso foi
tocado profeticamente, na sua vocação. Todavia, a ação evangélico-profética de
redenção e libertação dos pobres só tem um significado importante, na conversão
de Santo Afonso, depois que ele perdeu uma causa, isto é, foi vítima de uma
injustiça jurídica e percebeu por que caminho teria que recomeçar sua vida:
Acabava de perder aquela causa e era alvo das instâncias de seu pai que
o queria lançar de novo na brilhante carreira. Cito o Padre Rey-Mermet: “Afonso
foi esquecer sua dor junto aos pobres incuráveis. Era lá o seu palácio: junto
dos sem-esperança. E foi lá, enquanto a sua chaga se cicatrizava curando as
deles, foi lá que surgiu o acontecimento [profético][...]: “Deixa o mundo e
entrega-te a mim”. [...] o cuidado que ele dedicara aos pobres
evangelizando-os, vai conduzi-lo a uma santidade extraordinária, fazendo dele o
“continuador de Cristo” na evangelização dos pobres (Ibidem.).
É em meio a
estes incuráveis que Santo Afonso desperta-se para a realização de sua vocação
profética. O pobre é aquele a quem ele foi chamado para evangelizar. “Durante
oito anos vai inclinar-se sobre ele, com amor, com fé nestas palavras de Jesus:
‘O que vós fazeis ao mais pequenino dos meus é a mim que fazeis’. Este pobre,
este crucificado é Cristo” (Ibidem, p.67). É na busca, no contato e encontro
com os pobres que ele resolve fundar a Congregação:
O ponto de partida da Congregação foi o choque experimentado por Santo
Afonso de Ligório diante da miséria humana e religiosa dos cabreiros de Scala.
Já desde alguns anos ele pregava missões populares, mas nunca até aquela
estadia na costa de Almalfi havia sido tão profundamente tocado. Tudo partiu
dessa consciência da miséria do mundo rural do Reino de Nápoles (Espiritualidade
Redentorista, 1991, p.5).
Foi
o contato vivo e experiencial com a realidade dos sofridos e abandonados, os
pobres da época, que Afonso projeta fundar uma instituição, não propriamente
religiosa, no sentido atual do termo, que desse assistência aos desassistidos
do mundo napolitano. Dessa inspiração teológico-profética-libertadora, desponta
em 1732 a fundação da Congregação Redentorista. Toda via, é no século XX, a
partir da década de 70 em diante, que se dissemina uma nova visão sobre o trabalho
apostólico-profético da Congregação Missionária: a consciência da estreita
relação dialética do evangelizador com os pobres. Por isso, o Tema Principal do
Capítulo Geral de 1985 foi a COMMUNICANDA
Nª4: EVANGELIZZARE PAUPERIBUS ET A PAUPERIBUS EVANGELIZZARI, isto é, evangelizar os pobres e pelos pobres ser
evangelizados. O foco não se centraliza na pura ação missionária dos Redentoristas como se estes fossem os redentores imponentes, heróis dos pobres,
mas na participação e colaboração dos
pobres na evangelização dos mesmos. Neste sentido o caminho aberto foi a constatação
de que os pobres tanto podem ser evangelizados como podem ser, pelo seu modo de
vida, evangelizadores dos Redentoristas e dos demais que precisam da boa nova
profética e salvífica de Cristo. Assim se situava um ciclo de evangelização
entre os pobres e os redentorista que contribuiu até hoje para a realização da missão
redentorista.
Daí se
observou as prioridades pastorais de cada província ou vice província. “Uma vez
redigidas as Constituições e Estatutos pelo Capítulo Geral de 1979, as
Províncias tiveram que atualizar suas estruturas e sua organização” (Ibidem, p.
4-5). As decisões tomadas em 85 fora um prolongamento do Capítulo Geral de 79.
As escolhas das prioridades pastorais tiveram um elemento significativo
constatado no compromisso apostólico-profético:
Em certas unidades da Congregação, alguns confrades têm um compromisso
direto e concreto em situações de pobreza material, de opressão, de injustiça e
de exploração. Para estes confrades a questão de saber para quem eles devem
trabalhar é extremamente clara, e as formas de sua evangelização são
determinadas pelo compromisso que eles assumiram. (Ibidem, p.5).
No Brasil um exemplo dessas mudanças pós-conciliar e de
reestruturação carismática, missionária e profética já estava acontecendo em algumas unidades
da Congregação. “A comunidade Redentorista (RJ-MG-ES) de Coronel Fabriciano-MG,
em 12 de junho de 1966, instalou a Rádio Educação com a finalidade de veicular
formação religiosa católica, música, informação e cultura” (MACIEL, 2016, p.47);
“Os redentoristas do Amazonas, além da evangelização, participavam de programas
da Rádio Educação Rural de Coari, do Movimento de Educação de Base e do
Apostolado com os Deficientes Físicos e Surdo-Mudos”(Ibidem.); “Os
redentoristas da Unidade de Recife, sob a influência de D. Helder Câmara,
desenvolveram suas atividades “na pastoral operária, junto aos camponeses, na
organização da justiça e paz, e junto aos bóias-frias dos canaviais e dos
sindicatos rurais”(Ibidem.). Neste sentido se realizou um novo modo de
evangelização comprometida com a situação real dos pobres e excluídos das áreas
missionárias redentoristas.
Por
conseguinte, a aceitação, maturação e concretização do Tema Principal passou por alguns entraves, medos e desafios no caminhar
da Congregação (Ibidem.). Porém, apesar de tais dificuldades em relação aos
novos horizontes que estavam acontecendo, a reflexão sobre o TP prosseguiu como
meio de conversão pessoal e comunitária continua. Deste modo foi dito:
As nossas Constituições chamam-nos, sem cessar, a nos converter em
nosso comportamento, em nosso estilo de vida e no exercício do nosso ministério
apostólico:
- se nossas atividades
apostólicas devem ser caracterizadas mais pelo “dinamismo missionário que por
certas formas de atividade”, temos necessidade de nos questionar
incessantemente sobre a qualidade e a verdade de nosso serviço e do ministério
entre os pobres e os mais abandonados do povo de Deus (Const.14)
- Uma contínua conversão de coração, especialmente em relação à questão
dos pobres, será exigida de nós se devemos, de fato, ser “livres e disponíveis”
na opção que tomamos em relação aos grupos entre os quais somos chamados a
trabalhar e em relação aos meios para cumprir esta nossa missão (Const. 15)
- A conversão não é unicamente qualquer coisa de pessoal, mas é algo a
que a comunidade deve visar tendendo a uma "constante renovação do
espírito” [...](ESPIRITUALIDADE REDENTORISTA, Vol 5, p.7).
Além da nova
dinâmica interna e missionária que ganhava forma nos Capítulos Gerais que vai
de 1970 a 1991, uma questão fundamental em relação a evangelização dos pobres
se impôs: “O que se entende afinal por POBRES?”(Ibidem.).
Retomando a trajetória histórico-redentorista-afonsiana, ficou constatado que
não havia “na Congregação, uma tradição uniforme sobre os destinatários de
nossa atividade pastoral. O pobre a quem o Evangelho deve ser pregado vem
entendido diferentemente, segundo as diversas situações” (Ibidem, p.8). Porém
isso não impediu que houvesse um traço característico para o trabalho
apostólico-profético redentorista:
-damos, tradicionalmente, preferência ao povo
simples. Salvo exceções, não cultivamos as classes altas no domínio da ciência,
da fortuna ou da influência.
- Nesta linha situam-se a simplicidade requerida e o
tom popular de nossa pregação: coisas exigidas por Santo Afonso desde as
origens da Congregação e que procuramos conservar sempre. Esta simplicidade vai
do estilo mesmo de pregação até os exercícios de piedade e da religiosidade
popular.
Além disso, existe entre nós a tradição de ir ao
povo e de não esperar que ele venha até nós. E é por isso que rincão algum é
para nós nem muito pequeno nem muito grande. Os critérios que servem para
caracterizar-nos estão contidos numa única fórmula: “as almas mais abandonadas
dos campos” e no sistema de pregação itinerante. Outra coisa que nos distingue
é nossa disponibilidade para aceitar frentes missionárias difíceis.
-Mais recentemente começamos a experimentar, em
certas regiões, um movimento crescente em direção dos sociologicamente pobres e
dos marginalizados.(Ibidem.).
Esta direção
aos sociologicamente pobres e marginalizados se fez concreta na América Latina
e especificadamente no Brasil, onde assumiu a solidariedade com os pobres e o
compromisso nas suas lutas e transformações estruturais determinantes e
contrárias a vida. Por este caminho foi que a Vida Religiosa foi manifestando a
sua fidelidade ao Deus de Jesus Cristo, aquele que estava com os pobres e
excluídos, de onde imana o caráter profético. (CADERNO DA CRB, 1990, p. 59).
O tema da
prioridade pastoral é continuo desde o Capítulo Geral de 1979. Por meio de tais
mediações, reflexões e meditações espirituais se chegou a delinear na
Congregação, de modo cada vez mais claro, a sua missão específica, frente aos
pobres, pela justiça e paz social. No Brasil é visível essas transformações de
ação missionária. Segundo Maciel apresenta sobre o período de 1964 a 1984:
Temos no Brasil, o período da “Igreja como Povo Militante”, quando
leigos católicos, bem formados e esclarecidos, religiosos e a hierarquia
católica somam forças em favor da justiça social e dos direitos humanos.
Durante este período, a Ditadura Militar Brasileira, também perseguiu aos
redentoristas, sobretudo aqueles que estavam ligados a D. Hélder Câmara e D
Aloísio Lorscheider (no Nordeste) e a D. Paulo Evaristo Arns (em São Paulo) (MACIEL, 2016, p.51).
No âmbito
geral, a Congregação conseguiu tem maior clareza em relação a sua missão. Neste
sentido, a COMMUNICANDA Nº4 expressa profeticamente:
No âmago desta missão da Igreja, a Congregação tem
sua missão particular que vem expressa em três aspectos diferentes:
- a evangelização no sentido estrito: a proclamação
explícita, profética e libertadora do Evangelho;
- a preferência dada a situações nas quais existem
urgências pastorais;
- e, a partir desta, uma preferência especial pelos
pobres, os deserdados, os oprimidos.
Estes três aspectos juntos constituem “a razão de ser
da Congregação na Igreja e o distintivo de sua fidelidade à vocação recebida”(Const.5).
(ESPIRITUALIDADE REDENTORISTA, Vol 5, p.9)
Após delinear
as características fundamentais da Congregação, a natureza específica dos
pobres pelos quais a mesma deve evangelizar e ser evangelizada, e alguns
elementos que indicam a missão profética redentorista no Brasil, pode-se então
destacar o Capítulo Geral de 1985, em que se discorreu sobre “o ANÚNCIO EXPLÍCITO, PROFÉTICO e LIBERTADOR
DO EVANGELHO AOS POBRES, [...] segundo o carisma [...] expresso nas
Constituições 1,3,5 e 5 e nos Estatutos Gerais”(Ibidem, p.10).
Porém, no
desenvolvimento do percurso houve outra dificuldade em relação as situações de
pobreza que deveriam ser priorizadas essencialmente. Assim “O Capítulo colocou,
para toda a Congregação, a seguinte pergunta: ‘a quais situações de pobreza e
opressão queremos dar uma atenção particular, a partir do Tema
Principal?”(Ibidem.). Como resposta para tal questionamento veio a indicação do
texto de Puebla. Nele se delineia
especificadamente e com propriedade a que situações merecem apelo
redentor-apostólico-profético:
Um exemplo de atitude que devemos ter nos é dado no
seguinte texto de Puebla;
“Esta situação de extrema pobreza generalizada
adquire, na vida real, feições concretíssimas, nas quais deveríamos reconhecer
as feições sofredoras de Cristo, o Senhor que nos questiona e interpela:
- feições de crianças, golpeadas pela pobreza ainda
antes de nascerem, impedidas que estão de realizar-se por causa das
deficiências mentais e corporais irreparáveis, que as acompanharão por toda a
vida; crianças abandonadas e muitas vezes exploradas de nossas cidades,
resultado da pobreza e da desorganização moral e familiar;
- feições de jovens, desorientados por não
encontrarem seu lugar na sociedade e frustrados, sobretudo nas zonas rurais e
urbanas marginalizadas, por falta de oportunidade de capacitação e de ocupação;
-Feições de indígenas e, com frequência, também de
afroamericanos que, vivendo segregados e em situações desumanas, podem ser
considerados como os mais pobres dentre os pobres;
-feições de camponeses que, como grupo social, vivem
relegados em quase todo o nosso continente, sem terra, em situação de
dependência interna e externa, submetidos a sistemas de comércio que os enganam
e os exploram;
-feições de operários, com frequência mal
remunerados, que têm dificuldades de se organizar e defender os próprios
direitos;
Feições de subempregados e desempregados, despedidos
pelas duras exigências das crises econômicas e, muitas vezes de modelos
desenvolvimentistas que submetem os trabalhadores e suas famílias a frios
cálculos econômicos;
-feições de marginalizados e amontoados das nossas
cidades, sofrendo o duplo impacto das carências dos bens materiais e da
ostentação da riqueza de outros setores sociais;
-feições de anciãos cada dia mais numerosos,
frequentemente postos à margem da sociedade do progresso, que prescinde das
pessoas que não produzem[...](Ibidem, p.11-12)
Para que os
aspectos proféticos da missão redentorista se realizasse na sua concretude
histórica e testemunhal, foi preciso no decorrer da história, uma reavaliação
do seu próprio modo de ser redentorista. Assim as bases relacionais entre os
confrades e a observação sobre os bens instrumentais e humanos de trabalho
apostólico foram revistos e reestruturados para atender as novas exigências dos
tempos modernos. É nessa linha que a
COMMUNICANDA Nº11 expressa o tema fundamental: “A COMUNIDADE APOSTÓLICA REDENTPORISTA, EM SI MESMA PROCLAMAÇÃO
PROFÉTICA E LIBERTADORA DO EVANGELHO”(Ibidem, p.17). Daí nesta se refletiu:
“sobre o nosso viver e trabalhar juntos como comunidade apostólica,
precisamente à luz do tema principal do último Capítulo Geral: evangelizzare
pauperibus et a pauperibus evangelizzari” (Ibidem, p.18):
Tarefa especial dum religioso é ser sinal profético da viabilidade e
validade do Reino dentro da Igreja e entre o povo. Esse testemunho precede
qualquer espécie de pregação explícita. A experiência da copiosa redenção, da
realidade do amor do Pai, deve realizar-se primeiramente no seio da própria
comunidade religiosa. (Ibidem, p.22)
Deste modo
se observou os elementos essências da vida missionária-postólica-profética
redentorista como i) a fraternidade; ii) a vivência dos votos para a missão-profética;
iii) a comunhão entre os membros da Congregação; iv) a igualdade entre os
confrades, irmão de um único Deus; v) o respeito, acolhimento e abertura na
relação entre os confrade, professos e formandos; vi) a exigência da
convivência; vii) a vivência real de uma espiritualidade e vida pobre; viii) a
partilha comum dos bens; xix) o desprendimentos; x) a auteridade; xi) a
abertura das casas apostólicas nas áreas de atuação, presença com os pobre;
xii) e por último: proximidade com o povo.
Por fim,
fazendo um aparto geral do profetismo nos Missionários Redentoristas, entre os
anos 1970 e 1990, com alguns fatos na realidade brasileira, é possível
constatar que tal Congregação missionária não esteve aquém das transformações e
exigências do tempo. Seu caráter profético-
anuncio, denúncia, redenção, testemunho- na sua missão e identidade fundacional
afonsiana possui um valor significativo ainda hoje. As mudanças internas e
externas de formas de viver e anunciar Jesus Cristo deram sua continuidade, ora
com progressos ora com regressos. Porém se pode constatar que o compromisso com
os pobres, abandonos e excluídos, o anúncio da redenção e a compreensão das
situações de urgências de trabalhos apostólicos configuram o caráter da
Congregação atualmente. Sem esses pontos gerais a identidade redentorista perde
a sua força e vitalidade profética. Urge observar os novos traçados da Missão
Redentorista afim de atender e responder corajosamente o Cristo imerso nas
realidades difíceis, dolorosos, variadas e pobres que nos cercam. Pela complexidade do tempo presente o profetismo
precisa ganhar uma revitalização para permanecer no espírito da boa nova de
salvação. As prioridades dos tempos atuais configuram os caminhos para continuar
o Redentor na sua dimensão profética.
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