Não só na
tradição bíblica, mas também nas diversas culturas religiosas, como a grega, a
figura do profeta é presente e característica de peculiaridades variadas. Por
isso, se justifica o fato de se ter, na história de Israel, uma quase
imensurável compreensão sobre tais pessoas, suas funções e o lugar que ocupam no
contexto bíblico. Essas variantes também se constata na concepção terminológica
de “Profeta”. A etimologia do termo profeta, que em hebraico se traduz por nabí, provem originalmente do grego: profetes. Esta nomenclatura se referia àquele(a)
que interpretavam as vozes dos deuses nos oráculos de Delfos (ALDAY, 2009,
p.11-12).
Entretanto,
esse termo na tradição bíblico-hebraica foi utilizado para designar os homens e
mulheres que, na história de salvação, tiveram um papel importante na sociedade
como comunicadores, ou anunciadores da palavra
de Deus ao povo de Israel. Toda via, nos livros sacros, o termo “profeta” é
sinônimo de outros termos equivalentes como “homem
de Deus”, “vidente” e “visionário” (SICRE, 1998, p. 76-84). Daí
se justificar o fato de inúmeros videntes, visionários ou pessoas que possuíam
essa experiência com Deus, Iahweh, receberem pelo povo, ou lideranças políticas
e religiosas da época, o título e a fama de profeta.
É
importante considerar que há uma complexidade para desenvolver um traço comum,
ou uma imagem particular acerca dos profetas, pois eles tanto estão em diversas
situações culturais, políticas e regionais, na tradição bíblica, como assumem
diversas funções e preocupações na camada social. Como sustenta José Luis Sicre
(2000, p.181) sobre os profetas: “Não se trata de pessoas talhadas pelo mesmo
padrão, uniformes em todos os aspectos de sua personalidade, sua atividade ou
mensagem”. Elas variam conforme cada situação. Essas dificuldades provem da
própria dinamicidade da tradição bíblica e dos variados textos proféticos que
se tem.
De modo
geral pode-se apresentar alguns pontos em que os profetas se diferenciam, a
saber, quanto a) ao tempo que se dedicam
à sua atividade profética: Isaias, por exemplo, exerceu sua profecia
aproximadamente quarenta anos, isto é durante o tempo de sua vida, enquanto o
profeta Abdias ocupa extremo oposto; b)
quanto ao modo de entrar em contato com Deus: visões, audições, sonhos e
transe são alguns desses modos; c) no
modo de transmitir a mensagem: pela palavra oral, pela escrita, em diversos
géneros literários, estilos e por símbolos; d)
e pela função que desempenha na sociedade: alguns são como conselheiros ou
funcionários dos reis, outros são solitários (não sozinhos) e outros
reformadores sociais, dentre outros. Estas diferenças inegáveis não anulam a
unidade do movimento profético, mas destroem uma concepção uniforme, limitada e
unilateral sobre o que compreende-se como profeta.
Na tradição
bíblica há uma distinção de duas categorias de profetas de Israel, a saber, os
profetas (verdadeiros) e os falsos profetas. Estes foram duramente criticados
por serem profetas de divindades estrangeiras, como o deus Baal, enquanto que os
profetas que afirmam verdade na sua profecia são porta-voz de Deus Iahweh. Alguns profetas falsos se encontram no tempo de Elias (1Rs18) e são acusados pelo
problemas que acarretaram ao povo e pelas falsas profecias. Os falsos profetas
tranquilizam os maus, para que não mudem suas injustiças, prometem a paz e bem
estar ao povo enquanto o país se precipita em tragédias. Segundo sustenta Sicre:
“os falsos profetas extraviam o povo (Jr23, 13), impedem que se convertam
(Jr23, 14), não fala em nome de Deus (Jr23, 16), não observam seus conselhos
(Jr23, 18), e não conhecem seus planos (Jr23, 17-19)” (SICRE, 1998, p.145).
Apesar de
tais limites é possível descrever poucos traços comuns, que marcam o movimento profético, na sua essência, como a) a inspiração divina: é de comum acordo que todos os profetas
eram vistos como homens de Deus, e que este mesmo Deus, lhe falava, para que
estes fossem seus porta-vozes direcionados ao povo, como no caso de Abração (Ex3,
10). Neste aspecto há uma distinção específica a considerar entre os profetas
do povo de Israel com os de outras culturas e religiões. Na tradição hebraica o
profeta é aquele que fala com Deus, Iahweh, e por meio do mesmo, e não há outro
fora dele (Dt32, 39). Essa ligação intima e determinação divina hebraica se
apresenta no livro Deuteronômio (18, 14-18) em que o próprio Deus, e não outros
deuses, afirma sobre a eleição de um profeta nos seguintes termos:
Iahweh teu Deus suscitará um profeta como eu no meio de ti, dentre os
teus irmãos, e vós o ouvireis. É o que tinha pedido a Iahweh teu Deus no Horeb,
no dia da Assembleia[...]. Vou suscitar para eles um profeta como tu, do meio
dos teus irmãos. Colocarei as minhas palavras em sua boca e ele lhes comunicará
tudo o que eu lhe ordenar.
Segundo
afirma Sicre (1998, p. 77): “ainda que este texto se use posteriormente para
justificar a esperança da vinda de um profeta definitivo, semelhante a Moisés,
originalmente [ele] se referirá a toda as séries dos profetas como
transmissores da Palavra de Deus”. Deus se comunica pessoalmente, a palavra de
Deus é a força e a fraqueza humana pela qual Deus se comunica. “Pensemos
naqueles que são considerados profetas do nosso tempo: Martin Luther King,
Oscar Romero, etc. Estavam convencidos de que comunicavam a vontade de Deus, de
que diziam o que Deus queria em determinado momento histórico” (SICRE, 2000,
p.188).
b) os profetas são pessoas públicas: seu lugar
é as ruas e as praças. Eles não podem se limitar ao local dos estudos sossegados,
ou ao templo. Eles devem estar lá, aonde o povo se reúne, onde a mensagem
profética é mais necessária e mais delicada, porém mais exigente. Eles devem
ter uma consciência profunda das diversas realidades que os cercam, como as
maquinações das lideranças políticas; o descontentamento, limitações e
fragilidade do povo; o luxo esbanjado dos ricos e poderosos; e o descaso de
muitos que assumem poder religioso e clerical. O profeta Isaias e Jeremias são
ideais de tais características proféticas.
c) os profetas são homens ameaçados: são
inúmeras as situações em que eles precisam dizer palavras duras e difíceis de
acolhimento do povo ou dos líderes religiosos e políticos. O anuncio é de conversão e denuncia das diversas situações
de injustiças e opressão, cujo ponto e causa fundamental se caracteriza
pelo distanciamento ou negação da vontade de Deus. Deus os instruem para fazer
tais coisas, como no caso de Jeremias (1, 10): “hoje eu te coloco contra
nações e reinos, para arrancar e para derrubar, devastar e destruir, para construir
e para plantar”. Eles, muitas vezes sofrem o risco de perderem-se numa causa
que não encontra eco nos ouvintes. “Oséias é chamado de ‘louco’, ‘néscio’;
Jeremias é acusado de traidor da pátria. E se chega também à perseguição, ao
cárcere e à morte. Elias deve fugir do rei em muitas ocasiões; Miqueias termina
na prisão; Amós é expulso do Reino do Norte” (Ibidem, p.202). Eles podem ser
perseguidos, não só pelos reis, poderosos e falsos profetas, mas também pelos
sacerdotes e pelo povo. Eles podem ser ameaçados até por Deus: “Não tenhas medo
deles, senão eu é que te farei tremer diante deles” (Jr1,17).
d) a profecia é um carisma que rompe as
barreiras das circunstâncias: Não há um tempo específico, uma pessoa certa,
um ofício determinado e nem uma educação específica para ser profeta e realizar
a profecia. Deus realiza tais coisas de modo surpreendente. Ele chama homens
(Moises, Abraão, Samuel, Ezequiel...) e mulheres (Débora, Hulda) para serem a
‘boca de Deus’. Eles extrapolam as classes sociais, as barreiras religiosas e
políticas, e até a idade determinada para profetizar. Portanto a profecia é um
carisma que emerge de dentro de cada profeta na sua relação com Deus, sem ser
necessária as circunstâncias históricas-políticas-religiosas-sociais do tempo
que determinem a existência de tais profetas.
Segundo
afirma o teólogo David E. Aune (SICRE,2000, p.188), no antigo Israel há “quatro
tipos de profetas, a saber, i) os profetas do xamãs, ii) os profetas cultuais e
do templo, iii) os profetas da corte e iv) os profetas livres”. Os primeiros eram considerados possuidores de
habilidades espirituais como ser vidente, isto é, saber de alguns acontecimentos futuros, como por exemplo: Samuel que afirma a
Saul que este não se preocupasse, pois encontraria sua a jumenta em boa condição (ISm9, 19-22). Tais
profetas também possuem habilidades de cura, como Eliseu que curou Naamã (II
Reis 5, 1-27). O segundo grupo faz parte daqueles que estão ligados ao culto ou
templo de Jerusalém. São os que por meio de Deus, denunciam o descaso com o
templo como causa dos males do povo de Deus, como por exemplo o profeta Ageu (1,
2-4,9b). O terceiro grupo é dos que se relacionam diretamente com o Rei. Eles
indicam os caminhos de gestão governamental e denunciam os descasos ou erros na
governabilidade para o bem estar do povo. São denominados de os conselheiros do
Rei, como o profeta Gad (1 Sm 22, 1-6) que foi profeta no reinado de Davi. O
último grupo é dos profetas que estão distantes do Rei, e mais próximo do
povo. Suas vidas estão em função da Palavra de Deus e da Libertação do povo
como Elias. Ele “é um profeta itinerante, sem vinculação a nenhum santuário,
que aparece e desaparece de modo imprevisível. De certa forma, Elias é um novo Moisés”
(SICRE, 2000, p.217).
Agora é
possível traçar algumas considerações sobre os diversos gêneros literários de
profecias utilizadas na história do povo de Israel. De modo geral, os profetas
utiliza-se de uma linguagem poética.
Trata-se, portanto, de um recurso linguístico fácil tanto para anunciar a boa
nova de Deus como para denunciar as injustiças sociais. No profeta Amós (5,
18-26) pode-se encontrar este aspecto linguístico poético:
Ai daquele que
desejam o dia de Iahweh!
Para que vos
servirá o dia de Iahweh?
Ele será
trevas e não luz.
Como alguém
que foge de um leão e um urso cai sobre ele!
[...]
Eu odeio, eu
desprezo as vossas festas
E não gosto de
vossas reuniões.
Porque, se me
ofereceis holocaustos...,
Não me agradam
as vossas oferendas
[...]
Que o direito
corra como água
E a justiça
como um rio caudaloso!
Por acaso
oferecestes-me sacrifícios e oferendas no deserto,
Durante
quarenta anos, ó casa de Israel?
Suportareis
Sacut, vosso rei,
e a estrela de
vosso deus, Caivã,
imagem que
fabricastes para vós.
Para se
compreender as palavras proféticas de Amós, basicamente, é preciso observar o
contexto pelo qual foi escrita e a figura de linguagem utilizada. Para a época
tais palavras eram bem compreendidas e expressavam a denúncia contra o povo de
Deus que prestava culto a outros deuses (“imagem que fabricastes para vós”),
por isso Amós afirma que eles não verão a luz no “dia de Iahweh”!, mas “será trevas e não luz”, porque eles ofereceram
“holocaustos” a Deus, mas não praticaram o direito e a justiça. Daí se impor,
por Deus, a exigência anunciada pela profeta: “Que o direito corra como água e
a justiça como um rio caudaloso”, para Israel retomar o caminho reto e bom. A
figura de linguagem é utilizada para dar destaque ao mau caminho percorrido
pelo povo de Deus, o caminho de injustiça que é “Como alguém que foge de um
leão e um urso cai sobre ele”, isto é, Israel pensa e age em função do egoísmo,
mas, seguindo tal caminho de injustiça acabarão caindo nas consequências de
seus próprios erros.
De modo geral,
se pensa que os profetas comunicam sua mensagem por meio de discurso ou sermão, porém, há outros
gêneros literários utilizados na sua profecia, a saber, a) gêneros derivados da
sabedoria tribal e familiar, como a exortação, a interrogação, a parábola e
a alegoria, dentre outros ; b) gêneros
derivado do culto, como os hinos, as orações, as instruções e os oráculos
de salvação; c) gêneros do ambiente
judicial, isto é, discurso acusatório, formulas casuísticas e o
requisitório profético; d) e gêneros
estritamente proféticos, que é o oráculo de denúncia-condenação dirigida a
um grupo ou povo, e outro oráculo a específica pessoa, como um rei. A denúncia
implica a acusação de faltas ou crimes praticados contrários a vontade de Deus e para o mal do povo,
no final se insere um pecado concreto particular. A condenação envolve o
anúncio do castigo com uma intervenção de Deus e as consequências de tais
erros.
Considera-se,
por conseguinte, o itinerário de alguns profetas de Israel, tendo como base a história do movimento profético,
subdividida em três momento, isto é, a)
desde as origens até Amós, b) de Amós até o exílio, c) e deste até o final. Acrescentada a
figura de Jesus. Em cada tempo histórico destaca-se alguns profetas que
teve significativa importância na história de Israel.
No primeiro
momento histórico uma das personagens de destaque, na tradição bíblica é Moisés
Ele é considerado como um profeta intermediário entre Deus e o povo, aquele que
transmite a palavra do Senhor e se converte em modelo de todo autentico
profeta. O texto mais antigo em que Moisés aparece como profeta é o de Oseias
(12, 14): “Por meio de um profeta, o Senhor tirou Israel do Egito e por meio de
um profeta, o guardou”. Sua função específica é a libertação do povo e sua condução pelo deserto conforme a vontade
de Deus e seu anuncio (Ex3,7-11). Segundo apresenta o Deuteronômio (34,10-12)
sobre Moisés:
[...]os israelitas lhe obedeceram, agindo conforme Iahweh tinha
ordenado a Moisés. E em Israel nunca mais surgiu um profeta como Moisés- aquém
Iahweh conhecia face a face- seja por todos os sinais e prodígios que Iahweh o
mandou realizar na terra do Egito, contra Faraó, contra todos os seus
servidores e toda a sua terra, seja pela mão forte e por todos os feitos
grandiosos e terríveis que Moisés realizou aos olhos de todo Israel!
Entrando na época dos Juízes outro profeta é de
significativo destaque: Samuel. Ele é um herói de guerra contra os Filisteus,
um juiz de Israel e vidente. Está ligado ao culto do templo e possui função
sacerdotal. Todavia seu destaque como profeta é a transmissão da palavra de
Deus, que se inicia desde sua vocação (1Sm3, 3-10) quando foi chamado por três
vezes. Sua missão difícil é anunciar o castigo da família de Eli (ISm3, 11-21),
ungir o rei Saul e Davi. Sua denúncia
profética se realiza contra o rei Saul, por motivos da batalha de Macmas
(ISm13, 8-15) e na guerra contra os amalecitas (ISm15, 10-23). Ele é de uma
ação religiosa e política significativa.
Por
conseguinte, da origem da monarquia até
Amós, se situa Elias, um profeta livre, que ora está em solidão, com Deus, e
ora denuncia e desafia o rei. Elias é considerado como o novo Moisés pelo seu
itinerário profético: fuga para o deserto, refúgio em país estrangeiro, sinais
e prodígios grandiosos e viagem ao Sinai onde Deus se manifesta para ele, na
brisa suave (IRs19, 9-15). Todos esses
profetas da origem até Amós são profetas que possuem uma ação forte de denuncia
das estruturas opressoras do povo de Israel. Porém, nesse período a ação
profética se limita a reformas
estruturais.
De Amós até
o exílio pode-se destaca um novo modo de profetizar centrado na ruptura total das estruturas-opressivas
e do distanciamento do povo de Iahweh. No Século VIII aC. a evolução econômica do podo de Israel se dava as custas dos mais pobres. Os problemas sociais se agravam tanto no
Reino do Norte de Israel como no Reino do Sul. O abismo entre ricos e pobres
crescia sem cessar e Amós viu o povo dividido em duas categorias, os que oprimem e os oprimidos (Am3,
9-12). Amós se considerava um ‘vaqueiro’ e cultivador de ‘sicômoros’. Era
informado sobre os acontecimentos dos países vizinhos e conhecia a problemática
social, política e religiosa de Israel, na sua profundidade e essência. Homem
de impetuoso sermão, ele é enviado por Deus para profetizar em Israel, tanto
anunciando o castigo dos líderes e povo que se afastava de Deus, como indicando
as causas de tais erros, ou pecados, cometidos. Ele é considerado como o
profeta da justiça social (ALDAY, 2009, p.25). De modo sintético Amos denuncia
quatro tipos de pecados cometidos na época: o
luxo, a injustiça, o falso culto a Deus e a falsa segurança religiosa. Sua
persistente postura profética é a denúncia do luxo da classe alta, classe esta
que vivia em seus magníficos e extravagantes palácios, com casas suntuosas
cheias de objetos valiosos, vivendo todos os dias de festa e com toda
comodidade (Am6, 4-6). Todas essas regalias era as custas da exploração e
opressão dos pobres e miseráveis, a maior camada populacional. Amós chega a atacar profeticamente o rei Jeroboão e
anunciar o desterro do povo, que o expulsa de Israel (Am7, 10-13).
Neste
recorte histórico determinado se destaca a figura de Isaias. É salutar observar
que este profeta é um dos mais significativos da história pela sua prolongada
atividade profética e por ser o que mais sinalizou para a vinda de Jesus Cristo,
como messias(ALDAY, 2009, p.35). Ora, o seu tempo, que abrange a segunda metade
do século VIII, é alternado por períodos de tranquilidade e turbulência. Pelo
extenso tempo de sua profecia, dentre outros fatores históricos, se considera
que houve três Isaias. Deste modo geralmente se classifica o grande Isaias, o Dêutero-Isaias e o Trito-Isaias. O primeiro se
situa no tempo que vai de Amós até o exílio, enquanto que os dois últimos se
situam no período posterior. Neste sentido só será destacado o primeiro Isaias.
Sua profecia é dinâmica entre dois polos quase em equilíbrio: salvação e
condenação. Aproximadamente aos vinte anos inicia sua atividade profética. É um
homem decidido sem falsa modéstia que voluntariamente se oferece a Deus, para
fazer a sua vontade, e assumir a sua vocação (Ibidem). Determinação e
enfrentamento político-religioso social é uma característica peculiar sua. O
que mais o preocupou foi a situação sócio-religiosa de Israel.
O grande
Isaias se situa no reinado de Joatão, em um período de prosperidade econômica e
independência política, que é ameaçada nos últimos anos de tal reinado. A
análise profética é bem clara: “Constata numerosas injustiças, as
arbitrariedades dos juízes, a corrupção das autoridades, a cobiça dos
latifundiários, a opressão dos governantes. Tudo isso é mascarado por uma falsa
piedade e abundantes práticas religiosas (Is 1, 10-20)” (SICRE.2000, 230). Numa analogia com a vida matrimonial, Isaias
denuncia que Jerusalém se deixou de ser uma boa esposa, fiel, de Deus, e se
tornou prostituta (Is1,21-26), que produzirá, na sua vida, amarguras, como a
vinha malcuidada de Deus (Is5, 1-7). No final do reinado de Joatão, a cidade de
Damasco e Samaria se volta contra Jerusalém. A partir de então se instaura a
guerra siro-efraimita, no reinado de Acaz. O povo de Israel quer pedir socorro
aos assírios. Isaias se opõe ao pedido de socorro.
Sua crítica
está no povo desconfiar de Deus e submeter-se a outros povos, como os egípcios
e assírios. Sua postura profética política está fundamentada na fé, pois Deus
que se comprometeu com seu povo será quem decidirá a ruína de Damasco e Samaria,
que havia se voltado contra o povo de Israel. Após várias tensões entre o povo
assírio e o povo egípcio com a cidade de Jerusalém, esta várias vezes é invadida e se
submete aos outros povos estrangeiros, e ao culto a deuses estranhos. Isaias denuncia tais pecados, apresenta
o castigo do povo errôneo e por último, anuncia a salvação de Jerusalém (Is31,
5-6; 30, 27-33; 37, 21-29). Surge então a promessa de salvação que só se
realizará com uma resposta concreta de fé, comprometida, vigilante, calma e
serena.
O último
período, do exílio até o final do mesmo, destaca-se por dois profetas, a saber,
Ezequiel e Zacarias. Com a queda de Jerusalém, culminando no exílio à Babilónia,
a história do povo de Deus atinge um novo percurso. Na Babilónia, as ameaças e
revoltas internas, no poderio de Nabucodonosor, fomenta nos deportados a
esperança de que Deus não mais castigaria seu povo, e que eles, com seu rei
Joaquim, seriam libertados e voltariam para a Palestina. É nesse contexto que
surge o profeta Ezequiel, para destruir
as falsas esperanças do povo.
No capitulo
quarto e quinto, de seu livro, Ezequiel anuncia a catástrofe de Jerusalém diante do otimismo e da esperança dos exilados,
as razões de tal castigo são a rebeldia
contra as leis e mandamentos do Senhor (Ez 5, 6), a idolatria (Ez5, 9),
insolência e maldade (Ez7,10-11). É na releitura da história de Israel que
Ezequiel ver um povo marcado pelo pecado. Um povo que se esqueceu de Deus e
cedeu lugar para a prostituição do poderio egípcio, assírio e babilónico, isto
é, um povo, da tribo de judá e Israel, que fez aliança e acordos
político-religiosos com essas grandes potências governamentais da época.
Nesse tempo
Nabucodonosor-rei da Babilónia- tinha nomeado Sedecias para assumir o governo de Jerusalém e
explorar tal povo com pesados impostos. Durante nove anos a capital Jerusalém
estava em relativa calma, quando Sedecias se rebela contra Nabucodonosor. Fome,
incêndio do templo, saques e destruição assolam a capital, e Sedecias se rende ao
imperador. Deste modo se realiza a profecia de Ezequiel, de que Jerusalém seria
destruída. Uma vez acontecida a queda de Jerusalém, tal profeta se abre para
uma nova profecia. Ele denuncia os responsáveis da catástrofe elencando cinco
grupos (Ez 22, 23-31): príncipes, sacerdotes, nobres, profetas falsos e
proprietários de terra que acumulavam crimes em Jesuralém. Os Reis e os que
estão em patamar mais elevado de poderio também são responsáveis por tal mal. A
partir de então se abre caminho para uma nova visão, ou profecia (Ez34, 11-16):
Com efeito, assim diz o Senhor Iahweh: Certamente eu mesmo cuidarei do
meu rebanho e dele me ocuparei. Como o pastor cuida do seu rebanho, quando está
no meio das ovelhas dispersas assim cuidarei das minhas ovelhas e as recolherei
de todo os lugares por onde se dispensaram em dias de nuvem e escuridão.
Tal profecia denota um novo caminho a ser
trilhado por Deus para salvar o seu povo. A profecia é de consolo (Ez36, 1-15).
E a conversão se fincará nas suas raízes mais profundas: “Borrifarei água sobre
vós e ficareis puro; sim, purificar-vos-ei de todas as vossas imundícies e de
todos os vossos ídolos imundos. Dar-vos-ei coração novo, porei no vosso íntimo espírito
novo, tirarei do vosso peito o coração de pedra e vos darei coração de carne” (Ez36,
25-26). Deste modo há uma promessa de nova aliança, que unificará as duas
tribos e uma eterna permanecia com seu povo (Ez37, 26-27). A partir de então as
profecias terão mais fortemente um aspecto de consolo e salvação.
O
Dêutero-Isaías se integra nessa nova profecia (Is40-55). Esta passagem referida
será de consolo. Assim na boca do Dêutero- Isaías, Deus fala nas primeiras
palavras no quadragésimo capítulo (Is40, 1): “Consolai, consolai meu povo, diz vosso Deus”.
Toda via, finalmente, é conveniente se deter rapidamente na profecia de
Zacarias. Ele fala da reconstrução do templo de Jerusalém, mas denuncia os
pecados do povo e os exorta a conversão (Zc1, 1-6). É significativa suas sete
visões, que descrevem, de modo simbólico sua profecia: 1) do castigo das nações
e a benção de Jerusalém (Zc1, 8-16), 2) os castigos dos pagãos (Zc2, 1-4), 3) a
glória de Jerusalém (Zc2, 5-9), 4) a exaltação de Zorobabel e Josué (Zc4,
1-10), 5) os castigos dos malvados (Zc5, 1-4), 6) a maldade que habita na
Babilónia (5, 5-11) e 7) o castigo do norte (Zc6, 1-8). Os aspectos mais
relevantes de sua profecia é a ordem escatológica que precede a vinda de Deus.
Tudo é orientado para a realização da ação benigna de Deus: “Deus se volta benigno
para seu povo, castiga seus adversários, enche de glória Jerusalém, elimina os
malfeitores e dá ao povo governantes dignos de nova situação. Após o século V
a.C o profetismo vai perdendo sua força. A canonização da lei, o empobrecimento
da temática profética, as inúmeras religiões que acolheram para si o atributo
profético, dentre outros fatores, contribuem para que o profetismo perca sua
força vital anterior. Apesar disso, na camada social de Israel havia a
expectativa da vinda de um grande profeta como Moisés e Elias.É interessante que tais profetas se apresentam na transfiguração de Jesus.
Por último
vale ressaltar um aspecto de suma importância para o profetismo no segundo
testamento. Trata-se portanto da figura de Jesus Cristo, o nazareno. Afirmar
que essa personalidade é um profeta seria limitar a grandiosidade de seu
anúncio, pois ele mesmo se denominou Filho de Deus (Mt26, 62-66/ Lc22, 68-71) e
esta foi sua maior acusação (Jo19, 7). Porém, na missão de Jesus de anuncia
Deus Pai e redimir a humanidade, pela sua entrega na cruz, encontra-se, também,
alguns aspectos significativos que fazer parte de sua ação profética, enquanto ungido enviado por Deus para salvar a
humanidade.
De antemão
pode-se destacar que muitos dos profetas do antigo testamento, se não todos, prefiguram
a sua presença e ação redentora. É possível encontrar diversos elementos
característicos dos profetas que são plenamente realizados em Jesus Cristo. Daí
o fato de Jesus receber pelo povo da época, como acontece na tradição de
Israel, o título de profeta: “no caminho perguntou, perguntou aos seus
discípulos: ‘Quem dizem os homens que eu sou? Eles responderam: ‘João Batista’,
outros, Elias; outros ainda, um dos profetas” (Mc8, 27-28).
Assim
se pode considerar: os profetas eram pessoas inspiradas por Deus, Jesus era
Filho de Deus que testemunhou com sua própria vida a palavra de Deus, isto é,
Jesus mesmo era a Palavra encarnada (Jo1,14). Os profetas eram pessoas públicas,
conhecidas pelo povo; Jesus começa sua vida pública, aos trinta anos, a partir
do batismo (Mt3, 13s) e apresenta a realização do cumprimento do movimento profético em sua
pessoa (Lc4, 16-21 ). Os profetas eram ameaçados; Jesus foi ameaçado pelos
fariseus e por Herodes (Lc13, 31). A profecia rompe as barreiras do tempo e das
circunstâncias; a pregação de Jesus rompeu as barreiras das sinagogas e chegou
aos excluídos da sociedade (Mt4, 23-24). Os quatro tipos de profetas -os profetas do xamãs, os profetas cultuais e
do templo, os profetas da corte e os profetas livres- tinham suas peculiaridades de ação e
preocupação religiosa política. A ação profética de Jesus se apresenta com elementos dessas quatro características, isto é, ora cura os doentes (Mt9, 1-8), prega nas
sinagogas (Lc4, 16-17), é sinal de profecia e merece ser morto por não se
submeter aos poderosos da época (Jo11, 45-54), e privilegia como os mais
necessitados do amor e da justiça de Deus aos pobres (Mt5,1-12; Lc6, 20-23;
Mt9, 10-13). Jesus anuncia o Reino do Pai e denuncia as injustiças por meio de parábolas, estilo profético (Mt13, 1-3). Na transfiguração Jesus se apresenta em comunhão com os profetas
do primeiro testamento (Lc 9:28-36). Por fim, a dimensão profética de Jesus
Cristo o leva a morte de cruz (Jo19,25-33). Esses são alguns aspectos que
configuram a dimensão profética de Jesus. Portanto, é visível na sua pessoa humana
e divina o cumprimento de toda a tradição profética que culmina na ressurreição
(Mc16-6) e na abertura de caminho para vida eterna (Jo11, 25).
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