A ÉTICA DA
RESPONSABILIDADE EM HANS JONAS: CRÍTICA À MODERNIDADE E NOVOS CAMINHOS DE
ATUAÇÃO.
COMUNICAÇÃO APRESENTADA NO X COLÓQUIO VAZIANO CUJO TEMA É "ÉTICA, POLÍTICA E DIREITO: URGÊNCIA E LIMITES" (19/5/2017). Texto completo publicado em http://faje.edu.br/periodicos/index.php/annales/article/view/3828/3880.
Isaias mendes Barbosa[1]
RESUMO: A presente pesquisa apresenta a invenção de uma nova ética
pautada no princípio da responsabilidade, humana e extra-humana, para a civilização
moderna na segunda metade do século XX. Tal proposta do filósofo alemão Hans
Jonas (1903-1993) é marca ressonante para uma reflexão na contemporaneidade. A
proposta ética jonasiana trata de uma reflexão crítica sobre os riscos e
problemas do paradigma progressivo-tecnicista moderno, dos seus efeitos para
uma vulnerabilidade humana e para o sistema natural planetário. Ela também se
configura como uma ética de cunho reflexivo-social-tecnológico, fundamentada no
imperativo da conservação da vida humana, distinta daquela presente na tradição.
Partindo de uma abordagem metodológica reflexivo-analítica da obra O princípio responsabilidade: ensaio de uma
ética para civilização tecnológica (1979), adjunto a outras obras e artigos
complementares, a presente comunicação destaca os seguintes pontos: i) as
características e limites da ética tradicional, irrelevante para a abordagem
moderna, ii) alguns problemas e riscos, de ordem ética, na Modernidade científico-tecnológica,
iii) a reformulação do imperativo categórico kantiano pelo imperativo jonasiano
e vi) a proposta de uma ética baseada no
princípio da responsabilidade para a civilização científico-tecnológica. Tal
proposta também se situa numa reflexão crítica sobre as duas linhas estruturais
paradigmáticas modernas, a saber, capitalista e marxista. A reflexão ética critica
a objetivação antropológica e anulação do sujeito, assim como a degradação
voraz ambiental, promovida pelo eixo excessivo e explorador do progresso
cientificista-tecnológico-moderno. Como resolução de tal problemática ela intenta
considerar a vulnerabilidade, a heurística do medo e a preservação da imagem e semelhança como os elementos
compostos de uma ética da responsabilidade. Tais orientações, que tentam prover
a existência humana e extra-humana, se fazem num percurso ontológico, antropológico
e ecológico como espaço de responsabilidade solidária-social para poder se evitar
o risco eminente e futuro da degradação vital humana e extra-humana. Não se
trata somente da perda física humana, mas também da integridade de sua essência
e continua humanização. Tal postura imperativa da responsabilidade considera o
compromisso com a existência e o futuro da humanidade como elementos fundamentais
para o agir humano. Nisto se fundamenta alguns elementos da ética da
responsabilidade jonasiana que ultrapassa o presente imediato para o prover responsável
e dignificante da vida e sua conservação continua gerativa.
PALAVRAS-CHAVE: Ética tradicional; Paradigma da Modernidade; Ética da
responsabilidade.
INTRODUÇÃO
Pensar a tradição clássica ética como
resposta para os problemas da Modernidade do século XX se torna uma empresa impossível,
uma vez que seu construtivo ético está condicionado pelo tempo
histórico-cultural-social em que surgiu. E tal caminho do decidir e fazer
humano clássico construtivo até certo ponto não corresponde com as exigências
da referida época tecnicista. Se tal Modernidade é marcada por um
desenvolvimento progressivo intensivo, produtivo biológico-humano e
econômico-político, as suas forças motriz impulsionadora geraram riscos para a
vida humana e extra-humana. É partindo dessas considerações contextuais
críticas que o filósofo alemão Hans Jonas (1903-1993) delineia a proposta de
uma nova ética baseada no princípio da responsabilidade. Se a utopia é o
caminho do capitalismo selvagem explorador e espoliador, assim como configura
parte do marxismo com a emergência ideal do proletariados, a postura jonasiana,
por outro lado, é uma crítica a tais utopias e ao mesmo tempo uma proposta
prudente-planejada-responsável para a subsistência humana e planetária. É
nessas pontuações reflexivas que a presente comunicação destaca quatro
pontuações de uma proposta ética jonasiana. A partir da obra O princípio responsabilidade: ensaio de uma
ética para civilização tecnológica (1979)[2],
adjunto a outras obras e artigos complementares, a presente comunicação destaca
o itinerário de uma ética da responsabilidade para a civilização tecnicista moderna
do findar do século XX. O primeiro ponto apresenta uma compreensão jonasiana
sobre a tradição ética até a Modernidade. O segundo ponto sinaliza para a
problemática do progresso tecnológico moderno, enquanto que, no terceiro ponto,
se expõe a necessidade da reformulação do imperativo kantiano em vista de uma
nova ética. Por fim, o quanto ponto é uma explanação dos elementos
característicos da ética da responsabilidade. Daí é possível considerar, na
conclusão, a relevância de tal ética na pós-modernidade em que a subjetividade
e o compromisso político social e a ecologia carecem de uma integração ética em
vista a preservação e plenificação da existência humana e extra – humana.
1
AS CARACTERÍSTICAS E LIMITES DA ÉTICA TRADICIONAL
Na obra O
princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para civilização tecnológica Hans
Jonas sustenta o estatuto de uma nova ética da responsabilidade para a
civilização moderna no final do século XX. Porém tal postulado ético não faz
jus ao pensador sem uma reflexão crítica dos pressupostos metafísicos da ética
tradicional[3]. Pois esta, nas suas
característica essenciais, apresentam limites para ser validada na praticidade
moderna. É na observância da ética tradicional até então, que Jonas destaca os
seus três pressupostos, inter-relacionais, fundamentais:
(1) A condição humana, conferida pela
natureza do homem e pela natureza das coisas, encontram-se fixada uma vez por
todas em seus traços fundamentais; (2) com base nesses fundamentos, pode-se
determinar sem dificuldade e de forma clara aquilo que é bom para o homem; (3)
o alcance da ação humana e, portanto, da responsabilidade humana é definida de
forma rigorosa. (JONAS, 2006, p.29)
Tais pressupostos, a
saber, da condição humana e da natureza fixada em seus traços fundamentais, da
condição de determinação do bom antropológico e da extensão da praticidade
humana definida de forma rigorosa, não correspondem à Modernidade marcada pela
transformação das faculdades humanas e pela modificação da natureza. Se na Modernidade
a natureza humana sofreu modificação, do mesmo modo se “impõe uma modificação
na ética” (JONAS, 2006, p.29).
Segundo a Filósofa Jakeline
Rodrigues, na sua monografia Ética e
responsabilidade planetário em Hans Jonas sustenta sobre o percurso da civilização
antiga numa interação com a natureza: a relação homem-natureza se dava numa intervenção
que não modificava o equilíbrio da natureza (2014, p. 3). O homem era uma
extensão da natureza e se humanizava nessa relação. Era no pressuposto de uma
natureza fixa que o homem construía seu ethos,
definido pela consciência de bem-mal numa estrutura repetitiva comportamental,
isto é, no costume. Assim se construía o universo humano e se delineava seus
princípios fundamentais civilizatórios. A relação do agir humano com a natureza
era permeada de uma concórdia e permanecia inalterada essencialmente:
Todas as liberdades que
ele se permite com os habitantes da terra, do mar e do ar deixam inalterada a
natureza abrangente desses domínios e não prejudicam a sua força geradora.
[...] Ainda que ele atormente anos após ano a terra com o arado, ela é perene e
incansável; ele pode e deve fiar-se na paciência perseverante da terra e deve
ajustar-se ao seu ciclo. Igualmente perene é o mar. Nenhum saque das suas
criaturas vivas pode esgotar-lhe a fertilidade, os navios que o cruzam não o
danificam, e o lançamento de rejeitos não é capaz de contaminar suas
profundezas. (JONAS, 2006, p. 32)
Esse
era o limite da ética tradicional humana em que o sujeito se servia da natureza
conforme suas necessidades fundamentais de humanização. Assim se criava o espaço
humano equilibrado com o meio, a cidade
dos homens em interação com a realidade natural. Porém, se nessa relação o
homem construía-se a si mesmo, e sua praticidade acabava por se impor,
construir seu espaço sobre a natureza, esta, por sua vez, “não era objeto da
responsabilidade humana – ela cuidava de si mesma e, com a persuasão e a
insistência necessárias, também tomava conta do homem” (JONAS, 2006, p.34). Deste modo é que a ética se
restringia ao aspecto “intra-humano”, pois a natureza de nada usufruía de tal
arte e engenhosidade do caráter humano. Mas pelo contrário, o homem é que se
civilizava de acordo com o caminho próprio que a natureza se auto gestava.
Por
conseguinte Jonas destaca algumas características que percorreram a ética até a
sua contemporaneidade. Primeiramente “todo o trato com o mundo exta –humano,
isto é, todo o domínio da techne
(habilidade) era – à exceção da medicina – eticamente neutro” (JONAS, 2006, p.35).
Em acréscimo, mais quatro pontos podem ser sintetizados:
2. A significação ética
dizia respeito ao relacionamento direto de homem com homem, inclusive de cada
homem consigo mesmo; [...] 3.Para efeito da ação nessa esfera, a entidade
“homem” e sua condição fundamental era considerada como constante à sua
essência[...]. 4. O bem e o mal, com o qual o agir tinha que se preocupar,
evidenciavam-se na própria práxis ou em seu alcance imediato, e não requeria um
planejamento a longo prazo. [...] 5. Todos os mandamentos e máxima da ética
tradicional, fossem quais fossem a sua diferença de conteúdo, demonstram esse
confinamento ao círculo imediato da ação. (JONAS, 2006, p.35-36)
Portanto, apesar da ética tradicional ter
criado o universo do ethos humano,
social e civil, ela não transcendeu o aspecto antropológico, não considerou o
aspecto mutável da natureza humana e extra - humana e muito menos superou as
categorias do espaço e tempo imediato. As categorias éticas, e sua
fundamentação antropológica, como por exemplo o conceito de bem humano, eram baseados
“em determinada constante da natureza e da situação humana como tal” (JONAS,
2006, p.37). Porém tal ética se delimitou ao presente e aos atos estritamente
contextuais imediatos, portanto sem orientação científico-teórica.
2
ALGUNS PROBLEMAS E RISCOS, DE ORDEM ÉTICA, NA MODERNIDADE
CIENTÍFICO-TECNOLÓGICA.
Ao passo que a ética da tradição possui
limites para as questões pertinentes a Modernidade do século XX, Jonas destaca
alguns problemas e riscos de tal período tecnocrático, de ordem ética, que
impõe a necessidade de uma nova ética[4].
Segundo ele, “a promessa tecnológica moderna se converteu em ameaça, [...] de
forma insolúvel” (JONAS, 2006, p.21). Isso porque se ante a relação humana na
natureza era de caráter humanitário em vista de uma antropologia sem alteração
essencial da natureza, na Modernidade o agir humano assume uma postura
transgressora e transformadora da natureza e do próprio homem. “Tudo se
modificou decisivamente. A técnica moderna introduziu ações de uma tal ordem
inédita de grandeza, com tais novos objetos e consequências que o mundo da
ética antiga não consegue mais enquadrá-la” (JONAS, 2006, p.30).
Tome-se, por exemplo
como primeira grande alteração ao quadro herdado, a crítica vulnerabilidade da
natureza provocada pela intervenção técnica do homem – uma vulnerabilidade que
jamais fora pressentida antes de que ela se desse a conhecer pelos danos já
produzidos. (JONAS, 2006, p. 39)
Se a
intervenção técnica trousse grandes danos ao sistema extra – humano, isto é, ao
que chamados de sistema planetário[5],
isso alterou a própria compreensão da natureza humana, pois modificou a representação
que o sujeito tinha sobre si e a relação que ele tinha sobre o mundo. Uma
relação não mais pautada sob os cuidados de uma natureza imutável, mas na
dramática vulnerabilidade da mesma. Diante de tal compreensão emerge uma nova
relação onde desaparece “as delimitações de proximidade e simultaneidade,
rompidas pelo crescimento espacial e o prolongamento temporal das sequências de
causa e efeito, postas em movimento pela práxis técnica” (JONAS, 2006, p.40).
Os efeitos da técnica na natureza e na sociedade humana assumem o caráter acumulativo:
“[...] seus efeitos vão se somando, de modo que a situação para um agir e um
existir posterior não será mais a mesma da situação vivida pelo primeiro ator,
mas sim crescentemente distinta e cada vez mais um resultado daquilo que já foi
feito” (JONAS, loc. cit.).
A
Modernidade técnica superou os limites da antiguidade, porém ela deu primazia
ao homo faber sobre o homo sapiens (NODARI, 2014, p.5). O
predomínio da techne fez o homem
pensar em um progresso contínuo. Todavia a dinâmica do poder sobre os meios de
dominação relegou ao último plano o caráter fundamental ético: o seu Ser. Deste
modo o homem moderno perdeu o seu caráter ontológico para se tornar produto da
sua produção. Nessa ótica Jonas sustenta que e homem atual se tornou “[...] cada
vez mais o produto daquilo que ele produziu e o feitor daquilo que ele pode
fazer; [...]. Mas que é ‘ele’? Nem vocês nem eu; importa aqui o ator coletivo e
o ato coletivo, não o ator individual e o ato individual” (JONAS, 2006, p.44). Por
fim, a techne atingiu e dominou não
apenas o espaço extra – humano, mas o intra – humano:
[...] o próprio homem passou a figurar
entre os objetos da técnica. O homo faber
aplica sua arte sobre si mesmo e se habilita a refabricar inventivamente o
inventor e confeccionador de todo o resto. Essa culminação de seus poderes, que
pode bem significar a subjugação do homem, esse mais recente emprego da arte
sobre a natureza desafia o último esforço do pensamento ético, que antes nunca
precisou visualizar alternativas de escolha para o que se considerava serem as
características definitivas da constituição humana. (JONAS, 2006, p. 57)
3
A REFORMULAÇÃO DO IMPERATIVO CATEGÓRICO KANTIANO PELO
IMPERATIVO JONASIANO
A ética antiga até então partiu de princípios
normativos de conduta de ordem racional e lógica. Do período da ilustração até
a Modernidade do século XX a ética assumiu o imperativo metafísico kantiano da
racionalidade que se auto fundamentava como vontade feliz do indivíduo humano. Tal
ética se sustentou no imperativo categórico que transitava, em ordem não
contraditória, da subjetividade humana para lei normativa social:
O imperativo categórico
de Kant dizia: “Aja de modo que tu também possas querer que tua máxima se torne
lei geral.” Aqui, o “que tu possas” invocar é aquele da razão e de sua
concordância consigo mesma: a partir da suposição da existência de uma
sociedade de atores humanos (seres racionais em ação), a ação deve existir de
modo que possa ser concebida, sem contradição, como exercício da comunidade. (JONAS,
2006, p.47)
Porém, a ética normativa kantiana não
considerou o princípio da racionalidade em relação com as condições necessárias
da existência e felicidade. Porque Kant não expressou nem um juízo sobre possibilidade
da existência ou da não existência da humanidade, da felicidade ou da
infelicidade da mesma. Pois como Jonas destaca: “não existe nenhuma contradição
em si na ideia de que a humanidade cesse de existir, e [...]na ideia de que a
felicidade das gerações presentes [...] possa ser paga com a infelicidade ou
mesmo com a não-existência de gerações pósteras [...]” (JONAS, 2006, p.47).
Diante de alguns problemas da Modernidade tecnicista e exploratória do século
XX, Jonas nos apresenta um novo imperativo para nova ética da responsabilidade:
Um imperativo adequado
ao novo tipo de agir humano e voltado para o novo tipo de sujeito atuante
deveria ser mais ou menos assim: “Ajas de modo a que os efeitos da tua ação
seja compatível com a permanência de uma autentica vida humana sobre a Terra;
ou, expresso negativamente: “Aja de modo a que os efeitos da tua ação não seja
destrutivos para a possibilidade futura de uma tal vida”; (JONAS, 2006,
p.47-48).
O antigo
imperativo partia de pressupostos subjetivos para uma lei moral com base numa
teoria social do todo imaginário. “O imperativo de Kant era voltado para o
indivíduo, e seu critério era momentâneo” (JONAS, 2006, p.48). Porém, ele não
alcançava o previsível futuro concreto e nem ampliava-se para uma questão
extra-humana (SILVA, 2014, p.6-7). “Mas o novo imperativo diz que podemos
arriscar a nossa própria vida, mas não a da humanidade” (JONAS, 2006, p.48). Esse
imperativo exige uma coerência da ação humana com os seus efeitos finais para a
própria continuidade da humanidade.
4
A PROPOSTA DE UMA ÉTICA BASEADA NO PRINCÍPIO DA
RESPONSABILIDADE PARA A CIVILIZAÇÃO CIENTÍFICO-TECNOLÓGICA
Se a Modernidade técno-científica impulsionou
novos paradigmas sobre a concepção antropológica humana e ecológica planetária,
a inspiração de tais mudanças e problemas tem seu ponto de partida na ação
progressista “excessiva da civilização técnico-industrial, baseada nas ciências
naturais” (JONAS, 2006, p.235). O capitalismo seguiu o ideal baconiano na sua
dinâmica executiva técnica-produtiva. Porém o programa baconiano de “colocar o
saber a serviço da dominação da natureza e utilizá-la para melhorar a sorte da
humanidade” (JONAS, loc. cit.), se
tornou, no capitalismo moderno, um sistema irracional, antiético e
exploratório. Gerador de uma produção excessiva e consumo exacerbado que
subjugou a sociedade. Se a proposta de êxito progressivo e excessivo foi o erro
da Modernidade tecnológica, a proposta jonasiana importa colocar um freio em
tal fim trágico humano-planetário. “O apelo a fins ‘modestos’, [...] deve se
tornar um primeiro imperativo” (JONAS, 2006, p.308). Daí se destacar a
necessidade de renunciar “o fim excessivo par
excellence, tanto porque seus esforços conduzem à catástrofe quanto porque [...]
não pode perdurar por um período de tempo que valha a pena” (JONAS, loc. cit.). O compulsivo desenvolvimento
econômico e biológico fez parte do ideal de êxito excessivo, porém isso
promoveu a necessidade da produção de bens superior aos recursos naturais
(JONAS, 2013, p.32) e uma expansão demográfica inserida na cadeia de consumo.
Uma população estática
poderia em determinado momento dizer: “Basta” Mas uma população crescente
obriga-se a dizer: “Mais!” Hoje começa a se tornar assustadoramente evidente
que o êxito biológico não só coloca em questão o êxito econômico,
reconduzindo-nos do efêmero banquete da abundância para o quotidiano crônico da
miséria, mas ameaça levar-nos a uma catástrofe aguda da humanidade e da
natureza, de proporções gigantescas. (JONAS, 2006, p.236)
Deste modo o capitalismo
moderno levou a frente o ideal baconiano do saber pelo poder, gerando um poder
que “tornou-se autônomo”, ao mesmo tempo que a “sua promessa transformou-se em ameaça
e sua perspectiva de salvação, em apocalipse” (JONAS, 2006, p.237). É diante
disso que a proposta de ética jonasiana assume uma postura de controle
responsável diante de tal catástrofe: “a prudência será a melhor parte da
coragem e certamente um imperativo da responsabilidade” (JONAS, loc. cit.).
Todavia, no percurso da Modernidade o
comunismo marxista também assumiu o ideal baconiano. Porém, apesar do marxismo ter
apresentado uma proposta de superação da promessa de êxito que se encontrava no
capitalismo, ele se tornou “tão tributário do ideal baconiano quanto a sua
contraparte capitalista” (JONAS, 2006, p.241). Daí se percebe que o socialismo,
como faze processual do comunismo, idealizou um processo continuo e acelerado
da industrialização ao moldes e impulso da tecnologia moderna que contrapõe a
quantidade limitada de recursos energéticos orgânicos na natureza. Numa relação
entre o sistema capitalista e o comunista, Jonas afirma:
Por causa das paixões
desencadeadas em diferentes direções, relacionadas a esse grande shibboleth de nosso tempo, necessitamos
aqui de uma paciência especial. O que nos facilita a tarefa é o fato de que não
pretendemos comparar as vantagens intrínsecas dos sistemas [capitalista e
marxista] de vida como tal, mas simplesmente a sua capacidade para dar conta de
um objetivo estranho a ambos, isto é, impedir uma catástrofe humanitária ao
refrear o ímpeto tecnológico do qual ambos os sistemas são adeptos. (JONAS,
2006, p. 241) (Acréscimo nosso)
Jonas demonstra ser contrário aos dois
sistemas sociais de ideal baconiano porque eles apresentam um ideal que não
levam em consideração o tempo Moderno com as mudanças que o correram no final
do século XX. Se por um lado o sistema capitalista é gerador de uma
desigualdade social, de uma sociedade de consumo, e de uma degradação dos
recursos ambientais, por outro lado, o ideal marxista, de ascensão do
proletariado, da distribuição equitativa dos bens de produção e consumo social,
não se identifica com as situações reais históricas do marxismo em alguns
países, como Cuba. A utopia marxista não é possível de se concretizar, apesar
de parcialmente possuir um vigor revolucionário e impulsionador de uma
sociedade autônoma, igualitária e sem classes. Tal proposta não assumiu ou
soube responder, de modo atualizado, os problemas da Modernidade marcada por
questões a níveis globais, planetários e internacionais.
Daí se fazer necessário uma nova postura
diante dos problemas modernos, uma nova proposta ética para a civilização
tecnológica, que Jonas leva a cabo partindo do princípio da responsabilidade. Diante
da eminente catástrofe do mundo natural e da própria humanidade, produzida pelo
poder do ideal baconiano, faz-se “necessário agora, a menos que seja a própria
catástrofe que nos imponha um limite, um poder sobre o poder – a superação da
impotência em relação à compulsão do poder que se nutre de si mesmo na medida
de seu exercício” (JONAS, 2006, p.241). Trata-se de uma praticidade que
equilibre os exageros e excessos do poder destrutivo humano.
Se a ética tradicional e os sistemas de vida
modernos se centraram no hoje e agora da vida, a proposta jonasiana leva em
consideração a existência da geração futura como imperativo ético. “O futuro da
humanidade é o primeiro dever do comportamento coletivo humano na idade da
civilização técnica” (JONAS, 2006, p.229). A categoria de futuro como processo
de permanência da sociedade deve ser uma preocupação da ética da
responsabilidade, pois mais vale pensar numa vida saldável, estável e de
qualidade equitativa com o meio ambiente em vista da viva perpetuação e
felicidade do gênero humano, do que usufruir de todos os recursos imediatos, de
modo egoísta, e ter como consequência a destruição do gênero humano e
planetário. A responsabilidade para com o futuro da humanidade não está
dissociado do futuro da natureza:
Esse futuro da
humanidade inclui, obviamente, o futuro da natureza como sua condição sine qua non. Mas mesmo independente
desse fato, este último constitui uma responsabilidade metafísica, na medida em
que o homem se tornou perigoso não só para si, mas para toda a biosfera. Mesmo
que fosse possível separar as coisas –[...] – os interesses humanos coincidem
com o resto da vida, que é a sua pátria terrestre no sentido mais sublime da
expressão [...] (JONAS, 2006, p. 229)
Na medida em que Jonas critica os sistemas
dominantes modernos e suas propostas utópicas, que possuem riscos para a vida
intra e extra-humana, tal crítica já se apresenta como um caminho renovado do
pensar, da vontade e da práxis humana inserida na ética da responsabilidade.
Porém ela deve observar a heurística do medo como caminho real, plausível e
apropriado na sua proposta de nova ética[6]. O
medo não é incerteza, terror e desespero frente à responsabilidade pelo futuro,
mas uma motivação transformadora: “O medo que faz parte da responsabilidade não
é aquele que nos aconselha a não agir, mas aquele que nos convida a agir.
Trata-se de um medo que tem a ver com o objeto da responsabilidade” (JONAS,
2006, p.351).
Por fim Jonas apresenta que o respeito e o
medo deve nos levar a encontrar no outro a figura do sagrado que deveria ser
preservado:
Também temos novamente
de recuperar o respeito e o medo que nos protejam dos descaminhos do nosso
poder (por exemplo, de experimentos com a constituição humana). O paradoxo da
situação atual está em que precisamos recuperar esse respeito a partir do medo,
e recuperar a visão positiva do que foi e do que é o homem a partir da
representação negativa, recuando de horror diante do que ele poderia tornar-se
[...]. Somente o respeito, na medida em que ele nos revela um algo “sagrado”,
que não deveria ser afetado em nenhuma hipótese [...], nos protegeria de
desonrar o presente em nome do futuro, de querer comprar este último ao preço
do primeiro. (JONAS, 2006, p. 353)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A ética jonasiana baseada no princípio da
responsabilidade intenta refletir sobre a realidade Moderna para propor
caminhos de resolução aos problemas criados pelo ser humano. Se antes a ética
estava centralizada nas relações humanitárias em nível antropológico, cultural,
ético e político, no mundo tecnicista, transformador da natureza e do próprio
ser humano, a ética tem o desafio de responder a uma sociedade onde o avanço
tecno-científico se torna o paradigma influente e imperativo de civilidade.
Junto a ele deve se integrar as bases fundamentais da vida humana, a saber, a
realidade planetária. Pois este se tornou objeto de consumo-descartável. A
ética da responsabilidade é uma proposta de vida que resgata princípios
fundamentais da manutenção e continuação da sociedade humana. Por isso que o
futuro, as gerações, a existência, a política, a tecnologia e o meio ambiente
fazem parte essencial de sua reflexão. Num mundo em constante transformação
faz-se necessário uma base de fundamentação. E o princípio que maior
corresponde com um envolvimento integral e participativo é o da
responsabilidade.
Para a atualidade pós-moderna essa proposta
ética tem a força indicativa de elementos que não podem ser desprezados ou
esquecidos por esta geração. Não se trata de negar o que se conquistou até
então, mas de refazer os passos diante do novo ethos que constitui atualmente a
vida humana. Se a subjetividade é marca pós-moderna, ela não pode se realizar
sem sua relação com o meio e as condições político-sociais-culturais-ecológicas
de vida. Daí a importância de tal ética na própria continuidade e equidade do
sujeito pós-moderno na sua condição de vida e existência: uma intersubjetividade
equilibrada e integral, humano-planetária, em paços firmes e não declinantes.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BATTESTIN, Cláudia; GHIGGI, Gomercindo. O princípio responsabilidade de Hans
Jonas: um princípio ético para os novos tempos. Thaumazein, Ano III, Nº 06, Santa Maria, Outubro de 2010. p.69-85. (Revista
do Curso de Filosofia)
JONAS, Hans. O princípio
responsabilidade: ensaio de uma ética para civilização tecnológica. Rio de
Janeiro, Contraponto, Ed.PUC-Rio, 2006.
JONAS, Hans. Técnica,
medicina e ética: sobre a prática do princípio responsabilidade. São Paulo,
Paulus, 2013. (Coleção Ethos)
NODARI, Paulo César. Ética
da Responsabilidade em Hans Jonas. Minas Gerais, Belo Horizonte, 2014.
Artigo publicado no X Simpósio Internacional Filosófico Teológico- FAJE. Do
humano ao pós-moderno: encruzilha ou destino. Disponível em:http://www.faculdadejesuita.edu.br/simposio/cd10/textos/doutores/paulo_nodari.pdf. Acesso em 10 fev. 2017.
SILVA, Jakeline Rodrígues da. Ética e responsabilidade planetária em Hans Jonas. Trabalho de
Conclusão de Curso (graduação em Filosofia). CAMPINA GRANDE, PB, Universidade
Estadual da Paraíba, Centro de Educação, 2014.
[1]
Graduado em Filosofia na Universidade Estadual do Ceará (UECE), discente
do curso de Teologia na Faculdade Jesuíta Filosofia e Teologia (FAJE).
[2] JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a
civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Contraponto, Ed. PUC-Rio, 2006. Esta é
a obra norteadora de toda a pesquisa.
[3] Segundo comenta os Doutores em
Educação Cláudis Battestin e Gomercinho Ghiggi sobre a reflexão crítica
jonasiana da ética tradicional: “Jonas quer chamar a atenção para a
insuficiência dos imperativos éticos tradicionais diante da “nova” dimensão do
agir coletivo. A ética tradicional já não tem categorias consensualmente
convincentes para sustentar um debate sobre a ação humana com o meio que
estamos vivendo” (2010, p.72).
[4] Na obra Técnica, medicina e ética: sobre a prática
do princípio responsabilidade Hans Jonas apresenta alguns elementos
característicos da Modernidade tecnológica que se relacionam com a necessidade
de uma nova ética. Ver: JONAS, Hans. Técnica,
medicina e ética: sobre a prática do princípio responsabilidade. São Paulo,
Paulus, 2013, p.29-32. (Coleção Ethos)
[5] Sobre a postura jonasiana, diante da
intervenção técnica da Modernidade no meio natural, a Filósofa Jakeline
Rodrigues (2014, p. 4) comenta: “Jonas refere-se à tecnologia como sendo um
fator principal no uso desastroso da natureza, e na destruição da mesma”.
[6]
Segundo Battestin e Ghiggi, (2010, p. 75) afirma: “A Heurística do Medo
é considerada viável para o descompasso entre a previsão e o poder da ação. A
categoria Heurística do Medo é a capacidade humana de solucionar problemas
imprevistos, servindo como critério seguro para a avaliação dos perigos
apresentados pela técnica”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário