Se o rico
e extenso projeto redentorista, de origem, inspiração e espiritualidade
cristológico-afonsiana, tem expressividade e continua no horizonte da América Latina[1],
ou especificadamente no Brasil, isso se dá pelas pegadas firmes, reais,
compromissadas e profundas que tais missionários trilharam ao longo da História
até nossos tempos.
Tal
percurso histórico testemunhal de “fé e
vida” não pode ser esquecido e muito menos desprezado por nós que
continuamos esse projeto, mas pelo contrário, deve ser visto e valorizado como
fonte inspiradora para os novos trabalhos e desafios de evangelização
(redentora), seja internamente na dinâmica própria da congregação, ou externamente
na missão, comunhão e diálogo com a múltipla, complexa e diversificada
sociedade que temos.
Reestruturação
interna (e porque não externa) é a palavra que deve fazer eco na nossa vida e
missão. É o que de certo modo já havia percebido e nos sinaliza São Clemente,
na sua pedagogia missionária: devemos evangelizar de um modo sempre novo[2]!
Reestruturação não é abandonar o antigo para ficar com o que a sociedade nos
impõe, ou acredita que é certo e novo (e nisso devemos ter muito cuidado).
Podemos
observar que reestruturação implica mais olhar o antigo (aquilo que nossos
predecessores experimentaram e fizeram como resposta de fé e vida na História)
e, com base nisto, observar os elementos que continuam sendo relevantes para os
nossos tempos como resposta aos desafios da realidade. Trata-se também de uma
inspiração da nossa experiência histórica, humana, espiritual, missionária,
apostólica e serviçal redentorista que precisa ser atualizada, conforme os
novos tempos, seus sinais de Reino e suas necessidades, para respondermos
generosamente ao chamado de Deus.
É
justamente essa a proposta deste artigo: olhar na experiência missionária do
beato Pedro (Peerke) Donders (1809-1887) alguns elementos que marcam, sinalizam
e podem até nos inspirar para atualizarmos ou revitalizarmos o projeto da
redenção.
De vida
comum, simples, humilde e lutadora, Pedro Donders nasce numa Aldeia de Heikan,
em Tilburg, na Holanda. Seu contexto sociocultural, no século XIX, é marcado
pela força contagiante da revolução industrial e social. Desde os 05 anos esse
missionário já desejava ser padre e aos 12 trabalhava no microcomércio de
tecelagem para sem manter e sustentar sua família[3].
Aos 22 anos entra para o Seminário como servente.
Umas das
coisas marcantes da sua experiência missionária, antes de ser redentorista é a liberdade,
disposição e generosidade para enfrentar uma missão na região mais difícil,
complicada e de risco da América do Sul: no Suriname, em Paramaribo, na Batávia
e em Coroní[4].
Tal região era marcada pela presença de comunidades de leprosos, de povos
indígenas, de negros e escravos. Era uma
área periférica, de risco, abandonada social e espiritualmente. Nesse ambiente colonial-campesino, florestal e
pobre- desassistido, eram poucas as pessoas que queria ajudar na elevação da
dignidade humana e redenção das almas.
A
abertura pastoral, humana e missionária para essas regiões periféricas, dentre
outras, continuam sendo uma marca distintiva e fundante redentorista. Cabe a
nós observar que áreas da nossa região missionária é periférica, em situações
de risco, e abandonada pelas forças governamentais e institucionais e até pela
Igreja?. Que áreas são de extrema necessidade de evangelização da pessoa
integral?[5]
Essa inspiração continua sendo expressividade da nossa identidade religiosa
caritativa.
A vida de oração[6] é
outro elemento característico da experiência de Donders. “‘A oração era seu
alimento, a respiração de sua alma. Orava sem cessar’. Não considerava a oração
como um dever, mas como uma necessidade, como um momento de respiração
profunda”[7].
De tal constância de fé Donders insistia para que seu povo abandonado
permanecesse na oração. Porém essa persistência não era acomodada ou
centralizada nele, e muito menos em um ambiente específico, mas ele muitas
vezes saía para encontrar os índios e evangeliza-los: “Cada ano passava os
meses da seca buscando os indígenas na selva para os evangelizar. (...) Mas
nada podia detê-lo. Pedro Donders era tenaz e sempre terminava descobrindo-os”[8]. Essa
experiência missionária de saída é uma constante nossa que não pode ser perdida
(estado permanente de missão!).
A vida de oração não estava separada da
atividade pastoral, missionária e de existência humana, mas fazia parte do seu
itinerário espiritual: “Depois de dedicar-se durante as primeiras horas da
madrugada à santa missa e à oração, saía para visitar sua gente. Cuidava
especialmente dos recém-chegados e dos desamparados. Não se contentava com
palavras piedosas e reconfortantes. Fazia até o impossível: cortava lenha,
trazia água, preparava a comida, amparava os corpos enfermos..”[9].
Todas essas coisas demonstram uma integração total com a proposta redentora.
Cabe a nós observarmos se nas nossas atividades apostólicas estamos trabalhando
de forma integrada a fé e a vida, a celebração do mistério divino e a busca
pelo valor e dignidade das pessoas humana, enquanto filhos amados de Deus.
O aspecto profético da experiência missionária
de Donders é algo de significativo também nos dias atuais. Ele compreendeu bem
a sua realidade e as formas de explorações dos líderes e governantes da época
com o trabalho escravo. “Ai! Se a gente cuidasse dos escravos como os europeus
cuidam dos animais. O que vi e ouvi vai além de toda a imaginação...Desgraçados
e mil vezes desgraçados esses europeus, donos das plantações, patrões de escravos,
administradores, diretores e oficiais que mantêm submisso esse povo escravo!
Desgraçados os que acumulam fortuna com o suor e o sague desses desafortunados,
a quem só Deus defende!”[10]. “Tudo
aqui parece cooperar para a corrupção total. E não há ninguém que lute contra
esta miséria. Enfrentamos aqui um rio imenso de impiedade”[11]
Essa orientação de exploração e opressão, de
pecado e descaso permanece hoje de forma mais velada e sofisticada. Em muitos
aspectos tais formas de opressão se institucionalizaram para disfarçar o seu
caráter contrário à vida humana, à liberdade e identidade religiosa. Cabe a nós
descobrir e denunciar tais caminhos que impedem a dignidade humana e a redenção
na vida do povo de Deus.
A resposta profética dondersiana foi o consolo
imediato e primário para o povo de Deus abandonado e carente de conversão do
Surinami. Ela continua tendo tamanha importância e expressão redentora na
América Latina e na realidade brasileira. “Fortes na fé, alegres na esperança, inflamados
no zelo, humildes e sempre dados à oração”, segundo reza nossa constituição (art.06,
§20), é uma marca distintiva de Pedro Donders na sua atuação missionária,
principalmente depois que entrou na Congregação do Santíssimo Redentor. Com
esta, Pedro Donders trousse grandes benefícios, esperanças humanas e
espirituais para o povo da região[12]. Essa
identidade pela fé no Redentor é um sinal de nossa caminhada, compromisso e total
entrega ao projeto de Deus, que precisa ser atualizada e vivida nos tempos
atuais de incompreensões, crises políticas, sociais e intolerância religiosa.
A vida comunitária é outra marca do nosso
humilde redentorista. “Donders não é um homem de aventura solitária, nem o
grande pioneiro que foge do caminho trilhado. (...) Dizia-se que ele era uma
pessoa suave, mas deve-se ver nele algo mais do que um caráter agradável”[13]. Tal
observação está em consonância com o aspecto fraternal redentorista que precisa
perdurar continuamente como manifestação da experiência e intimidade com Deus.
Que Deus nos conceda a cada dia a graça de
continuar o seu projeto, sendo sinal de fé, luz, esperança, justiça e misericórdia
para o Reino que germina no meio de nós. E que o exemplo deste beato, também
referencial na América Latina e no Brasil possa nos inspirar para sermos
testemunhas missionárias do Espírito Redentor que permeia nossa História. Amém!
[1] Tema tratado por Fabriciano Ferrero no
4º capítulo, a saber, Espírito missionário de Pedro Donders, no 11º volume da
coleção Espiritualidade Redentorista. Cf. URB. Secretariado Geral para a
Espiritualidade. Espiritualidade
Redentorista: vida espiritual do beato Pedro Donders. [trad. Pe. Clóvis de
Jesus Bovo, C.Ss.R] Goiânia: Scala Editora, 2012, p.118-230.
[2] HEINZMANN, Josef. Vida de São Clemente
Hofbauer: anunciando novamente o Evangelho. [Trad. Irene Ortlieb Guerreiro
Cacais, Luís Guerreiro Cacais]._,_. Aparecida, Sp. Editora Santuário,1988, p.
164.
[3] Cf.
URB. Secretariado Geral para a Espiritualidade. Espiritualidade Redentorista: vida espiritual do beato Pedro Donders,
2012, p.17-18.
[4]
Ibidem, p. 122-127.
[5] Ibidem, p. 31.
[6] Ibidem, p. 172.
[7] Ibidem.
[8] Ibidem, p. 34.
[9] Ibidem, p.30.
[10] Ibidem, p. 28
[11] Ibidem, p. 26.
[12] Ibidem, p. 89-94.
[13] Ibidem, p. 183.
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