sábado, 4 de março de 2017

Os Conselhos Evangélicos nas Constituições Redentoristas: um processo contínuo de profecia até a Contemporaneidade.


Não tem como falar da força revolucionária atual dos conselhos evangélicos (castidade-pobreza-obediência) na Congregação Redentorista, sem nos atermos aos processos históricos, culturais e religiosos que tais conselhos tiveram desde sua origem na Igreja. Por isso, de antemão, votemo-nos as proximidades do século IV (após os primeiros mártires cristãos e a institucionalização do cristianismo), quando as virgens escolhiam uma vida de total entrega a Deus, e o monacato dava seus primeiros passos de gestação, numa tentativa radical e decisiva de realizar a vontade de Deus-absoluto e estar nessa comunhão com o mesmo. É nesses dois momentos que nos deparamos com as primeiras fundações e configurações dos votos religiosos, sendo que as virgens apresentavam como ponto forte de sua profecia “a castidade”, enquanto os primeiros monges, senobitas ou da ordem de São Bento, tinham como mais relevante “a obediência” para realizar o que Deus queria e seguir "cegamente a autoridade” de seu mestre-fundador- e pastor, uma vez que este era considerado como "porta vós de Deus".

Para um mundo religioso que ainda estava em construção os votos evangélicos tiveram conotações diversificadas de acordo com cada mosteiro, ordem religiosa e opção radical de vida consagrada. Nesses primeiros séculos os votos religiosos foram não tão “perfeitos”, mas, sobretudo, como afirmou os padres do deserto, um profundo desejo de entrega a Deus, num caminho continuo de conversão. Ora, é no século XII, com a ascensão burguesa-comercial, que surge a figura de São Francisco e as Ordens Mendicantes, dando destaque profético para a “pobreza literal” e para a crítica ao capitalismo comercial. Essa postura, apesar de importante, não acompanhou, com a mesma força originária, a história humana religiosa. 

Com o período patrístico encontramos o respaldo e influência “do voto da castidade” em Agostinho e as Ordens Monásticas, e uma visão de retração afetiva e um dualista entre corpo e alma, que perdurou até o Concílio Vaticano II. Nesse percurso patrístico o desprezo pelo corpo e a continência sexual tinha sua sustentação e validade por diversos mecanismos de contensão, como as práticas da disciplina, ascese, mortificação e flagelação do corpo.

No período escolástico os conselhos evangélicos ganharam uma significativa teologia fundamentada com instrumentos filosóficos e ontológicos, revestindo-se de caráter doutrinal e lógico. Nesse período os votos são visto como meios para a “perfeição” no seguimento radical de Jesus Cristo. Porém é na Modernidade que tais votos começaram a ser colocados em questão critica com toda a relevância de sua radicalidade profética. No período de transição moderna tais conselhos ainda seguiam a sua concepção histórica tradicional, formal, onde a coisa mais importante era “cumprir os votos” de acordo com “cada regra de vida religiosa”. Por conta disso muitos religiosos se tornaram santos, muitos sofreram inigualavelmente, muitos morreram bem cedo, enquanto outros, em posição extrema, nos porões do anonimato, não davam importâncias para tais coisas, e viviam como bem queriam.

É nesse período de transição, do Renascimento italiano para Modernidade (séc. XVII para o séc XVIII) que, em 1732, Santo Afonso funda a Congregação Redentorista, denominada pelo nome de Santíssimo Salvador, mas que, no decorrer da história, assumiu as feições próprias e titulares de uma Congregação Missionária Redentorista. Ora no período afonsiano os votos religiosos seguiam a radicalidade da tradição, isto é, era marcado pela continência sexual, pelas formas ascéticas de mortificação, pela dilaceração do corpo, por uma “obediência cega” ao superior e por uma pobreza em todos os níveis da existência. Evidentemente que havia as exceções anônimas na Igreja que não seguiam tais orientações, como ainda hoje acontece, porém, na Congregação afonsiana os conselhos evangélicos assumiram algumas particularidades significativas que se desenvolveram no decorrer da história até os tempos atuais.  

É no âmbito redentorista que os conselhos evangélicos tiveram um caráter teológico e cristológico muito forte. A vida de oração era a base para tais votos, tanto que Afonso chegou a praticar 8 horas diárias de oração. E não só ele, mas todos os santos e beatos redentoristas cultivaram essa prática como sustento e sentido vital para os votos religiosos. A obediência tinha por meio a fidelidade não só ao superior, mas primeiramente a Jesus Cristo e a missão confiada a Congregação. Era nesse sentido que a obediência estava orientada para uma abnegação de si mesmo, a fim de levar aos outros, os mais abandonados, a boa- nova de Cristo. Assim não se fazia a obediência, mas se seguia, isto é, se "continuava o Cristo" obediente, indo ao encontro dos cabreiros e excluídos de Nápoles.

No campo da castidade é possível perceber que, provavelmente sem saber, Afonso assentou a razão fundamental do carisma da Congregação: o amor por Jesus Cristo e o amor especial pelos prediletos de Jesus, os últimos, os excluídos, os pobres. Em poucas palavras podemos encontrar o sinal mais forte da castidade, que perpassou a razão de ser dos missionários: a redenção, a salvação da humanidade, uma paixão sem limites pelo homem. Era essa linha que orientou e ainda hoje orienta  a castidade redentorista.  

No campo da pobreza Afonso deu um salto qualitativo e inovador, pois tal voto nunca foi um não ter nada material, mas algo bem mais profundo: um desapego existencial (da família, dos amigos, dos bens, de si mesmo). Evidentemente que o básico se tinha para viver, conforme a mentalidade da época, porém quanto mais se desapegasse dos bens materiais e dos apegos afetivos, em função de Jesus Cristo, da missão, muitos mais os missionários eram livres e autênticos Redentoristas. Poderíamos dizer que este voto ganham a sua máxima expressão numa simples palavra: distacco! É tão impressionante a visão de Afonso para o seu tempo, porque ele observou uma coisa inaudita nos votos evangélicos: a busca constante e persistente do Eterno. Por isso que adjunto aos três votos ele acrescentou um, “o voto da perseverança”, isto é, morrer na Congregação, realizar algo em vista da Eternidade. Realizar um passo que não teria mais como voltar. Por isso é que ele dizia que “quem quiser entrar para Congregação Redentorista, deve entrar para ser santo”. Uma decisão que não tem um meio termo. É deste modo que os conselhos evangélicos vão perpassando a própria identidade redentorista.

Com o prosseguir do Concílio Vaticano II, os votos tiveram uma revolução significativa. Se antes do Concílio os conselhos evangélicos estiveram atrelados a “prática minuciosa da regra”, no decorrer do pós-concílio aconteceu uma abertura para a vivencia de qualidade dos votos, sem tantas e minuciosas regras, muitas vezes desnecessárias. Se na Congregação Redentorista, em 1936, as orientações redacionais e instrutiva sobre o votos possuíam um total exaustivo de 56 páginas, em 1965 tais votos eram tratados sinteticamente em 9 páginas. Dos aspectos minuciosos e sem sentido, se passou para os aspectos essenciais acentuados. No voto da pobreza, a Congregação promovia a sustentabilidade dos membros, de tal modo que eles vivessem “uma vida perfeitamente comum”, sem “distinções ”, todos os bens de atividade  missionária e apostólica não deviam denotar vaidade, mas um modo simples de viver. Quanto ao aspecto da castidade, esta tinha uma fundamentação espiritual em vista do bom êxito do trabalho apostólico, “sendo uma virtude tão agradável ao Filho de Deus e tão necessária ao operário evangélico”.  Em relação a obediência, as Constituições e Estatutos eram a "lei" que deveria ser cumprida, todavia, havia a possibilidade de dispensa de tais regras de acordo com a necessidade e as circunstâncias, desde de que houvesse uma razão plausível para tal dispensa e sob a orientação de um superior.

Segundo as Constituizoni e Statuti Della Congregazione del Ss. Redentore, em 1969, fala sobre os votos evangélicos, este é “uma resposta de amor”, uma busca pelo “dom total de si”. Pela castidade o redentorista, “consagrado ao mesmo mistério” de Cristo, “dedica-se... a Deus a Missão de Cristo” para “servir o próximo com coração grande”. Assim, vemos os novos caminhos que a castidade deveria seguir e amadurecer. Em relação a pobreza,  os redentoristas abraçaram "voluntariamente a pobreza de Cristo". Inspirados nos apóstolos de Jesus, que viviam a fraternidade, os redentoristas partilhavam os bens em “comum para utilidade de todos”. Também neste sentido, a pobreza evangélica tinha em consideração a situação dos destinatários da missão, os pobres. Por isso a pobreza era um sinal de esperança de uma vida humana e fraterna. Quanto a obediência, todos, desde os superiores até os seus subordinados, deveriam servir a Deus e a comunidade com responsabilidade e solicitude, e no serviço apostólico e missionário, dentro do devido diálogo. As Constituições de 83 apresenta uma abertura maior da vivencia dos votos conforme as diversas circunstâncias e situações de cada região, província e vice província. Na radicalidade dos votos os pobres, a missão e o carisma da Congregação são levados em conta. Uma maior solidariedade evangélica perdura, a tal ponto dos redentoristas se integrarem com as causas dos pobres e lutarem pela dignidade humana deles.  


Por fim, temos as Constituições e Estatutos de 2004, ai encontramos mudanças significativas quanto aos votos religiosos. O voto de castidade mantem o seu viés de auxílio da graça de Deus e ação intercessora de Maria, nossa mãe do Perpétuo Socorro. Enquanto que o voto de pobreza nos abre um leque profético missionário atual. Onde a prioridade é “colocar em comum todos os bens” e “uma aguda sensibilidade face à pobreza do mundo e aos graves problemas sociais”. “Toda a espécie de pobreza- material, moral, espiritual- deve solicitar seu zelo apostólico”. Em casos particulares é possível participar das penúrias dos pobres. O testemunho e solidariedade com os mais pobres é a meta constante do voto de pobreza. Quanto a prática da obediência, a proposta se destina ao corpo missionário para “continuar a missão da Congregação, segundo a diversidade de lugares”. Quanto ao potencial e dons da diversidade redentorista, se promove o estímulo dos dons para o serviço redentorista em vista do carisma congregacional e da essência misericórdia divina, a caridade.

Portanto, conforme a história se segue e conforme a Congregação se abre para as investidas do Espírito, mais ela se aprofunda e se descobre sobre a importância e valor dos votos evangélicos. Eles não só possuem um caráter espiritual, e isso é de fundamental importância, mas também uma força transformadora, social, cultural, político, redentora e plena na vida do Redentorista e na vida das pessoas, em especial, os pobres e abandonados. Os votos não se reduzem a práticas fechadas, mas envolvem a razão de ser redentorista e a qualidade de sua missão. Pois não tem como pensar em conselhos evangélicos tridimensional sem uma integração com a própria existência da Congregação Redentorista e o seu desafio profético nos tempos atuais. Atualmente podemos dizer que tais votos se desdobram em três ações que os dois últimos capítulos tentam implementar: a) a restruturação para a missão, que implica uma abertura e obediência frente aos novos desafios que se segue com a evangelização e promoção humana, b) a solidariedade internacional, de pessoas e bens, para a realização do projeto redentor (pobreza-distacco), e c) uma conversão interior para identidade e fidelidade carismática missionária redentorista (castidade).




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