sexta-feira, 29 de julho de 2016

O Ano da Misericórdia e a Glória de Maria: o mesmo Espírito atuando no agora da vida (Revista Diálogo).


(Revista Diálogo: Revista de Formação e Informação da Província Redentorista de São Paulo, p.10-13)
Isaias Mendes Barbosa[1]
A abertura do Ano Santo da Misericórdia, com a Bula de proclamação do Jubileu Extraordinária da Misericórdia intitulada Misericordiae Vultu (FRANCISCO, 2015), ou seja, o rosto da misericórdia, trousse para os Cristãos Católicos e crentes de outras denominações religiosas afins, um tempo de graça, esperança e renovação. Tempo de aprofundamento, contemplação, esclarecimento e práxis evangélica. Essa foi, e está sendo, a proposta inspiradora, realizada pelo Papa Francisco em um dia mais que especial: o dia da Imaculada Conceição.
A abertura da Porta Santa e principalmente da porta do coração humano, na experiência da misericórdia de Deus, deve nos impulsionar para uma entrega e doação de si, em vista da salvação humana e do bem comum. Os sinais de tal comunhão espiritual são o dinamismo pastoral e missionário, o acolhimento humano, o diálogo intra e extra-eclésia, e a compaixão para com nossos semelhantes (crentes e não crentes). Essa proposta pela experiência redentora de fé, pelo imperativo criador e misericordioso divino, é urgente nos tempos atuais. Deste modo, há dois pontos que podem orientar-nos na nossa dinâmica existencial, missionária e pastoral: a Misericórdia divina trinitária e a figura de Maria na colaboração do processo de dignidade e salvação integral humana.
A temática central da Bula é a Misericórdia. Nela o Papa nos convida a fixarmos “o nosso olhar na misericórdia, para nos tornarmos nós mesmos sinal eficaz do agir do Pai”(Ibidem, p.4). Uma das expressões significativas deste ano jubilar é a compreensão da Misericórdia na Santíssima Trindade e como ela se desvela no projeto da redenção humana.
Misericórdia: é a palavra que revela o mistério da Santíssima Trindade. Misericórdia: é o ato último e supremo pelo qual Deus vem ao nosso encontro. Misericórdia: é a lei fundamental que mora no coração de cada pessoa, quando vê com olhos sinceros o irmão que encontra no caminho da vida. Misericórdia: é o caminho que une Deus e o homem, porque nos abre o coração à esperança de sermos amados para sempre, apesar da limitação do nosso pecado(Ibidem, p. 3-4).
O Mistério da Misericórdia divina é revelado como ação primeira e essencial de Deus Uno-Trino. O Pai Eterno misericordioso é destacado não como um juiz impiedoso, vingativo e destruidor, mas como um Deus rico em misericórdia, clemente, bondoso, paciente e compassivo. “Misericordiosos como o Pai é, pois, o ‘lema’ do Ano Santo. Na misericórdia, temos a prova de como Deus ama. Ele dá tudo de si mesmo, para sempre, gratuitamente e sem pedir nada em troca”(Ibidem, p.21).
Se o Pai é misericordioso, Jesus “é o rosto da misericórdia do Pai”(Ibidem, p. 3). Pela sua pessoa e sua vida em nosso meio, conhecemos e experimentamos intimamente o amor de Deus.  O mistério da fé encontra em Jesus sua verdade mais profunda e verdadeira. Os ninais que Jesus realiza, “sobretudo, para com os pecadores, as pessoas pobres, marginalizadas, doentes e atribuladas, decorrem sob o signo da misericórdia”(Ibidem, p.11).
Do mesmo modo que o Pai e o Filho, o Espírito Santo comunga de tal compaixão, revelando Jesus Cristo como imagem do Pai e testemunhando a misericórdia do Pai cumprida de uma vez por todas no Filho. O que move a própria dinâmica da redenção humana, dentro e fora dos limites da Igreja, de um modo evangélico renovado, atual e atuante, é o próprio Espírito Santo.
Um momento forte de tal experiência foi no Concílio Vaticano II, quando os “Padres, reunidos no Concílio, tinham sentido forte, como um verdadeiro sopro do Espírito, a exigência de falar de Deus aos homens de seu tempo e de modo mais compreensível”(Ibidem, p. 6).  Assim somos exortados a confiar plenamente em Deus. Que o “Espírito Santo, que conduz os passos dos crentes de forma a cooperarem para a obra de salvação realizada por Cristo, seja guia e apoio do Povo de Deus a fim de o ajudar a contemplar o rosto da misericórdia”(Ibidem, p. 8).
Para reafirma e revitalizar a fé da Igreja sobre a importância da Santíssima Maria nos mistérios divinos, Francisco afirmou que: “Depois do pecado de Adão e Eva, Deus não quis deixar a humanidade sozinha e à mercê do mal. Por isso, pensou e quis Maria santa e imaculada no amor (cf. Ef 1, 4), para que se tornasse a Mãe do Redentor do homem”(Ibidem, p.4). Todavia, pela força do mesmo Espírito de hoje, tal mistério mariano-misericordioso pode ser observado com maior ênfase e importância, na história e tradição da Igreja,  em uma figura de especial importância, a saber, Santo Afonso de Ligório (1696-1787), o fundador dos Missionários Redentoristas.
Para Afonso a Santíssima Maria foi de fundamental importância no seu processo de conversão e no encontro com um Deus louco de amor pela humanidade. O reconhecimento dessa misericordiosa Mãe se expressa na obra Glorias de Maria (LIGORI, 1750)! Esta obra começou a ser feita pouco tempo depois da fundação da Congregação Redentorista, isto é, em meados de 1734, ela durou cerca de 15 anos para ser concluída e está sendo atualizada até hoje.
Na Glórias de Maria a importância e relação da Santíssima Maria com a Misericórdia divina se dá devido a sua amizade com Deus e a própria vontade do Altíssimo, pois “Deus, para glorificar a Mãe do Redentor, determinou e dispôs que, em sua grande caridade, ela intercederia a favor daqueles por quem seu divino Filho satisfez e ofereceu o preço superabundante de seu precioso sangue”( LIGUORI, 1989, p.25). Desse modo é pela vontade de Deus, e não humana ou pessoal, que Maria comunga do projeto da Redenção.
Maria é Rainha de Misericórdia, “cheia de doçura e de clemencia, sempre inclinada a favorecer e fazer bem a nós pobres pecadores”(Ibidem, p.36). Ela é “Rainha de Misericórdia, inclinada só a piedade e ao perdão dos pecadores. Por isso quer a Igreja que expressamente lhe chamemos Rainha de Misericórdia”(Ibidem). Maria é a Mãe de misericórdia. Porém seu título de mãe não é carnal, mas de amor. “Tão somente o amor que nos tem é que a faz ser nossa Mãe. Por isso a Virgem bendiz a si, diz certo autor, de ser Mãe do belo amor, porque é toda caridade para conosco, por ela aceitos como filhos”(Ibidem, p. 53.) seus. “Por ser Mãe de misericórdia, nem recusa nem jamais recusou compadecer-se de nossas misérias, e socorrer os infelizes que imploram o auxílio”(Ibidem, p. 102).
A fé e devoção popular por nossa Mãe de amor é sinal da Misericórdia divina. Isso acontece porque Maria nunca desampara seus devotos. Ora, tal devoção só completa aquilo que é da vontade de Deus: que sejamos salvos. Para os devotos de Maria, a certeza que ela nos assegura é uma solicitude benigna nos momentos mais difíceis e finais da vida terrestre: “[...] é o procedimento de Maria com seus devotos. Nas suas angustias e especialmente nas da morte, que de todas são piores, essa boa Senhora e Mãe não abandona seus fiéis servos”(Ibidem, p.88). Deste modo, resolutamente “Ainda que sejamos pecadores, tenhamos confiança que Maria há de vir assistir-nos na hora da morte, consolando-nos com sua presença, se a servimos com amor durante os dias que ainda nos resta no mundo”(Ibidem, 93).
É da vontade do Filho que sua Mãe, e nossa Mãe misericordiosa, fosse intercessora, advogada para o nosso auxilio, no grande dia da entrada definitiva do Reino. Porém, até mesmo na luta cotidiana ela é utilíssima e fidedigna pelo nosso socorro.
Diz a este propósito o grande padre da Igreja S. Basílio, que o Senhor nos deu Maria como hospital público, onde se pode recolher todos os enfermos, que são pobres e desamparados de todos os socorro. [...] Portanto, quem se achar mais pobre; isto é, mais despido de merecimentos, e mais oprimido das enfermidades [...] pode dizer a Maria: “Senhora, vós sois o refugio dos enfermos pobres; não me desampareis [...]” (Ibidem, p. 107).
Essa experiência da misericórdia mariana, tão atual no Ano Jubilar, possui uma titulação específica para nós Missionários Redentoristas, a saber: A Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Essa expressão ganha força no presente ano jubilar do Ícone da Mãe do Amor que celebramos desde o dia 27 de Julho de 2015 até o dia 27 de julho de 2016. O Ícone do perpétuo Socorro tem como motivação missionária peregrinar pelas unidades Redentoristas do mundo, a fim de revitalizar a fé popular e congregacional na Mãe de Deus e na pessoa de seu Filho. Para nós Redentoristas a ação reparadora e mediática de Nossa Senhora, a Mãe do belo amor, é tão certa que podemos afirmar como nosso fundador:
Esta grande compaixão de Maria [...] a leva a nos socorrer e consolar, mesmo quando não a invocamos. É o que nos mostrou durante sua vida, nas bodas de Caná (Jo 2, 3). [...] Se Maria é tão pronta em ajudar, mesmo sem ser rogada, quanto mais será para consolar quem a invoca e a chama em seu auxílio? (Ibidem, p.117).



[1] Cursou Filosofia na Universidade Estadual do Ceará. Noviço Missionário Redentorista. Possui o seguinte blog: http://isaiasmendes.blogspot.com.br/

terça-feira, 19 de julho de 2016

A Filosofia e o Sagrado: fundamentos e significativo sinal para os tempos atuais.

A Filosofia e o Sagrado: fundamentos e significativo sinal para os tempos atuais.[1]
Isaias Mendes Barbosa[2]
Na Tradição Filosófica Ocidental, contemplar o nascimento e desabrochar da Filosofia, desde a Grécia Antiga, é uma tarefa de sublime importância, ainda hoje. Principalmente para quem se compromete apaixonadamente com a realidade atual e pretende trazer para a Contemporaneidade questões novas, inéditas, ou, na verdade, esquecidas e até certo ponto desprezadas, porém tão necessárias, no nosso tempo. Por isso, retomo um elemento significativo da Tradição Filosófica Ocidental que perpassou boa parte, se não quase toda, dessa referida trajetória filosófica. Falo da experiência filosófico-poética-mítica que tiveram os primeiros pensadores naturalistas e que até certo ponto deram continuidade os demais, como Platão, Aristóteles, Agostinho, Pico Della Miradola, Hegel e Giambattista Vico. Essa experiência significativa tem sua expressão ainda hoje, apesar de precisar ser revitalizada e disseminada.

            O Sagrado é este elemento que constituiu a trajetória originária da Filosofia e sem o qual não teríamos como entender com riqueza e profundidade o valor da Filosofia. Não é que esse termo (Sagrado) tenha sido descrito como categoria filosófico-temática propriamente dita, porém, ele fez parte em suas propriedades e significados da Filosofia no seu desabrochar e na sua mais elevada reflexão. Quem sabe tal elemento tem faltado nas reflexões atuais cotidianas!?

A experiência filosófica não começa com Aristóteles, apesar de atingir neste uma conceituação reflexiva profunda. Porém, ela começa com os pré-socráticos, ou melhor dizendo, com as primeiras comunidades periféricas, a saber, os religiosos, os míticos, os poetas e políticos da Grécia Antiga. Todavia, basta, aqui, considerar essa experiência a partir dos pré-socráticos.

Ela inicia na percepção de elementos da naturezas apreendidos e valorizados, na reflexão filosófica, como Sagrados, ou originalmente dizendo Divinos. Tais elementos da Natureza são apreendidos numa profundidade tão grande que chegam a ser definidos como arché da physis, isto é, como os princípios primeiros e fundamentais da realidade, da Natureza, isto é, de todas as coisas. Tais princípios compreendem a essência das coisas que são, e pelas quais não deixam o seu extrato, ou seja, não deixam de Ser, mas regem, orientar, impulsionam e governam o ser elementar de todas as coisas. Cada pensador compreendia essa essência (apreendida por mim como Sagrada) de uma forma original e particular.

Para Tales era a água, ou o elemento úmido, aquilo que era fundamental em todas as coisas. A experiência com o Sagrado era tão convincente para ele que o mesmo chegou a afirmar que “todas as coisas possuem deuses”, porque todas as coisas possuíam esse elemento húmido, e que portanto poderia provir de um essencial fundante metafísico-divino. Com Anaximandro esse elemento Sagrado é denominado de á-peiron, isto é, indeterminado, algo sem limites, tal elemento, todavia, possuía o mesmo valor divino. Já para Anaxímenes é o ar infinito, uma espécie de sopro vital.

Se nos pré-socráticos esse vínculo da reflexão filosófica com o Divino ou o Sagrado era algo intrínseco, com Platão não é diferente. A experiência da regência do Cosmo e da Pólis grega, a partir de uma realidade supra-sensível, não descuida de uma ligação com o Divino. Pois se na ordem hierárquica dos seres ideiais tanto os deuses são proprietários de todo o saber divino, como o UNO e a DIADE são elementos ideais essenciais e relacionais, de onde se originam o igual e o diferente, o maior e o menor, o idêntico e o distinto, de todas as coisas que são, em variados graus e por participação com esses dois princípios ideais fundantes. Daí é que a enteléquia humana constituía a faculdade que pode apreender o Ser originário de todas as coisas, pois o homem (e não a mulher-visão preconceituosa da época), entre os diversos seres, é a personalidade capaz de se relacionar com e conhecer as coisas no seu substrato mais elevado.

Em Platão não podemos descuidar das formas poéticas e analógicas divinizadas de compreender e descrever a realidade na sua real origem. Esse é um elemento marcante do platonismo que advém até nossos tempos. Se em Platão temos tal ligação como o Sagrado, compreendido ideal e supra-sensivelmente, em Aristóteles não podemos deixar de constatar tamanha ligação com o Sagrado, porém menos constante que a do seu mestre, Platão. Para Aristóteles o conhecimento é dadiva dos deuses, portanto é algo divino e sacro que os homens podem possuir. Isso faz o homem semelhante ao deus grego. Na ordem metafísica das coisas existe o motor imóvel que ele chega a chamar de deus, que move todas as coisas e inclusive a outros motores auxiliares, as constelações esféricas e os demais seres, sem sair de si e sem mover um dedo se quer. Abaixo desse princípio Sagrado, em algum lugar da hierarquia metafísica estão os deuses. E assim se manifesta esse vínculo com o Divino.

Em Santo Agostinho esse vínculo com o Sagrado atinge uma orientação particular, isto é, Cristã. Deus como Sagrado é o fundamento da existência, vivencia e vitalidade de todas as coisas. A pessoa humana é o ser particular que possui características diferenciais na hierarquia do criado: a razão, a inteligência e a fé. Neste pensador a realidade é apreendida partir de uma essência sagrada una e trina, que de modo comunitário e por vontade amorosa, cria todas as coisas e concede a todas as coisas a sua verdadeira essência e felicidade, quando elas se voltar para o seu Criador, pela contemplação e comunhão sagrada.

Em Pico Della Mirandola a experiência com o Sagrado transcende as barreiras da instituição Igreja Católica e do tempo histórico. É a força sagrada de Deus que ilumina e conduz até a felicidade ou paz teológica todas as pessoas, por diversos caminhos e diversos estágios histórico-culturais e místicos da vida. Por meio dessa ação sagrada de Deus, a humanidade até certo ponto não se contradiz ou se nega, mas entra em concordância com uma mesma Verdade, Deus, o BELO de todos os seres belos.

Hegel não segue a dinâmica da harmonia comum pela qual caminha a humanidade e as religiões, como sustentou Pico, porém sua experiência com o Sagrado em um sentido filosófico vai além de uma convergência para Deus. É o próprio Espírito que se manifesta na História humana, onde ele expressa a consciência de si mesmo, por um processo dialético de desvelamento e autosuperação. É a experiência do Espírito que promove um eterno conhecimento e a exuberância de si, por meio da dinâmica da Natureza, da família, da sociedade e do Estado, sendo que este último é o estágio mais apurado do Espírito. Esse Espírito ganha expressividade em três formas distintas e até certo ponto harmônicas da vida humana: na Religião, na Filosofia e na Arte.

Se Hegel se pautou numa dinâmica circular desenvolvimentista de Espírito, Giambattista Vico fez um percurso diferente. A experiência com o Sagrado se tornou a parte de uma Nova Ciência da vida civil, isto é, de todos os povos e nações, desde seus primeiros passos. Trata-se portanto de observar a relação da Humanidade com o Sagrado a partir de uma experiência pré-reflexiva, onde as faculdades do entendimento estão por se formar. A experiência do Sagrado compreendida desde o estado de barbárie humana ganha seus traços nas quatro religiões humanas em que a figura da deidade é o meio para a humanidade bárbara, imersa nos sentidos (a fantasia, a imaginação e o engenho) se tornar Humana. Tal percurso se faz mediado e ordenado pela Providência divina, que sempre ilumina o homem para ser pessoa humana e conservar a si e sua geração, enquanto tal.  
 
Depois desse rápido recorte histórico, pode-se constatar que a Filosofia e o Sagrado, na sua expressão e propriedades características variadas, não são ou estão dissociados, mas constituem uma ligação fundamental sem a qual não é possível se refletir sobre a realidade e a totalidade, sem cair no risco de perder a inspiração e experiência primeira, além de reduzir a Filosofia a pura reflexão materialista. A Filosofia não pode estar dissociada das outras ciências humanas e exatas, pois essa completude totalitária era a sua conjuntura fundamental.

Desde a crise humana promovida com os males cometidos pela revolução tecnológica e industrial, e a ditadura militar, pode-se constatar que as ciências diversas passaram a se fragmentar e se dividir dramáticamente. Algumas ciências passaram a ter maior destaque em detrimento de outras. Isso aconteceu pelos interesses dominantes de cada época. Como desde o século XVIII a tecnologia e informática vem sendo o interesse determinante da camada dominante de muitos países, é lógico percebermos como algumas ciências foram relegada ao abandono ou até desprezo.

No Brasil o pouco valor que a Filosofia tem é um exemplo disso.  Nas escolas, Faculdades ou Universidades públicas e particulares esta disciplina cursiva é a menos valorizada. E a que infelizmente, para muitos, deveria ser a que menos exigisse do aluno ou estudante universitário. Fica em questão por que tanto descaso para financiar e promover tal ensino filosófico? A função que mais me toca na Filosofia é a criação de uma consciência esclarecida e que apreenda o máximo, que puder, a realidade, nas suas contradições possíveis de serem mudadas. Essa função tem em vista a dignidade humana. Porém, será que o Estado, as grandes Instituições de educação estão querendo e promovendo isso, o suficiente?  Porque será que a educação é muitas vezes a menos valorizada? Quais forças estão determinando o descompasso e a hierarquização das disciplinas?

Na Grécia a Filosofia era a mãe de todas as ciências, hoje ela é promovida, por uma cultura persistente e ignorante, como um saber para quem não quer nada na vida. Essa visão errônea foi e continua sendo muitas vezes disseminada. Infelizmente a Filosofia ficou no porão do ensino educativo. Daí é preciso conceber a tal Ciência divina a sua vitalidade atual.

Se antes a Filosofia estava ligada inseparavelmente com a Teologia hoje vemos a triste tentativa de separação e desprezo das duas. O mercado tecnológico não promove a ligação e a valorização das duas. Hoje perdemos muito nisso, pois se desvinculamos a Teologia da Filosofia perdemos a fonte originária do conhecimento humano e do sentido mais profundo da vida. A separação das duas é como andar sem uma das pernas. O corpo não se sustenta.

Um grande exemplo que temos dessa vitalidade da Filosofia com a Teologia está a Igreja Católica. O vínculo entre essas duas Ciências é profético e sempre novo. Na Alegria do Evangelho e na Laudato Si’, dentre outros documentos da Igreja, vemos o quanto de valor e autenticidade existe no entrelaçamento entre esses dois saberes. Essa originalidade faz com que a Humanidade reveja sua jornada e refaça os seus caminhos para a plenificação do ser Humano e a sua abundante felicidade no encontro com o Sagrado. Sem, mais delongas: o mundo precisa de questionar o modo atual de vida que não dignifica o ser humano e encontrar novos caminhos que não sejam apenas reflexão ou mudança aparente, mas um encontro com o sentido profundo da existência que se depara com o Sagrado, o Absoluto, para a plenificação do Homem.






[2] Noviço Redentorista, Professor licenciado pela Universidade Estadual do Ceará.

terça-feira, 5 de julho de 2016

A educação: perspectiva kantiana e marxista.

  

         Isaias Mendes Barbosa


RESUMO

A presente reflexão trata da Educação-moralidade na perspectiva kantiana e sua relação com o viés político-pedagógico da orientação filosófica de Karl Marx. Tendo como base a obra Sobre a pedagogia (1803) do filósofo Immanuel Kant e a obra Textos Sobre Educação e Ensino de Karl Marx e Friedrich Engels, pretende-se fazer as seguintes considerações: i) A distinção entre a educação pública e privada na perspectiva kantiana.  ii) Leis imperativas da educação prática na moralidade kantiana; e, por último: iii) A concepção de educação na orientação filosófica de Karl Marx e seus contra pontos com o pensamento Kantiano.  As duas reflexões se mostram distintas e até certo ponto contraditória.  Porém, isso não descarta a sua relevância para o pensamento de uma educação inovadora que tanto promova um pensar reflexivo racional vinculado de outros saberes fundamentais da vida prática humana, como a cultura, a arte, a política, a literatura, dentre outros. Seguir os dois extremos é problemático, porém, tentar uma conciliação em seus diversos pontos continua sendo o nosso desafio e o novo percurso pedagógico a ser trilhado.
Educação- Kant-autonomia- Marx-Emancipação

Introdução

A Modernidade com suas mudanças de pensamento e, posteriormente, ascensão tecnológica é um período da história humana que não tem o mesmo valor significativo-filosófico sem duas personalidades marcantes, a saber, Emmanuel Kant (1724-1804) e Karl Marx. Enquanto Kant promove a revolução do pensamento com o criticismo, Marx, por sua vez, apresenta a revolução prática, no viés político social-civil. A duas personalidades são inovadoras e até contrárias: o primeiro se detém na razão como princípio a priori clarificador do entendimento humano, o outro se detém na história e luta de classe como elementos fundamentais para transformação social. Na dinâmica do pensar e do fazer os dois autores desenvolvem reflexões distintas de como tratar sobre a educação. Enquanto Kant se serve dessa para a gestação do homem autônomo, Marx se debruça sobre a mesma para promover a emancipação social humana.
Na obra Sobre a Pedagogia[1] Kant aborda princípios e conselhos práticos acerca da arte de educar. Neste sentido, o conceito de educação está entrelaçado com a concepção de moral. A obra é dividida em Introdução, Sobre a educação Física e Sobre a educação Prática. A obra trata do sujeito moral como objetivo principal da educação, pois ele desde sua nutris necessita de cuidados e orientações para se chegar à condição de homem e cidadão: a moralidade. Contudo, o processo educacional não se efetiva no sujeito de modo fechado e pronto, mas faz parte de uma continuidade no âmbito privado e público para construção da própria humanidade. O imperativo categórico [2]passa a ser à base da moral educacional em Kant e seu ponto culminante é o reino dos fins do homem: a importância da dignidade e valoração do homem possuidor de uma razão. 
Já A obra Textos Sobre Educação e Ensino de Karl Marx constitui um conjunto de textos que, no calor do século XIX, tratam do sistema capitalista e suas implicações ao sistema educacional precedente.  Não se trata de um sistema filosófico sobre a educação e o ensino ligado a uma moral imperativa, mas pontos do pensamento crítico-histórico-materialista de Marx sobre o Ensino e suas questões de vínculo cultural, social e político, indispensáveis para emancipação do homem. Diferenças e contradições são inevitáveis, porém o movimento da História não teria o mesmo valor sem essas duas personalidades.

A distinção entre a educação pública e privada na perspectiva kantiana.
           
  A obra Sobre a Pedagogia de Emmanuel Kant faz conexão da arte de educar com um aspecto essencial da prática humana: a moral. Porém, a lei que rege os princípios fundantes do agir humano é a racionalidade. Seguir a razão é o percurso que conduz o homem a sua verdadeira felicidade. Assim, a educação e a razão são equivalentes e produz no homem um ser autônomo, portador de dignidade e esclarecido.
            Segundo Kant a Educação é o modo essencial de formar o homem moralmente, pois o eleva da condição primitiva para a de homem. A Educação se faz pela formação que se efetiva, pela disciplina e pela instrução. A primeira é negativa, pois afasta do homem os seus defeitos, e a segunda é positiva, pois concede ao homem um direcionamento moral.  Com a Educação, portanto, o homem pode ser bom, mas sem esta ele pode ser um mau educador de sua geração futura, portanto:
O homem não pode se tornar um verdadeiro homem senão pela educação. Ele é aquilo que a educação dele faz. Note-se que ele só pode receber tal educação de outro homem, os quais a receberam igualmente de outro. Portanto, a falta de disciplina e de instrução em certos homens os torna mestres muito ruins de seus educandos. (KANT, 1999, p.15).
            Os espaços onde a educação se efetiva são dois: o da família e o do estado. O da família se refere à educação privada, o do estado, à pública.  As duas se relacionam, porém cada qual tem sua importância fundamental na formação do homem.        
           A educação pública diz respeito às informações e não sai do seu âmbito público e comunitário. A educação pública completa utiliza-se da instrução e formação moral, pois assim tanto molda o estado físico e preparatório, como a caráter próprio do homem, aquilo que se remete ao seu perfil e sua conduta. Neste sentido, ela comporta um local chamado Instituto de Educação, cuja finalidade é o aperfeiçoamento da vida doméstica ou familiar. Ao instituto se paga uma determinada quantia, a fim de manter o ambiente e surtir os educadores do Instituto. Este, ou escola pública, segundo Kant, tem um objetivo: “Estes devem prestar a realizar certas experiências e a formar pessoas aptas para que possam dar uma boa educação doméstica” (KANT, 1999, p.31). Daí que, inversamente proporcional ao mundo contemporâneo, a educação pública é a base fundamental da constituição e construção do homem em sua dignidade e cidadania.
            A educação privada submete o homem à prática dos preceitos. A ela ficam responsável os pais ou a outrem que o queira ou se responsabilize pelos seus filhos. O apoio de outrem faz merece o pagamento ou recompensa pelos serviços prestados, assim como se também faz na educação pública. Daí existe um problema que pode acontecer entre a responsabilidade dos pais e a dos que permanecem incumbidos de educar as crianças: “Mas tal educação, ministrada por auxiliares, tem a gravíssima circunstância de dividir a autoridade entre os pais e esses governantes. A criança deve regular-se pelos preceitos de seus governantes e, ao mesmo tempo, seguir os caprichos de seus pais.” (KANT, 1999, p.31). Com isso, é de fundamental importância os pais cederem à autoridade aos que se responsabilizaram pelos seus filhos. Dessa forma, torna-se possível uma organização e uma orientação moral, uma prática de preceitos que não está inclinado aos caprichos ou apego dos filhos, mas a vida civil e familiar.
            Em suma, a educação pública passa a ser a mais importante, pois a sua fundamentação está na educação do sujeito a fim de prover a sua cidadania e sua elevação da condição de menor idade à maioridade. É importante citar que no processo educacional as formas de educação e instrução da criança e do jovem têm uma finalidade de desenvolver a sua autonomia. Daí a proposta de orientação de um horizonte que o conduza à humanização e à dignidade do homem. A relação das formas de educação, do privado ao público ou vice e versa, é uma preparação que, por meio de vários recursos como brinquedos, alimentação, instrução, esportes, jogos, trabalho, disciplina, e desenvolvimento das disposições naturais do indivíduo, tenta promover as condições necessárias para se ter o homem capacitado tanto no seu aspecto físico, como no seu caráter e nos aspectos referente a sua índole e valores, ou seja, na sua moral. Alma e corpo passam a ser aquilo que deve ser trabalhado com o intento de promover a natureza a qual o homem está convidado a ser: livre, moral, sociável e cidadã.

 Leis imperativas da educação prática na moralidade kantiana.
             
            Para Kant, na cultura geral educacional existem os aspectos físicos e morais cuja finalidade é fortificar a personalidade do jovem em sua formação. Na formação física o jovem é mandado para a escola a fim de ser formado, porém a princípio a formação se faz pela disciplina e instrução. E a ele é imposto regras para serem seguidas. Nesse primeiro momento o homem não tem consciência das máximas a que ele dever se auto determinar, ou seja, ele se encontra no estado da menoridade. A lei, que está composta na disciplina e instrução é estranha a seu ver, porque ainda não foi despertado no jovem suas máximas internas, ou seja, ele ainda não tomou para si as normas necessária para boa convivência. Estas máximas faz parte do segundo momento que é o da formação moral, em que nele há desenvolvimento de máximas a qual deve se guiar. Aqui, a disciplina não tem mais utilidade, pois esta só tem a função de promover o hábito até que o indivíduo desenvolva seu entendimento para determinar sua realidade a partir de uma moralidade. Depois das máximas efetivadas pelas leis da razão, o homem não precisa depender da disciplina para efetiva sua ação. Daí se faz necessário que na formação educacional,
É preciso cuidar para que o discípulo aja segundo suas próprias máximas, e não por simples hábito, e que não faça simplesmente o bem, mas o faça porque é bem em si. Com efeito, todo o valor moral das ações reside nas máximas do bem. Entre a educação física e a educação moral existe essa diferença: a primeira é passiva em relação ao aluno, enquanto a segunda, ativa. É necessário que ele veja sempre um fundamento e a consequência da ação a partir do conceito de dever. (KANT, 1999, p.68).
            As máximas são inferências produzidas pelo indivíduo. Elas estão no campo do dever e do possível. Ou seja, o homem deve pensar se uma ação (passiva ou ativa) deve ser efetuada por ele e se essa ação tem um caráter geral, podendo se realizada por todo ser humano sem ofender sua integridade. Portanto, para se fundar uma moral no homem é preciso incutir essas máximas no jovem a fim de formar seu caráter:
Se se quer formar a moralidade não se deve punir. A moralidade é algo tão santo e sublime que não se deve rebaixa-la[...]. O caráter consiste no hábito de agir segundo certas máximas. Estas são de princípios a da escola, e mais tarde, as da humanidade. A princípio a criança obedece a lei. Até as máximas são leis, mas subjetivas; elas derivam da própria inteligência do homem. (KANT, 1999, p.76).
            A noção de dever passa a ser as máximas orientadoras da moralidade do jovem. E o ponto principal para que se tenha máximas válidas apodíticas[3] é a incondicionalidade do exterior ou de suas paixões, e a condicionalidade das leis da razão, para que o indivíduo se determine e haja em sua realidade, representando-a e efetivando-a. Dessa forma, o agir por dever é o imperativo impositivo que se encontra na vontade boa para efetivar as leis da razão e dever se relaciona em dois níveis: para consigo e para com o outro. No primeiro, o agir segundo a conveniência é o que consiste em conservar uma dignidade interior do homem como tal. O dever se faz na valoração e aderência da dignidade da natureza humana. A consciência dessa dignidade é algo fundamental na vida do jovem em sua formação:
Deve-se-ia fazer a criança perceber a dignidade humana em sua própria pessoa, por exemplo, no caso de solidez, a qual pelo menos desdiz da humanidade. A criança pode, porém, colocar-se abaixo da dignidade humana quando mente, desde que já possa pensar e comunicar seus pensamentos aos demais. (KANT, 1999, p.90)
            No segundo aspecto, o respeito e a obediência aos direitos humanos práticos devem ser a instrução a que se guia a vontade humana do formando. Essa obediência e respeito se faz necessária a fim de que o homem possa por em prática a efetivação da lei para que a mesma lei tenha um valor que ressalva a sua dignidade e da humanidade num sentido geral. Os valores da virtude, como a beneficência, o domínio de si, a lealdade, a decência, e pacificidade, a honradez, a modéstia e a temperança são elementos característicos que propiciam um melhor desempenho, uma melhor aderência a moralidade do formando. Portanto, a condição para o homem tornar-se moral é:
[...] quando eleva a sua razão até aos conceitos do dever e da lei. Pode-se, entretanto, dizer que o homem traz em si tendências originárias para todos os vícios, pois tem inclinações e instintos que o impulsionam para um lado, enquanto sua razão o impulsiona para o contrário. Ele, portanto, poderá se tornar moralmente bom apenas graças a virtude, ou seja, graças a uma força exercida sobre si mesmo, ainda que possa ser inocente na ausência dos estímulos. (KANT, 1999, p.85)
Com o imperativo, proporcionado pela educação, o homem chega ao seu estágio de autonomia, de maior idade. Isso quer dizer que a sua conduta não precisa ser moldada por leis exteriores, por normas e regras estranhas ao se ver e muito menos punições para repreensão de sua má conduta, mas sim que agora as leis naturais da razão fazem parte de sua personalidade e sua efetivação entra no campo da moralidade. Neste sentido o homem é determinação de si, a sua vontade boa é a própria razão que o conduz a um dever. Isso se realiza mediante a formação educacional do homem.

A concepção de educação na orientação filosófica de Karl Marx e seus contra pontos com o pensamento kantiano.

A educação-moral kantiana, como veículo para formação do homem se faz no percurso da superação da menoridade para maior idade. Nessa ascensão Kant apresenta a disciplina e a instrução como instrumentos determinantes para formação do homem até sua autonomia. Neste processo as leis imperativas já são introjetadas na pessoa e assumidas como necessárias e universais para a boa vivência. Porém a visão Marxista o processo educacional não assume essa função de esclarecimento e autonomia, mas de alienação. Pois o ensino, além de ser determinantes de interesses particulares de certa camada social dominante, não assume sua extensão e funcionalidade precisa: a construção do ser social em toda a sua totalidade. Mas se apresenta como pedagogia fragmentária, portanto, desvinculada de outros saberes fundamentais para uma prática social.
Os Textos Sobre Educação e Ensino de Karl Marx apresentam conexões precisas com quatro conceitos fundamentais para o ensino: Economia, Cultura, Educação e Trabalho. Esses conceitos giram em torno do pensamento marxista, tendo como destaque influente: o sistema capitalista na determinação da Cultura (Ideológica?), do Trabalho e do modelo educacional, na Modernidade.
O sistema educacional precisa passar por mudanças, uma vez que a educação se fragmentou, se dividiu, semelhante ao sistema do trabalho e as relações sócio culturais.  Na visão de Marx a mudança só acontece pela modificação das condições sócias, quando o sujeito, consciente de si e de sua práxis, luta para mudar as estruturas opressoras ou alienantes da educação. Educação, cultura e política precisam se reunificarem. Isso é possível com a proposta de uma educação libertária, que modifique a superestrutura e vincule educação, política, cultura e transformação socal.
Para Marx a divisão do trabalho reduziu a atividade do homem e, portanto, limitou a sua consciência social. Essa debilidade não só se realizou no campo psicológico, nas funções cognitivas humanas, mas no próprio domínio de sua atividade. O trabalho ficou dividido conforme o interesse do grupo social dominante: os capitalistas.
Enquanto que os intelectuais pensavam, ou seja, exercia o trabalho intelectual, os operários só trabalhavam, ou seja, exerciam o trabalho prático. Deste modo foi se dividindo em partes menores e se fragmentando o trabalho. Deste modo, tanto no sistema trabalhista como na educação, o processo de divisão e fragmentação se realizou. 
Marx apresenta como solução, do processo de alienação e divisão do trabalho, a luta e conquista pelo trabalho que falta aos operários, mas não se trata do trabalho prático-corporal, mas do trabalho intelectual. Deste modo, na perspectiva de Marx o Governo Estatal não pode intervir no ensino. Ou seja, O governo não pode dizer como as escolas devem agir, o que e como elas devem ensina. Esse fazer caberia propriamente para comunidade local.
Essa posição se mostra contrária à perspectiva filosófica educacional de Kant, pois enquanto Kant considera a autoridade da formação do homem priorizada pelo Estado, Marx apresenta o inverso, ou seja, quem está na práxis educativa é que deveria refletir e teorizar sobre o melhor modo e o que ensinar.  
Enquanto Kant afirma que o ensino deveria ser pago pela família, Marx na sua Carta afirma “que o estado deve pagar. [Pois,] É evidente que um ou outro terá de pagar, porem não é necessário que sejam os que menos podem fazê-lo.”
A Carta apresenta a proposta que combina o trabalho intelectual com o físico, os exercícios físicos com a formação politécnica. E a formação politécnica não deveria ser articulada pelo determinismo da divisão do trabalho, que impede o conhecimento profundo do ofício aos aprendizes. Educação e vida social, cultural e política são pontuações que no pensamento de Marx ganham grande relevância.
A crítica de Marx se dá as escolas elementares que não autoriza as “disciplinas que admitem uma interpretação de partido ou de classe. Nas escolas só se deve ensinar gramática, ciências naturais... As regras gramaticais não mudam, seja um conservador clerical ou um livre pensador que as ensine.”. Essa crítica se realiza ao sistema precário e manipulador do ensino que está determinado pelo sistema político-econômico, pela cultura dominante e pelos intelectuais, ou capitalistas opressores.
Se para Kant Educação e Moral racional são equivalentes, então existe a priori, na formação da pessoa, os princípios fundamentais, imperativos categóricos, que regem e conduz o fazer humano. Marx, por sua vez, não parte do pressuposto inalterável de uma educação assertiva e formadora da civilização, mas coloca em questão a veracidade da própria formação de ensino como verdade imutável, pois, o próprio sistema educacional está determinado por forças maiores: o interesse das classes dominantes, que se sobrepõe a classe dominada.
Portanto, a escola tem uma função política, social e cultural. Ela está ligada ao trabalho e os interesses de classes, que ele chama de intelectuais, que precisa ser superado. As pinceladas sobre a educação marxista segue os ditames político e o movimento dialético da história. Para Marx mudar a estrutura é um percurso da ação prática do ser humano e a educação pode promover isso, desde que o trabalhador vá para luta e conquiste seus direitos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Portanto, a pedagogia de Kant aponta os caminhos que a educação deve percorrer como um objetivo prático e fundamental: a formação do homem, sua moralidade, sua cidadania e o seu valor significante. Observar o homem nos seus estágios de formação é perceber que a natureza humana é algo que se constrói e se molda ao seu destino: a perfeição. Porém, para que esse progresso se realize é necessário o papel da educação. Ela, diferente de hoje, não só tem o dever de informar, mas de formar a personalidade do indivíduo a ponto deste agir moralmente. Neste sentido essa preocupação não se refere como impositiva e limitante do caráter do homem, mas na promoção da dignificação do mesmo. É de salutar importância entender que a educação, para Kant, tem a função de seguir o rigor da razão, pois esta é o que constitui essencialmente a natureza humana e a que a difere dos demais seres.
Por outro lado a filosofia marxiana considera no ensino da formação pedagógico-humana os aspectos econômicos, a sua relações sociais, culturais, e ontológicas. O fator econômico, fundamento do trabalho, adjunto das relações de produção e sociais, são determinidades que, na perspectiva de Marx, são como categorias no decorrer da história, que precisam serem apresentadas no ensino para que este não se limite a pretensão de interesse de uma classe dominante. O objeto de análise de Marx é o movimento histórico humano da produção de si, de sua consciência e suas implicações econômico-sociais-pedagogicas. O homem, a natureza e suas relações sociais e o sistema educacional, estão em diálogo e interação permanente na história.
Daí fica a pergunta fundamental referente a educação: a educação atual tem construído um homem melhor e consciente do seu agir social e das categorias que compete ao seu caráter pessoal, político, social e espiritual, ou ela apenas está preocupada em informar as crises mundiais que tem como fundamental produtor efetivo a humanidade que inclina sua vontade para o suicídio de sua espécie? Uma mudança no pensar e na forma do homem ser e agir pela sua educação se faz necessário. Quem sabe o campo da racionalidade e os aspectos das exigências sociais possam dá a sua parcela de contribuição?!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MARX, Karl; ENGELS, Friedrich.Textos sobre Educação e Ensino.Campinas, SP: Navegando, 2011.



[1] A obra é resultado de um curso ministrado entre 1776/77, 1783/84, por Kant na Universidade de Königsberg, e publicado pelo seu discípulo Theodor Rint em 1803.
[2] Trata-se das leis da razão a que se determina o homem. O livro Fundamentação da Metafísica dos Costumes é a obra que conceitua a ideia de imperativo categórico. Ela fala, pois, de normas que regem o dever do homem. São máximas que conduzem o homem a uma ação prática.
[3] Refere- se às máximas que são universais, portanto hápitas para todos e necessárias, pois constituem uma exigência da razão.