terça-feira, 28 de junho de 2016

O processo da não-liberdade para a Liberdade: uma efetivação da negação para uma racionalidade da consciência autônoma na perspectiva marcusiana.


Introdução
O percurso da história, o progresso e desvelamento da revolução industrial é marcado por mudanças significativas no processo de civilização humana, apesar de se observar um rompimento com os paradigmas da tradição antiga, tal evento revolucionário trouxe, com a novidade do desenvolvimento tecnológico industrial, económico e produtivo, uma aparente ideia de suprimento e resolução das necessidades humana e a promoção do bem-estar da sociedade civil industrial.
Tal proposta teria a objetividade de promover a Liberdade e Autonomia humana para uma vivência prazerosa e gratificante, porém isso não se realizou no status quo. A negação da liberdade e do direito conforme a tradição esperançava foram os primeiros passos de delimitação da autonomia humana.  A proposta camuflada de liberdade comercial e ascensão econômica retardou o processo da racionalidade humana e gerou na história humana exploração dos meios de produção, da tecnologia, da economia, do trabalho e da vida civil industrial.
As contradições do próprio sistema capitalista foram conciliadas com o eixo de desenvolvimento para que não houvesse uma consciência crítica da debilitação de tal sistema. Novas formas de alienação foram impostas, não mais só nos meios trabalhistas, mas na própria consciência do homem. Sair de tal determinismo se tornou o grande desafio dos contemporâneos de Marcuse. Urgi a retomada e atualizada dos elementos principais e motivadores da revolução industrial: a Liberdade e Autonomia. Para esse empreendimento se promove uma proposta de negação do estado estabelecido e uma observação sobre as contradições nas estruturas fundamentais do sistema determinante.
Tal apreensão requer uma observância das verdadeiras necessidades humanas em contrapartida com o estabelecido. A partir da negação realizada por um processo mediático-reflexivo e crítico pode-se observar novos passos para Liberdade humana. Esse processo se realiza pelo descobrimento de uma não liberdade determinista tecnológica industrial para promoção de uma racionalidade da consciência humana para tornar o movimento da história conforme sua lógica racionalista desvelada: o progresso da autonomia humana e da sua Liberdade fundamental. 
   
          1)      O estado contemporâneo da industrialização: a não-Liberdade da racionalidade humana e um conformismo determinista.                                                                                                                                                                                         
A civilização industrial avançada ou contemporânea apresentou um progresso racional tecnológico, econômico e industrial que pretendia, nas suas formas de organização, satisfazer as necessidades humanas e conformá-las ao sistema estabelecido, o status quo, e suas determinações impositivas. Tal período é determinado pela negação das raízes tradicionais, princípios e valores motivadores originários da sociedade industrial, e pelas contradições internas do atual sistema de governo determinista e elitista até então: como uma ‘não-liberdade confortável” e conformista da massa populacional ao status quo, uma perca da racionalidade e da independência econômica das classes populacionais frente a outras alternativas de equilíbrio econômico e desenvolvimento social, e a privação da criticidade do pensamento autônomo,  independente e deliberativo das classes. Tal estado totalitário impôs novas formas de repressão da Liberdade e racionalidade humana no seu âmbito crítico e autônomo.

                a)      A recusa da liberdade tradicional.

Se por um lado houve mudanças paradigmáticas com a inovação tecnológica industrial na ascensão capitalista, que fez a civilização superar a situação tradicional de comercialização, trabalho e produção de bens, por outro, tais princípios da razão tecnológica, negaram a liberdade e o direito dos setores de baixa produtividade comerciais tradicionais. Neste sentido tais impedimento de liberdade de consciência, pensamento e palavras, defendidos pela tradição foi relegado ao silencio e a submissão ao sistema econômico e comercial determinante. Deste modo a participação e autonomia dos grupos ou indivíduos na promoção da liberdade e do direito para outros meios alternativos de comercio e economia foram sufocadas pelo sistema dominante e totalitário alienante de dominação.
“Os direitos e liberdades que eram os fatores vitais nas origens e nos estágios iniciais da sociedade industrial se rederam ao estágio superior dessa mesma sociedade, esses direitos e liberdade estão perdendo sua razão e seu conteúdo tradicionais”. (MARCUSE, 2015, p.41)

               b)     A liberdade oferecida pelo status quo.

A proposta de liberdade do status quo se reduziu ao determinismo industrial do trabalho exploratório em vista do progresso econômico. Liberdade para o trabalho industrial ou para a morte humana, devido a escassez dos meios de trabalho agrícola ou da seca, foras as duas opções que a população do campo teve. O avanço tecnológico promoveria a liberdade econômica, política e empresarial dos setores que tivessem uma renda per capita equilibrada e possuíssem os meios de produção tecnológica para o capital de giro do mercado vigente. A ascensão econômica e maquinaria tecnológica era a proposta ideal e determinante do desenvolvimento capitalista e da facilitação do trabalho humano, ou da força de trabalho. A esperança da racionalidade tecnológica motivou uma liberdade e dignidade humana aparente, pois com o auge da tecnologia o homem “seria livre para exercer sua autonomia sobre a vida que seria propriamente sua”, se o aparato produtivo pudesse ser organizado e dirigido para a satisfação das necessidades vitais humanas. Porém tal proposta não se efetivou, com as contradições do sistema.
“A livre iniciativa não foi. Desde o início, uma vantagem. Enquanto liberdade para trabalhar ou morrer de fome, isso significou labuta, insegurança e medo para uma grande maioria da população”. (MARCUSE, 2015, p.42)

             c)  A atividade de um estado totalitário e o determinismo racional tecnicista.

No estabelecimento do desenvolvimento tecnológico industrial o sistema impôs suas exigências econômicas e políticas de defesa e expansão sobre o tempo de trabalho humano, o tempo livre, a cultura material e intelectual da época. Tem-se nesse sentido, o totalitarismo industrial que dominava pela manipulação das necessidades humanas por interesses alheios e de uma minoria. Deste modo a ação determinante foi a posse sobre os processos mecânicos e o aparato tecnológico, mobilizando, organizando e explorando a mobilidade técnica, mecânica e científica da civilização industrial. A maquinaria superou a força de trabalho humano e se tornou o bem mais valioso do desenvolvimento econômico e da política das organizações determinantes. Porém tal situação é visto por Marcuse como um processo que instaurou a Liberdade humana.
“Atualmente, o poder político afirma-se por meio de seu poder sobre os processos mecânicos e sobre a organização técnica do aparato”. (MARCUSE, 2015, p.43)

                  2)      A atualização da tradição libertária: a negação da negação do status quo para uma Liberdade efetiva.

As consequências negativas da Evolução tecnológica são os primeiros passos para mudança paradigmática da noção de liberdade, consciência e autonomia social. Até então o sistema dominante havia promovido contradições na civilização contemporânea industrial com a privatização dos meios de produção, a exploração tecnológica e trabalhista e a homogeneização do comercio e a negação das tradicionais formas de economia, governo e formas de relações de produção que pretendiam uma “livre sociedade”. A nova proposta de liberdade e autonomia não pode ser definida em termos tradicionais, pois tais propostas antigas estão desvinculadas do seu contexto histórico. Essa recusa da tradição e a atual situação de não-Liberdade no estado estabelecido requer uma atualização da proposta de ‘sociedade livre’ que supere as contradições do sistema vigente, ou seja, reafirme a necessidade a consciência autônoma, dignificante e efetiva da Liberdade humana.
“Se o indivíduo já não fosse mais forçado a ser bem-sucedido no mercado, como um sujeito economicamente livre, o desaparecimento desse tipo de liberdade seria uma das maiores realizações da civilização”. (MARCUSE, 2015, p.42)

               a)       A consciência de servidão para o processo libertário pela negação.

O modelo de domínio predominante na sociedade contemporânea industrial desenvolveu nos meios sofisticados de alienação, estes não se reportam há um estranhamento da atividade do sujeito com o produto do seu trabalho, ou a uma desapropriação dos meios de trabalho. Tratasse de uma identificação do sujeito com seu objeto de trabalho e uma introjeção da consciência alienada nos fatos, aparentemente ausentes de contradições. Tal situação de manipulação da consciência humana tem objetivação de sua função servidora e mantenedora da situação determinante e totalitária da regência oligárquica governamental. A libertação humana depende dessa consciência que precisa ser superada. E não tem como propor novos caminhos libertários se não se assume uma postura distinta, contrária ou negativa ao sistema determinante. Daí se impõe a necessidade de novos caminhos que promova uma racionalidade libertária humana.
“São necessários novos modos de realização, que correspondam às novas capacidades da sociedade. [...]. Esses novos modos só podem ser nomeados com termos negativos porque eles equivaleriam à negação dos modos predominantes”. (MARCUSE, 2015, p.43)

               b)     A negação como caminho libertário.

A negação é positiva, ou seja, trata-se de um esclarecimento e afirmativa acerca das contradições em que se depara a sociedade civil regida pelo sistema vigente. A ausência de autonomia e controle sobre a própria existência humana é um dos impositivos, além do determinismo trabalhista e das situações homogêneas de necessidade e satisfação. Por meio de tal percepção mediática-racional-reflexiva e da negação de tal situação camuflada de bom senso é possível a abertura para novos caminhos, que liberte o ser humano das forças e econômicas, sociais, políticas, ideológicas, intelectuais e alienantes da sociedade. A mais efetiva e duradoura guerra para promoção da Liberdade humana se reporta a quebra das falsas necessidades materiais e intelectuais que se perpetuam nas formas de domínio e manipulação do status quo.
“Assim, a liberdade econômica significa a libertação da economia-de ser controlado pelas forças e relações econômicas; libertação da luta diária pela existência, de ganhar a vida. A liberdade política significaria a libertação dos indivíduos em relação às políticas sobre as quais eles não têm qualquer controle efetivo”. (MARCUSE, 2015, p.45)

               c)      A negação da Liberdade pelo novo modelo sofisticado de alienação.

A predominância do controle social tecnológico capitalista utilizou-se da igualdade de meios compensatório universais para promover e satisfazer as necessidades de toda a população para preservação do estado estabelecido. Essa medida paliativa chamada de nivelamento das classes tentou amenizar as contradições do próprio sistema capitalista. O meio para realização de tal efeito ilusório reparador foi a construção de necessidades sociais do âmbito público para o âmbito privado ou individual. Deste modo uma mesma medida tomada, como os meios de comunicação, tanto servem como instrumento de informação e entretenimento, como meios de manipulação e doutrinação. No mundo produtivo o controle técnico parece incutir a própria encarnação da Razão em benefício de todos a tal ponto de todas as contradições do sistema predominante parecerem irracional. Assim se instaura medidas que tentam repelir qualquer oposição ao estado estabelecido disfarçado de influência e Liberdade, e introjeta na mente humana a ausência de qualquer contradição entre o status quo e seu programa, pautado na tecnologia, de manipulação e redução das disparidades exploratórias do sistema.
“Nós estamos novamente diante de um dos mais irritantes aspectos da civilização industrial avançada: o caráter irracional de sua racionalidade. Sua produtividade e eficiência[...], a dimensão com que essa civilização transforma o mundo objetivo em uma extensão do corpo e do espírito (mind) torna             questionável a própria noção de alienação. As pessoas se reconhecem em suas mercadorias’. (MARCUSE, 2015, p.47)

                 3)      A necessidade do processo mediático para Liberdade.

A libertação das formas de opressão e manipulação social dominante, não pode ser realizada sem uma reflexão crítica racional acerca do sistema determinante e sem a efetivação de novos caminhos.  Não se trata de uma observação imediata e muito menos de uma ação imediata, mas da observância de processos. Neste sentido entra em questão a análise do sistema e das suas formas de manipulação totalitárias. Alguns elementos de tal processo são a inversão de necessidades fundamentais por necessidades supérflua, a introjeção de uma mentalidade elitista como meta de vida, a aceitação de forças exteriores que apresentam verdades dogmáticas que devem ser mantidas. Todos esses elementos são fundamentais para manter a dinâmica do capital, as formas de manipulação e consumo desenfreado, e a resistência a mudanças necessárias. Esses processos nos mantem na rotatividade do estabelecido e é responsável pela miséria humana, pelo medo, pela injustiça e pela estagnação da racionalidade como caminho de Liberdade. Superar tal estado é promover novos percursos é o desafio.

             a)      As falsas necessidades do status quo.

Se a contemporaneidade industrial avançada tomou outras medidas de domínio e manipulação isso se realizou pelo estabelecimento de necessidades ao população. As determinações do que era satisfatório ou insatisfatório, desejável ou indesejável, desfrutável ou destrutível, prazeroso ou o oposto. Tais coisas foram necessidades importas que induziu a maioria ao acolhimento e a manutenção dos bens supérfluos de consumo. Tais necessidades perpetuam labuta, agressividade, miséria e injustiça. Sua realização não gerou a felicidade humana geradora de paz e bem-estar, mas uma euforia na infelicidade. A maior parte delas como o descanso, o divertimento, o comportamento e o consumo de acordo com os anúncios propagandistas da classe dominante pertencem as categorias de falsas necessidades que devem ser negadas.
“Nós podemos distinguir entre necessidades verdadeiras e falsas. ‘Falsas’ são aquelas que são superimpostas ao indivíduo por interesse social particulares para reprimi-lo” (MARCUSE, 2015, p.44)

              b)     As necessidades fundamentais humanas.

As necessidades úteis e fundamentais para a humanidade foram aquelas ligadas as necessidades vitais, ou seja, essenciais para a manutenção e subsistência da existência e cultura social e intelectual humana. Partir destas necessidades é possível observar outras sublimadas pelo processo técnico determinante e outras não-sublimadas. Todas elas precisam estar ligadas ao desenvolvimento do indivíduo e de toda a população para a melhor e mais útil dos recursos materiais e intelectuais disponíveis. Por meio de tais observações é possível instaurar propostas inovadoras e o movimento história da própria realidade na sua racional efetivação. Porém para que tal Liberdade se esclareça e se efetive é preciso sua relação com o movimento da história e as imposições do estado contraditórias do status quo.
“As únicas necessidades que possuem uma pretensão absoluta à satisfação são as necessidades vitais-alimentação, vestuário e moradia possível em certo nível cultural”. (MARCUSE, 2015, p.44)

              c)      O imperativo da autonomia humana sobre as suas verdadeiras necessidades e satisfações.

Se a libertação de tal paradigma tecnológico e governo totalitário requer uma negação do estabelecido, é autonomia e autoconsciência humana precisa estar em posse de sua deliberação e livre de qualquer determinismo. Deste modo é o próprio indivíduo, e não os tribunais ou sistemas de decisões políticas, éticas e jurídicas, a decisão ou resposta sobre o quais são as necessidades reais humanas e as falsas necessidades. A retomada do direito e deliberação do sujeito sobre quais necessidades são relevantes no processo de dignificação e Liberdade humana é uma ação que exige como pressuposto a não determinidade exterior da efetivação da consciência humana, ou seja, de sua autonomia. Daí se justifica a negação de qualquer determinismo exterior ou estranho a consciência ou pensamento humano, para sua verdadeira Liberdade como efetivação de um novo processo autônomo que estar por ser desvelar.

“Em última análise, a questão sobre quais necessidades são verdadeiras ou falsas deve ser respondida pelos próprios indivíduos, mas apenas em última análise; ou seja, se e quando eles são livres para dar sua resposta”. (MARCUSE, 2015, p.45)  

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Bem-aventurada Maria Celeste Crostarosa: rascunhos de espiritualidade.


Vós me fazeis ver que coisa é a vida de minha alma em vós: [...] E minha Alma, deixando qualquer outra ocupação com objeto criado, é atraída por vossa suavidade acima de qualquer coisa exterior ou interior. Tudo deixa por vós e tudo renuncia por vós, até a alguma reflexão razoável que pertença ainda a mim mesma, com o ato que eu chamo de pureza, tudo cede a vós.  (Diálogos  de uma Alma com seu Senhor, Jesus )
Julia Marcela Santa Crostarosa, esse era nome de batismo da atual Beata Madre Celeste Crostarosa. Nasceu no dia 31 de outubro de 1696 na paroquia de São José Maior, na cidade de Nápoles. Filha de Paula Batista Caldari e José Crostarosa, a boa monja pertencia a alta magistratura, porém poucos diriam que, semelhante a Santo Afonso, essa monja deixaria tudo para levar a todos para Cristo, com seu modo de vida contemplativo e sua espiritualidade cristocêntrica. Sua família era de uma profunda vivência religiosa.  E os primeiros passos de sua vida fazem parte de uma experiência intima com Jesus Cristo, e a vivência dessa intimidade.
Na introdução da Autobiografia (Trad. Port. Pe. J. B. Boaventura, p.17) ela escreve na terceira pessoa do singular: “Foi-me ordenado por vontade do Senhor, por quem me pode mandar, que eu escrevesse as misericórdias liberalíssimas feitas por Nosso Senhor Jesus Cristo, por sua só bondade, a uma alma religiosa, chamada por Ele em seu seguimento desde a sua mais tenra idade. [...] Por isso peço e tenho pedido ardentemente ao Senhor, [...], para que eu acerte sua Divina Vontade.” Acertar a Vontade de Deus, é, semelhante a São Geraldo, de modo resumido, toda a intenção, pensamento e ação de Madre Celeste Crostarosa. 
Aos 11 anos Madre Celeste faz a primeira confissão, na Igreja de Santo Tomás de Aquino, e promete dar-se toda a Deus. Orientada pelo seu confessor, um padre dominicano, começou a praticar a oração mental pela leitura das meditações da São Pedro Alcântara, intituladas de Alimento da Alma. Sua vida de oração, ao contrário do método comumente praticado pelo Bispo Falcoia, não estava apoiada na meditação e prática formais das virtudes. Pelo contrário, sua espiritualidade, sua vida de oração, estava apoiada na sua interioridade com Deus, num Deus que fala ao seu coração e pelas Sagradas Escrituras, na Eucaristia, em seu interior, pela comunidade e nos sinais dos tempos. E o resultado desta unidade e intimidade, que ela descreve tão detalhadamente no Diálogos da Alma, está ligada a uma encarnação de vida prática, das obras e ensinamentos realizados por Cristo.
Na vida religiosa, a Crostarosa entra no Carmelo de Marigliano e, por conseguinte, no mosteiro da Visitação em Scala. Neste ela recebe uma revelação divina para fundação de um instituto religioso: “No dia das Rogações do ano de 1729 no mês de abril, indo comungar a referida religiosa, se fez na sua alma, de novo, aquela transmutação de seu ser no de Nosso Senhor Jesus Cristo. (...) Então lhe foi dado a entender um novo Instituto que o Senhor colocaria no mundo por meio dela. E que Nele e na sua Vida, se encerravam todas as leis de seu viver e sua regra” (Ibidem, p. 61). Deste modo Madre Celeste se torna a fundadora da Ordem do Santíssimo Salvador, posteriormente, modificada pelo nome de Ordem do Santíssimo Redentor.
A fundação do Instituto não foi fácil. Inclusive a própria monja se questionou acerca da verdade da revelação divina e da concretização da vontade de Deus nesse Instituto. A confirmação desta obra se fez na sua abertura, entrega e confiança total ao projeto de Deus. A espiritualidade e proposta religiosa crostarosiana tinha uma orientação precisa: ser uma viva memória de Jesus e isso exige a plena transformação em Cristo. Desse modo Deus fala ao coração de Madre Celeste, nas Spicilegium Historicum:
Imprimi, portanto, em vosso espírito a sua vida e a verdadeira semelhança de sua imitação e sede na terra, vivos retratos animados de meu dileto Filho, sendo somente ele vosso chefe, o vosso princípio... A vossa vida será regulada pela verdade por ele ensinada nos santos Evangelhos, nos quais estão escondidos todos os tesouros do céu, a fonte da vida (C. Ss.R. 16 (1968). 18).
É pela vontade de Deus que Madre Celeste se tornou a fundadora da Ordem do Santíssimo Salvador e a Inspiradora da Congregação do Santíssimo Redentor. Essa inspiração costrarosiana está até hoje inserida nas nossas constituições, assim como no nosso modo de vida apostólico. Assim como o filho de Deus veio ao mundo por intermédio de Maria, foi pela presença de Madre Celeste Crostarosa que a Congregação do Santíssimo Redentor teve origem. Uma coisa que não podemos descartar nessa fundação masculina e de modo geral é o aspecto trinitário (Crostarosa-Geraldo-Afonso) por onde se apresenta parte do caráter espiritual-carismático-missionário da Congregação dos Redentoristas. Que a bem-aventurada Maria Celeste Crostarosa interceda por nós, Redentoristas, para vivermos o nosso carisma fundacional com empenho, zelo, dedicação e serviço, na promoção do Reino.


domingo, 5 de junho de 2016

Filosofia como “produção conceitual” de Silvio Gallo e o ensino pedagógico na sala de aula.



O artigo Filosofia e o exercício do pensamento conceitual na educação básica de Silvio Gallo trata sobre a atividade do pensamento filosófico, ou da Filosofia, como produção de conceitos. Silvio categoriza três tipos de pensamentos na tradição, a saber: a) o pensamento por imagem, referente a tradição oral antiga, isto é: mitológico-poético-figurativa; b) o pensamento por palavras, escriturístico-teórico-conceitual; c) e o pensamento mediático informático-operacional-simulativo. Dessa divisão se observa três polos do espírito, que são os três momentos da história do conhecimento humano; o polo da oralidade-figurativo-imaginética, o polo da escrita que resultou na constituição da filosofia e do saber científico, e o polo da informática, da revolução tecnológica. Cada um desses polos apresenta características próprias e diferentes impactos sobre o conhecimento e a pedagogia do ensino filosófico. Para Silvio:
[...] podemos afirmar que a oralidade engendra um saber do tipo narrativo, baseado na ritualidade; a escrita, por sua vez, apresenta um saber teórico baseado na interpretação, enquanto que a informática possibilita um saber operacional baseado na simulação[1]
Porém apesar da particularidade de cada conhecimento e modalidade específica de praticidade, os três conhecimentos se relacionam. Pois podemos relacionar o pensamento por imagens com a oralidade, produzindo narrativas, e o pensamento por palavras com a escrita, produzindo teorias. O pensamento por conceitos proveio da Grécia Antiga, muito distante destas tecnologias que apenas nas últimas cinco décadas estão sendo desenvolvidas. Enquanto que na sociedade contemporânea existe uma hierarquia de valores que exalta o pensamento operacional na modalidade tecnológica em detrimento das outras duas modalidades de pensamentos, Silvio sustenta que o que é próprio e desafio do saber filosófico, ou da Filosofia, é a produção de conceitos. Esta é a maior dificuldade nos tempos atuais na sala de aula. Seguindo o pensamento filosófico de Deleuze e Guattari, Silvio afirma que: “O pensamento por conceitos é esta diferença em relação ao pensamento projetivo que colonizou nossas mentes na oralidade e na escrita”.[2] A filosofia é concebida como,
[...] a atividade de criar conceitos. Isso quer dizer que, no exercício da filosofia, não pensamos por palavras? Exatamente. Na filosofia, usamos também palavras como ferramentas, mas elas são apenas uma forma de expressar os conceitos, assim como elas também expressam as figuras e imagens, através de metáforas e parábolas. O essencial do pensamento filosófico é o trato com os conceitos.[3]
O conceito é uma representação universal. O conhecimento por conceitos chama-se pensar, porém não se trata daquele tipo de conhecimento como reprodução dogmática de ideias ou pensamentos, mas uma ruptura em tal método disciplinar de prática educativa. Romper com o engessamento do pensamento é a proposta de Silvio e missão da filosofia na sala de aula. Deste modo:
Os conceitos, ao contrário são mobilizadores e motores do pensamento, estão para fazer pensar, não para paralisar, imobilizar o pensamento. Cada conceito remete a outro conceito, a outro problema. Cada conceito conecta-se com vários outros e pede novas conecções.[4]
Superar a Doxa é o desafio da filosofia na sala de aula. A produção conceitual não é um simples pensar, mas um conceituar a realidade na sua universalidade, a partir de um problema, e de uma realidade sensível. Portanto, a filosofia não está somente no campo teórico, mas na experiência prática humana. Neste sentido a proposta de Silvio Gallo impõe para o ensino de filosofia algo mais do que reprodução de pensamento, isto é, uma proposta não de e ensino vertical, mas um estímulo no aprendizado filosófico, na própria prática conceitual. Não se trata de um método ou forma específica, mas uma abertura para autonomia da consciência humana na construção do saber e produção filosófica. Deste modo, podemos perceber que filosofia não é reprodução, mas transformação, que gera a construção de novos conceitos e novos problemas. Essa prática na sala de aula é desafiante para o professor, pois requer mais do que uma sabedoria memorística, mas uma sensibilidade para perceber as diversas direções que podem ser construídas para a produção conceitual na escola. Estimular ao filosofar é o principal desafio no ensino. Pois requer algo mais do que uma sala de aula e conteúdos reflexivo. É como dar a luz a um filho pelo qual não se sabe o que será, mas que precisa, com dores e esforço, ser encarnado na realidade.



[1] GALLO, Silvio. Filosofia e o exercício do pensamento conceitual na educação básica. Uberlândia, 2008, p. 55.
[2] GALLO, Silvio. Filosofia e o exercício do pensamento conceitual na educação básica, p.62.
[3] Ibidem, p.62.
[4] Ibidem, p.65.