domingo, 15 de março de 2020

São Clemente e a pastoral de cuidado ao estrangeiro



       No bicentenário da morte do Missionário Redentorista São Clemente Maria Hofbauer (1751-1820), vamos falar de sua pessoa e do trabalho pastoral desenvolvido por ele junto aos migrantes. Ao tratar deste santo nos situamos na transição do século XVIII para o XIX: tempo do Iluminismo, do racionalismo, do desprezo pelas artes liberais e literatura. O tempo de atrito entre Iluminismo e Romantismo. O imperador José II queria o monopólio das Igrejas em seu território, o pós-jansenismo ou josefinismo planejava uma catolicidade manobrada pelo Estado austríaco. Este estava integrado à Polônia. Nesse período o fluxo migratório se dava entre franceses, alemães, poloneses, russos  e etc.
Clemente fez parte desse universo e até chegou a assumir uma identidade missionária peregrina em 1775 quando se tornou “eremita” em Mühlfrauen e Tivoli, perto de Roma[1]. “Clemente Hofbauer foi toda a sua vida um incrível andarilho. Viajava o mais das vezes a pé. O peregrinar também lhe estava no sangue. Sendo ainda aprendiz de padeiro, tinha uns 18 anos, fez a primeira grande peregrinação a Roma”[2]. Esteve na Itália durante meio ano e depois se dirigiu para sua terra, a fim de ser peregrino em sua pátria. Em dois espaços se situam a ação pastoral de Clemente, relacionada com o migrante: Varsóvia (de 1787 a 1808) e Viena (de 1808 a 1820).
No primeiro caso, em consequência das três divisões da Polônia (1772/1793/1795), Varsóvia foi ocupada pelos russos, pelos prussianos e austríacos no reinado de Estanislau II. Mortes, violência e atrocidades fizeram parte deste contexto. Havia em Varsóvia uma instituição que alojava migrantes pobres, doentes, crianças órfãs e que fazia parte da confraria de São Bento. Clemente assumiu esta confraria. Para dar assistência aos abandonados e migrantes criou a) a escola para crianças pobres, b) a escola de humanidades, c) a escola industrial ou de trabalhos manuais e d) o orfanato e acompanhamento (HEINMANN, 1988, p.63-69). A ação pastoral ética do amparo, da misericórdia, do resgate da pessoa e da dignidade humana e do acompanhamento humanista configurou uma das principais preocupações de São Clemente.
Viena contrasta com as mudanças que aconteceram na Europa: a Revolução Francesa e as guerras napoleônicas. “Nesse tempo, morava em Viena cerca de 250 mil pessoas de diversas nações e, dessas, 50 mil dentro dos muros da cidade. A situação social se configurava cada vez mais crítica” (SCHERMANN, 2007, p.117). A responsabilidade pastoral ética de São Clemente estava na instrução do povo, o cuidado com o pobre e a saúde pública. Em maio de 1890, Napoleão sitia a cidade. O imperador francês selou uma paz humilhante com a Áustria, com o custo de dezenas de milhares de feridos nos hospitais. A responsabilidade para com os abandonados fizera Clemente passar significativa parte do seu tempo cuidando deles, dentre os quais estavam os emigrantes regionais e os de fora. Aqui está retratada a compaixão samaritana para com os migrantes além dos nativos. A benignidade pastoral fez Clemente praticar o cuidado espiritual das almas por meio da confissão, penitência,pregação,conselho, benevolência etc. Assim se dei o testemunho pastoral, sacramental e social deste zeloso Redentorista. Que São Clemente nos inspire frente as realidades da migração na contemporaneidade.

Texto extraído do segundo capítulo da minha monografia "Traços éticos da Migração: das Sagradas Escrituras à Contemporaneidade". Tal monografia foi entregue no último semestre do curso de Teologia na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, no ano de 2019.


[1] SCHERMANN, Hans (Org.). São Clemente Maria Hofbauer: perfil de um Santo. Aparecida, SP: Editora Santuário, 2007, p.19.
[2] HEINZMANN, Josef. Vida de São Clemente Hofbauer: anunciando novamente o Evangelho. Aparecida, SP: Editora Santuário, 1988, p.23.