domingo, 15 de maio de 2016

Mártires Redentoristas da Ucrânia e Tchecoslováquia: testemunho de fé e profetismo em tempos difíceis, de provação.


Resumo-
O século XX é período de conflitos de poder- sociais, territoriais, políticos e econômicos- na Europa. Tempo da 1ª e 2ª guerra mundial. Revolução stalinista, bolchevista, comunista e da repressão totalitária soviética. A Ucrânia e Tchecoslováquia estão na zona de atrito e é alvo de tamanhas mudanças. É neste ambiente que os Mártires Redentoristas se situam e sofrem as consequências dessa repressão à nação ucraniana, theca e à Igreja Greco-Católica. Por não abdicarem da fé, do Reino e dos mais abandonados dessas realidades, eles foram martirizados até morrerem. Tendo como base a obra Mártires Redentoristas traduzida do italiano pelo Pe. Afonso Paschotte (CSsR), além de outros textos e pesquisas complementares, pretende-se na presente pesquisa esboçar alguns elementos significativos do itinerário dos Mártires da Ucrânia e Tchecoslováquia. Estes são heróis da fé, da Igreja e da nação. Que seu testemunho impulsione a missionariedade e identidade Redentorista nos novos tempos.   


Introdução

Para os Missionários Redentoristas o século XX não pode ter o mesmo valor significativo sem a presença dos Mártires Redentoristas da Ucrânia e Tchecoslováquia.  Tais personalidades missionárias, históricas, exemplares, testemunhais, proféticas e redentoras, marcam a nossa vida e missão até os tempos atuais. Eles foram testemunhas fidedignas do carisma de nosso fundador, Santo Afonso. E nos inspiram, ainda hoje, a sermos ‘continuadores’ ou ‘memórias vivas’ do Cristo Redentor, em meio às diversas realidades pastorais e missionárias que enfrentamos.
A fé impregnada na vida cotidiana, na prática transformadora e no anuncio profético (ativo e testemunhal) da boa nova de Jesus Cristo, são elementos marcantes da Espiritualidade Redentorista. Isso viveram nossos Mártires e nos chamam cotidianamente há uma continuidade. A luta pela fé e pela vida num processo redentivo deve ser nosso horizonte missionário. Se as cadeias, as ameaças, as agressões, maus-tratos, humilhações e morte não fizeram nossos mártires desistirem do Reino, do Cristo, da Igreja e da sua nação, quanto mais nós devemos assumir tamanho testemunho e comprometimento nos desafios e martírios atuais que se fazem de forma velada e disfarçada.
A separação da fé cristã com a vida e a realidade- espiritual, social, economia e política do povo, é um desses desafios que precisamos superar cada dia. Pois tal caminho aquém da vida e da nossa realidade, mundo, é contrário ao Reino que já está em nosso meio (Lc17, 21) até a sua teleologia definitiva escatológica. Por isso, mais do que nunca nossos Mártires devem ser memorados e celebrados, pois foram e são sinais de que o Reino não pode ser reprimido ou eliminado de nossa vida e dos que acreditam e dão testemunho disso com a própria vida.
Nos três capítulos seguintes destacam-se alguns elementos (históricos, sociais e espirituais) fundamentais e esclarecedores da trajetória dos nossos cinco Mártires Redentoristas. Que seu exemplo de vida espiritual, apostólica, missionária, profética e redentora possa nos motivar a dar continuidade ao Reino e ao Espírito de Deus. Boa leitura.     

I)   Observação preliminar sobre ‘Mártir’.

O conceito de “Mártir” na história da Igreja segue uma tradição desde seus fundamentos bíblicos (Primeiro e Segundo Testamento) até às categorias de pesquisa conceituais atuais. Categorias estas que se realizam na área da teologia dogmática e fundamental.
Porém, apesar das limitações de tal conceito em cada tempo histórico, pode-se sustentar de modo geral, conforme expressa o Missionário Redentorista Pe. Vinicius G. Ponciano (CSsR), que: “o Mártir é aquele que preferiu morrer a negar a sua fé. Por acreditar na veracidade da Palavra revelada [e] leva[r] até às últimas consequências a sua missão”[1].Essa conceituação está vinculada à tradição da Igreja que, segundo Karl Rahner (1904-1985), entende ser o martírio como “a ação de morrer pela fé, de forma livre e resignada”[2].
Apesar dos conflitos e problemas nessa compreensão tradicional de martírio, a saber, passivo ou por características virtuosas à fé, que já está sendo superada e resinificada atualmente na América Latina[3], pode-se perceber que no século XX o martírio pelo Reino continuou presente na Igreja, e de modo especial na Ucrânia e Tchecoslováquia, na figura dos Missionários Redentoristas, a saber, Basílio, Nicolau, Zenão, Ivan e Metódio. Tais mártires consagraram sua vida a Cristo e dedicaram seu tempo em função do Reino de Deus, de uma certa categoria de abandonados (presos no cárceres), da Igreja Greco-Católica e da independência da nação ucraniana e tcheca.

II)    Contexto Histórico dos Mártires da Ucrânia e Tchecoslováquia.

O período pelo qual se situam os Mártires Redentoristas da Ucrânia e Tchecoslováquia é marcado pela 1ª guerra mundial, inspirada nos conflitos políticos e econômicos entre as diversas potências das nações Europeias. Tais potências, motivadas pelo desenvolvimento industrial e capitalista, mantinham domínio e relações comerciais exploratória com os países mais pobres da Europa. Nesse processo conflitivo entre as nações mais poderosas se instaura a Tríplice Aliança x Tríplice Entente[4]. Surgem então a motivação de dominação- territorial, política e econômica-, agressiva e violenta dos países mais ricos sobre os mais pobres. Nesse contexto também se repercute a declaração da 2ª guerra.  Foram tempos difíceis, dolorosos e de repressão, inclusive, à religião Greco-Católica.
O século XX é um período de transformação, tempo de revoluções, estalinista e bolchevistas, que culmina no Comunismo. Tempo de repressão forte da União Soviética ditatorial sobre à Igreja greco-católica, à nação ucraniana[5] e à república tcheca. É nesse clima que se intensifica o embate militar e político entre a Rússia e o Ocidente. Se a Ucrânia está nessa zona de conflito entre poderes, ela também será alvo da dominação Russa e sofrerá com sua anexação e subserviência a um Estado ditatorial Soviético.
Segundo sustenta Felipe Aquino (2012):
O século XX fez com que os cristãos revivessem a era do martírio não mais com anfiteatros e feras, mas em campos de concentração, masmorras solitárias, fuzilamento.., Conforme o Papa João Paulo II, é dever da igreja recordar este fato e comemorar os heróis que faleceram por fidelidade a Cristo em quatro continentes do mundo contemporâneo[6]
Também Stálin combateu o nacionalismo ucraniano por todo o seu governo. Na década de 30, sua arma foi à coletivização forçada, que causou a grande fome de 1932-1933, conhecida como Holodomor, reconhecida como genocídio étnico por mais de 20 países. Após a 2ª Guerra Mundial, o exército soviético combateu milícias nacionalistas até esmagá-las definitivamente, em 1955. Tudo isso serviu para alimentar o ressentimento histórico dos nacionalistas ucranianos contra a opressão dos Russos.[7] Os conflitos com a Polónia é outra fator que marcou esse período de estrema provação.
É nesse contexto que situam os Mártires redentoristas da Ucrânia e Tchecoslováquia. Repressão, violência, torturas, prisão e trabalho escravo são fatores marcantes de tais mártires Redentoristas. É nesse clima que dois bispos (Basílio e Nicolau) e três sacerdotes (Zenão, Ivan e Metódio) seguem os trilhos da resistência da fé e da justiça do Reino. Por isso eles colherão interrogatórios, represálias, acusações falsas, campos de concentração e morte. Todos foram beatificados pelo Papa João Paulo II pelo ano de 2001. E hoje eles possuem a marca, o testemunho e a vitória gloriosa no Céu.

III)           Martires da Ucrânia e Tcheco[8].

a)      Beato Basílio.

Vasyl Vsevolod, ou seja, Beato Basílio (1903-1973), nasceu em Stanislaviv, no oeste da Ucrânia no contexto da 1ª guerra Mundial e das revoluções bolchevistas, comunistas e Russas. O beato Basílio foi um dos principais alvos de tal período repressivo da Igreja.
Como São Francisco, Basílio também participou, quando jovem, da guerra na defesa de seu País em 1918. Porém a sua fé cristã e a providência divina o preservou das barbáries e atrocidades que qualquer homem, sem princípios cristãos e humanitários, pode cometer neste ambiente hostil. De fato, escreve ele “não fui culpado da morte de ninguém, nem mesmo feri um inimigo, e também eu fiquei livre de qualquer ferimento”[9].
Aos 17 anos se torna diácono e “começa a sentir inclinação para a vida religiosa”[10] até que entra nos Redentoristas. Desde jovem se destacava nos estudos e nas missões populares entre o povo simples do povoado e regiões vizinhas à Stanislaviv (Volvn, Polissia e Russia Branca). Tais regiões da Ucrânia foram difíceis de evangelização. Sua missão era como nadar contra a corrente das situações difíceis do tempo, ou seja, ir com Jesus na contra mão. Porém, “quando se tratava da salvação eterna dos outros, ele não se importava consigo mesmo”[11].
Sua atividade missionária, a saber: a) a oferta dos sacramentos, b) a união e resistência da nação em tempos difíceis, c) o respeito à diversidade religiosa, étnico-cultural entre as diversas pessoas prezas nos campos de concentrações, c) a busca e dedicação pelos mais abandonados e explorados da época e d) a esperança dos oprimidos, tudo isso, foi reflexos da sua vida, intimidade, fidelidade com Cristo, o Reino e a Igreja.
Não foram poucos os sofrimentos que passou: i) expulsão do território de evangelização (Volyn e Kamjanet Podil’s’kyi), ii) designado como perigoso, por pregar a unidade e se aproximar dos povos contrários e explorados do status quo iii) ser preso injustamente, iv) ser condenado ao fuzilamento (pena refeita por dez anos de prisão), vii) trabalhar precariamente nas minas de carvão e viii) sofrer tal como os detentos presos nos campos de concentração.
O Beato Basílio chegou ao fim de sua vida com 71 anos de idade, em 30 de junho de 1973. Encerrou a vida tentando destruir ou esconder tudo-documentos- o que dizia respeito a sua pessoa, pois permanecia impregnado na sua mente o medo de que os bolchevistas voltassem e impusessem aos seus confrades, familiares e amigos o mesmo martírio, no cárcere, sofrido por ele.  

b)     Beato Zenão.

No povoado da Ternopil, região da Ucránia, destaca-se o Missionário Redentorista Zynovij Kavalyk, conhecido como Zenão (1903-1941). No seu processo de caminhada e maturidade missionária de “fé e vida”, no trabalho pastoral redentorista, Zenão se destacou nas seguintes coisas: a) maturidade espiritual e intelectual (professor), b) pregação, c) confissão, d) administração e e) profetismo.
Aos 23 anos entra para a Congregação Redentorista. Em sua terra natal, na primeira missa, podemos ver a principal frase que marcou a sua trajetória martirizante de entrega e sacrifício a Deus, à sua Igreja e ao seu pais: “Ó Jesus, aceita-me com o sacrifício de vosso corpo e sangue. Aceitai esta minha oferta pela vossa santa Igreja, pela Congregação, e pela pátria”[12]. Foram algumas as cidades que fizeram parte da sua ação missionária, como, Volynia, Stanislaviv, e Lviv. Nesta região Zenão recebeu a antipatia dos Russos, que “nutriam um sentimento anti-papa”[13] e “consideravam-no agente do Metropolita”[14], contrário à dominação Russa.
Em 1939, as tropas soviéticas invadiram Lviv, e se instalaram no convento dos redentoristas, onde o Pe. Zenão estava. Enquanto muitos padres se ausentavam de explanar a realidade opressora a ateia que permeava na região, com a invasão da União Soviética, Pe. Zenão “não jugava oportuno a silenciosa divergência contra todas estas manifestações do ateísmo, que progrediam cada dia com mais força...”[15] . A luta pela verdade e o esclarecimento da real situação na Ucrania era uma constante do seu profetismo. Segundo ele dizia: “As pessoas simples não têm necessidade de teologia, mas sim da verdade sobre a vida- a deste mundo e a da realidade lá de cima”[16].
 Tais atitudes de denuncia proféticas foram motivos para ele ser odiado e, após nove anos depois de sua ordenação sacerdotal, ser preso e sofrer o martírio. Em 20 de dezembro os agentes secretos da NKVD (Russos) entraram no convento onde ele se situava e o levaram por suspeita de participar na fuga de um fugitivo ilegal, que possuía seu mesmo nome e passaporte. 
Somente em Abril de 1941 tiveram noticias que ele estava preso na rua Zamarstynivs’ka em Lviv. Mesmo preso Pe. Zenão não deixou de realizar sua missão como missionário: rezava com os prisioneiros, pregava sermões, catequisava, confessava, dava esperança e conforto para as pessoas encarceradas. Costumava celebrar numa tampa de lata. Não abandonava as orações pessoais e litúrgicas.
Depois de ser interrogado 28 vezes e sofrer inúmeras atrocidades, Pe. Zenão foi crucificado na parede da prisão, em um lugar subterrâneo. Fora duas testemunhas que relataram com verdade tal fato. Os documentos ‘falsificados’ pela União Soviética afirmavam que ele tinha sido fuzilado por cometer delito contra o Código Penal da República Soviética Socialista Ucraniana[17].    

c)      Beato Nicolau.

Filho de camponeses, no pequeno povoado da Ucrânia ocidental, Mykola Carneckyi, ou seja, Nicolau (1884-1959) teve uma formação cristã e intelectual muito rica. Quando jovem fez o ensino primário e médio na escola popular em Tovmac. Estando em Stanislaviv, entra para o seminário e é mandado em 1903, para completar os estudos de Filosofia e Teologia no colégio Ucraniano, em Roma. Após este período é retoma para Ucrânia e é ordenado no dia 2 de outubro de 2010 em Stanislaviv, onde leciona filosofia e teologia no seminário local.
Nos primeiros passos para a 1ª guerra mundial tal seminário, além de outras casas religiosas, e Igrejas são suspendidas nas suas atividades pastorais e de ensino religioso. Apesar dessas dificuldades e da evasão de inúmeros sacerdotes, Pe. Nicolau permanecia assistencializando todas as regiões vizinhas de Stanislaviv, cuidando do povo mais abandonado social e espiritualmente. Chegou até a ficar enfermo, nesse período, devido o contato constante com os doentes da região.
Conhecendo os Redentoristas que estavam em atividade missionária na Galizia, ele entra para Congregação em 1919 e faz o noviciado. Em 1926 é aberta uma nova casa redentorista em Kovel (Volyn), região que estava sob o domínio dos poloneses e sob a orientação da Igreja Ortodoxa, de feição moscovita. Pe. Nicolau é transferido para esta região a fim de unificar os cristão dispersos, converter os ortodoxos, evitar o cisma entre os fiéis greco-católicos e reanimar o povo. Era como o nazareno: pobre com os pobres.
Na vida e missionariedade redentora do Beato destacam-se as seguintes qualidades: a) a atenção e bondade humanitária, b) a transparência na sua personalidade e um cuidadoso respeito para com todos, c) uma inteligência profunda e boa memória, d) a assiduidade na leitura de livros religiosos e e) um exímio diretor espiritual e pregador.
Pelo bom trabalho apostólico, o exemplo de vida dedicada ao serviço de Deus e da Igreja, e pelo grande zelo missionário, Pe. Nicolau, em 1931, é sagrado Bispo titular da cidade de Lebed e visitador apostólico de Volyn’ e Polissja (cidades de conflito religioso e domínio polonês na época).
Desde seu itinerário missionário episcopal o Beato Nicolau foi perseguido, tanto pelos bolchevistas (1939), como pelos alemães (1941). Foi obrigado a trabalhar quebrando pedras nas ruas como o único meio para assistencializar pastoralmente e espiritualmente o seu povo abandonado em Lviv. Toda via em 1944, quando a União Soviética ocupou a Galizia, Pe Nicolau começou o seu sofrido calvário martirológico junto com os clérigos da Igreja greco-católica. No dia 11 de abril de 1945, os agentes da GPU (incorporados da NKVD), a saber, do serviço secreto do estado soviético, bateram na porta do convento onde nosso bispo estava e levaram-no. A acusação injusta era de ser colaborador do regime nazista e agente do vaticano.
Na rua Lonts’kyj, em Lviv, ele sofreu muitas torturas. Acordavam-no à noite, batiam-no, interrogavam-no inúmeras vezes. Após prisões e sofrimentos passou para a faze de instrução, onde foi condenado a 5 anos de detenção nos campos de trabalhos forçados. Devido um renegador que aproveitava de suas palavras para acusa-lo, nosso Beato foi condenado a mais 10 anos nos campos de concentração.
Ele e muitos outros foram mandados para o campo de concentração em uma pequena cidade siberiana, nestes campos nosso bispo visitava todos os flagelados do campo e os dava esperança diante de tal situação desumana. Foi transferido para vários lugares como, por exemplo, duas vezes para Vorkuta e outra para Mordovia, cidades da Rússia. Apesar de tais martírios Dom Nicolau não perdia a fé, esperança e caridade para com os mais abandonados. Celebrava a Liturgia em um pequeno leito de madeira.
Nos primeiros 11 anos que passou na prisão foi submetido a um total de 600 horas de tortura e de interrogatórios cruéis por parte das autoridades bolchevistas e foi transferidos para cerca de trinta campos e prisões. Sofreu inúmeros tratamentos desumanos, agressões físicas e morais. Todos esses sofrimentos deixaram- no debilitado, frágil e sem forças. Mandaram-no para Lviv, em 1956, a fim de que o regime soviético não fosse acusado pela morte desse exemplar bispo. Ao chegar teve que ser internado em um hospital.
O beato ficou morando com o Ir. Klymentij, sob os cuidados de confrades e irmãs da Misericórdia de São Vicente. Durante esse período ele ainda encorajava seus confrades, orientava às irmãs e ordenava sacerdotes. Após dois anos de sua chegada a Lviv teve câncer no duodeno, parte do intestino delgado, e morreu no dia 2 de abril de 1959. Em 1960, período da ditadura no Brasil, a Conferência Episcopal Católica da Ucrânia decidiu dar início ao processo de beatificação do bispo Nicolau.    

d)     Beato Ivan

Beato Ivan Ziatyk (1899-1952) é originário do povoado de Odrekhova, no sudoeste da cidade de Sjanok (Ucrânia). Filho de família simples, camponesa, perde o pai aos 14 anos. Porém, desde jovem Ivan demonstrava um talento intelectual para os estudos e uma grande piedade. De 1911 a 1919 estudou no ginásio da sua cidade natal. Foi incluído entre os melhores alunos do Seminário teológico em Peremysh’ em 1919, e completou os estudos em 30 de julho de 1923, com 23 anos. No mesmo ano é ordenado sacerdote e fica como pároco no povoado de L’osi. Por 10 anos foi prefeito e formador, espiritual e intelectual no seminário Ucraniano Católico em Peremyshl’.
No dia 15 de julho de 1935 Pe. Ivan ingressa nos Redentoristas e conclui o noviciado em Gholosko com mais ou menos 35 anos.  Imediatamente após a ordenação é encaminhado para o convento de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro em Stanislaviv (atualmente Ivano-Frankivsk). No ano seguinte vai para o convento de São Clemente em Lviv e com a abertura de um seminário, em Gholosko, é enviado para lecionar na formação. Foi superior do convento dedicado á Dormição da Mãe de Deus, em Ternopil’, e auxiliou na formação de redentoristas em Zbojiska, no convento de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.[18]
Este Missionário Redentorista se destacou na sua personalidade e no seu trabalho apostólico. Tais características são: a) a humildade, intensa vida interior, generosa e cordial, b) a expressão de uma paz singular e ternura de espírito, c) a habilidade no economato da congregação, d) o professorado de teologia dogmática e sagradas escrituras e e)  um bom pregador e confessor.       
Durante a repressão da União Soviética na Ucrânia, os redentoristas, e dentre eles Pe. Ivan, foram obrigados a deixar suas áreas missionárias (Ternopil’, Stanislaviv, Liv e Zbojiska) para amotinarem-se no convento de Gholosko, numa parte esquecida da casa, e impedidos de saírem. Durante dois anos foram vigiados, celebravam a Liturgia em uma capela privada e eram proibidos de qualquer atividade pastoral. Em 17 de outubro de 1948 os bolchevistas os transferiram para Univ, onde havia outros religiosos e sacerdotes grego-católicos. Os transtornos dessa repressão (onde 31 membros da congregação viviam em um espaço micro) se tornavam cada vez mais intensos.[19]
Na repressão do Estado local e na expulsão do superior vice provincial, Pe. J. De Vocht da Ucrânia, o pe. Ivan assumiu como seu sucessor. Deste então a polícia passou a vigiar todos os Redentoristas. Nesse período a Igreja e seus representantes episcopais e clericais tiveram que realizar sua atividade de modo clandestina. Eles tinham algumas reuniões para tratar das atividades missionárias e Pe. Ivan participava dessas reuniões. Porém, os agentes da KGB, ansiados para saber o que se passava nas reuniões, começaram a perseguir os Redentoristas e principalmente o Pe. Ivan. No dia 5 de Janeiro de 1950, é emitida uma ordem para prendê-lo com outro confrade chamado Rdka. Junto com esse Mártir estava outros sacerdotes. Muitos foram liberados após abdicarem das obrigações religiosas e do culto cristão católico nas regiões da Ucrânia.  Porém, Pe. Ivan e muitos outros religiosos não abdicaram.
As acusações primárias contra ele eram as seguintes: a) ter inspiração antissoviética, b) entrar em contato com pessoas presas na atividade antissoviética, c) apresentar informações sobre a situação da Igreja Greco-Católica na Ucrânia, e d) possuir literatura de caráter antissoviético. Depois de um bom tempo, em 20 de junho de 1950, foi emitido uma nova condenação penal contra o Pe. Ivan: a) acusado de manter contato com o vigário capitular ilegal da Igreja Greco-Católica em Lviv, discutindo sobre o retorno dos padres que renunciaram a fé católica e passaram para Moscou, b) por estabelecer uma nova correspondência com os condenados da atividade antissoviética; c) por, no mês de julho de 1949, confiar ao Pe. Khmeleys’kyj a missão de erigir, formar e presidir o tribunal eclesiástico, contrário e proibido pela legislação soviética, e, d) por conservar numerosas literaturas antissoviéticas.  
No julgamento do nosso Beato, este sofreu injurias verbais e torturas físicas. Porém não traiu sua fé e a Igreja, mesmo sendo pressionado, com súplicas, por sua família que estava ameaçada de morte pelos agentes, se acaso ele não abdicasse da fé. Apesar de tal provação o nosso Beato não abriu de mão de sua fé e da Igreja.
Estando preso na procuradoria Regional de Lviv, foi transferido para prisão interna da KGB, da República Soviética Socialista Ucraniana em Kyjiv no ano de 1961. Foi condenado por 10 anos de detenção e nos campos de trabalho forçado. Depois de 22 meses de tortura recebeu a visita do médico no cárcere em 22 de agosto de 1951, onde apresentou miocardite e anemia, declarando-se, deste modo, incapacitado para o trabalho físico. Apesar de tal situação ele foi transferido para Sibéria a fim de cumprir o tempo previsto, com trabalhos físicos. Desde então a sua vida, aqui na terra, não durou mais muito tempo, apenas 3 meses. Em Lychkivtsi, distrito de Ghustyn, na sexta feira, o Pe. Ivan recebeu um banho de água gelada, foi espancado no pátio e depois banhado de novo[20]. Tal espancamento se deu devido ele ter tropeçado e caído quando levava as fezes das prisões, pois ficou incumbido pelos agentes de tal trabalho penoso. No dia 17 de maio de 1952 Pe. Ivan morreu no hospital local.[21]

e)      Beato Metódio Doménico Techk (Tcheco)

Beato Metódio Dominik trcka (1886-1959) é originário da Ostrávia, na Morávia, região pertencente à República Checa. Sua formação familiar é marcada pela “boa educação cristã”[22]. Desde jovem estudou nas escolas de formação primária, intelectual e religiosa redentorista, como, por exemplo: na escola elementar em Frýdlant, no ginásio em Mistek e no juvenato redentorista em Cervenka. Tal dedicação propiciou para que ele fizesse o noviciado nos Redentoristas em 1903, completasse os estudos de Filosofia e Teologia, ordenando-se em 17 de julho de 1910, com 24 anos.
Do Beato Metódio pode-se destacar algumas características que configuram a sua identidade Redentorista, a sua fidelidade à Igreja e o seu compromisso na promoção do Reino e dos “abandonados”. Tais características, que marcam o seu itinerário formativo e missionário, são: a) a luta pela unidade do povo Checo e da Igreja, b) o zelo apostólico no rito oriental, na Liturgia da Igreja, c) originalidade nas pregações, d) o trabalhos com os migrantes de diversas regionalidades e culturais, a saber, os coratas, os eslovenos, os rutenos, os fugitivos de outras localidades e os soldados, e) a caridade apostólica, f) o talento para o economato da Congregação, g) a construção de conventos, igrejas e casas de formação redentorista, h) a evangelização dos “croatas”, os seus mais abandonados, e, i) guia espiritual.
É no contexto das guerras polaco-ucranianas, pós primeira Guerra Mundial que o Mártir Metódio se torna missionário entre os greco-católicos, junto aos confrades belgas,  na região de Svata Hora e Brno. Segundo se comenta: “Os padres belgas ficaram muito contentes com a chegada deles e se espantavam com a rapidez com que ambos aprendiam nova língua, o rito [oriental] e a tradição”[23].
Ele morou no convento de Stanislavov em 1920, depois foi para o convento em Stropkol, situado na região da Eslováquia oriental. Ai pôde constatar a necessidade de evangelização missionária, nas dioceses de Presov, de Uzhorod, Krizevac e, por último, Michalovce, onde construiu o novo convento Redentorista. Foi visitador apostólico das monjas Basilianas em Presov e Uzhorod.
Duas vezes foi superior do convento de Miche lovce.  No tempo da guerra o estado eslovaco, criado e motivado por Hitle, suspeitava que Pe. Doménico tivesse ações contrárias ao status quo e fizesse propaganda nacionalista Checa. Por este motivo era tido como inimigo do Estado Rebublicano Eslovaco. Pe. Doménico foi acusado de anti-estatal e chamado ao julgamento, devido ter divulgado a carta pastoral do bispo de Presov, que relatava sobre e recenciamento populacional. Porém foi libertado por não haver provas contundentes.
Pouco tempo depois de eleito superior do convento em Michalovce, se tornou, em 1946, superior da nova Vice Província de Michalovce. Foi um tempo de grande trabalho pastoral, de reconstrução de Igrejas e formação juvenil. Porém, com a ascensão do Partido Comunista e o comportamento hostil do Estado intensificado, os redentoristas foram hostilizados e sofreram represarias. O seminário juvenil, a revista popular e a própria Vice Província de Michalovce foi suprimida. Doménico foi expulso de Michalovce e passou a residir em Sabinov, no convento.
Em 13 de abril de 1950, o convento foi invadido e suprimido por delegados, membros da NKVD, e Pe. Doménico foi condenado injustamente por 12 anos de prisão, sofrimento, exploração e torturas (psicológicas, físicas e morais) no cárcere. Durante esse período martírico foi levado para diversos locais, como Leopoldov,  Bác, Podolínec e Morávia. As acusações contra sua pessoa era de: i) difundir as cartas pastorais do Bispo de Gojdic, de caráter anti-estatal e ilegal. E ii) comunicar informações secretas da situação política e do Estado Republicano Eslovaco, em Roma. Ou seja, traição e espionagem.  Passou fome, sede, dormiu em cama de cimento frio, sofreu agressões e muitas outras espoliações. Ficou doente, com problema urinário e de pressão. Em 23 de março de1958, após cantar uma canção natalina foi preso na “cela de pena máxima”. Depois de passar mal foi transferido para a “cela de isolamento”, teve pneumonia e morreu. Seus restos mortais foram transferidos do cemitério da prisão para Michalovce.

Considerações Finais

O itinerário dos Mártires Redentoristas da Ucrânia e Tchecoslováquia é marcado pela fidelidade ao Cristo Redentor, ao Reino de Deus, à Igreja Grego-Católica e aos abandonados de tais regiões. Sua vida foi uma entrega total ao projeto do Pai e uma manifestação identificante do carisma e espírito Missionário Redentorista. O memorial celebrativo de tal evento histórico precisa se valorizado e ressignificado nas novas realidades de repressão de fé e de liberdade cristã.
A intolerância religiosa ainda perpassa nosso mundo atual. E vemos isso tanto no Brasil, com os diversos mártires que aqui entregaram sua vida, como em outros países da América Latina e Europa. O recente assassinato de cristão na Síria e Nigéria, dentre outros países, demonstram que a intolerância religiosa e o martírio ainda perduram nos nossos tempos. Daí continua sendo pertinente o desafio pela fé e pela vida. Que nas áreas mais difíceis de missão redentorista, tais mártires possa nos inspirar para sermos sinal de misericórdia e justiça em meio ao povo e de modo especial, aos pobres e abandonados.

Referências Bibliográficas

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SIGNORINI, Ivanir. Profecia e martírio na Igreja: Testemunhos dos Padres da Igreja aos nossos tempos. Revista Vida Pastoral, 2009. Disponível em : < http://www.vidapastoral.com.br/artigos/patristica/profecia-e-martirio-na-igreja-testemunhos-dos-padres-da-igreja-aos-nossos-tempos/>. Acesso em 14 de Mai. 2016.
ZIBELL, Gunter. O contexto da crise na Ucrâni. Jornais de Todo os Brasis, 2014. Disponível em: < http://jornalggn.com.br/noticia/o-contexto-da-crise-na-ucrania>. Acesso em 14 de Mai. 2016.




[1]O missionário Redentorista  Pe. Vinicius apresenta uma sucinta ideia segundo a tradição da Igreja acerca do termo Martírio. Cf. PONCIANO, Vinicius, G.O martírio na Igreja e na Congregação Redentorista. Informativo CEREPS é Notícia, Aparecida, SP, Maio, 2013. (Grifo nosso). Disponível em:. Acesso em 14 Mai. 2016.
[2] Cf. RAHNER, Karl. Dimensiones del martírio. In: Revista «Concilium» 183 (marzo 1983)321-324. Disponível em:< http://servicioskoinonia.org/relat/142.htm>. Acesso em 14 Mai.2016.
[3]Segundo Karl Rahner (1983, p.321) sustenta sobre as novas realidades de martírios na América Latina: “No obstante, bajo estas modalidades más anónimas de la persecución actual es posible prever y aceptar la muerte, del mismo modo que en el caso de los mártires antiguos. Y es posible también preverla y aceptarla en cuanto consecuencia de una lucha activa por la justicia y otras realidades y valores cristianos”. Sobre a mesma questão podemos ver O artigo Profecia e martírio na Igreja: Testemunhos dos Padres da Igreja aos nossos tempos de Ivanir Signorini em que ele afirma: “A Igreja na América Latina, à luz da realidade própria deste continente, entendeu como martírio as perseguições, torturas e mortes com derramamento de sangue sofridas por fiéis, religiosos e religiosas, sacerdotes e bispos”.Cf . SIGNORINI, Ivanir. Profecia e martírio na Igreja: Testemunhos dos Padres da Igreja aos nossos tempos. Revista Vida Pastoral, 2009. Disponível em: < http://www.vidapastoral.com.br/artigos/ patristica/profecia-e-martirio-na-igreja-testemunhos-dos-padres-da-igreja-aos-nossos-tempos>. Acesso em 14 de Mai. 2016.
[4] Sobre isso a professora de História, da Unidade Federal de Juiz de Fora, Thamiris Franco Martins chega a afirmar: “Tríplice Aliança: Formada por nações mais jovens, e que por isso, sentiram-se prejudicadas com a partilha de territórios. Aparentemente mais coesa era e composta por Alemanha, Austro-Hungria e Itália. Tríplice Entente: Tem por base a Entente Cordiale, Inglaterra e França, que se opõe à expansão alemã. Mais tarde recebe a adesão da Rússia formando então a Tríplice Entente. Durante a guerra outras nações aliem-se a este grupo e a coalizão passa a ser chamada de Aliados”. Cf. MARTINS, Thamiris Franco. UFJF – CURSO PRÉ - VESTIBULAR 2012-HISTÓRIA.2012, p.247. Disponível em: < http://www.ufjf.br/cursinho/files/2012/05/Apostila-Hist%C3%B3ria-Thamiris246.251.pdf>. Acesso em 13 Mai. 2016.
[5]Sobre esse contexto os Missionários Redentoristas da Província de Bogtá sustentam: “El 1°de septiembre de 1939 (pacto Molotov-Ribbentropp), La Unión Soviética uniendo a Ucrania Occidental con sus propios territorios, desencadenó una violenta persecución contra la Iglesia greco-católica. Hasta la caída del comunismo, en 1989, los bolcheviques encerraron en campos de concentración, torturaron y mataron a millares de fieles, obispos, sacerdotes y laicos”. Cf. MISIONEROS REDENTORISTAS PROVINCIA DE BOGOTÁ. Beatos Mártires Redentoristas Ucranianos. Disponível em:< http://redentoristasdecolom
[6] Cf. AQUINO, Felipe. Os Mártires dos Século XX. Editora Cléofas. 17 Out. 2012. Disponível em: . Acesso em 14 Mai. 2016.
[7] Cf. ZIBELL, Gunter. O contexto da crise na Ucrâni. Jornais de Todo os Brasis, 2014. Disponível em: < http://jornalggn.com.br/noticia/o-contexto-da-crise-na-ucrania>. Acesso em 14 de Mai. 2016.
[8] Uma síntese da biografia de todos os beatos mártires redentoristas da Ucrânia e Tchecoslováquia são feitas pelos Missionários Redentoristas da Provincia Romana. Disponível em < http://www.cssr.it/>. Acesso em 10 de Mai. 2016.
[9] Cf. CADERNOS REDENTORISTAS-17- Mártires Redentoristas. [Trad. Pe. Afonso Paschotte, CSsR.] EDITORA SANTUÁRIO, 2002, SP, p. 6. (Centro Redentorista de Espiritualidade)
[10] Cf. CADERNOS REDENTORISTAA, 2002, p. 8.
[11] Ibidem, p. 9.
[12] Ibidem, p. 22-23.
[13] Ibidem, p. 24.
[14] Ibidem.
[15] Ibidem, p. 25.
[16] Ibidem, p. 26.
[17] Ibidem, p. 33.
[18] Ibidem, p. 86-88.
[19] Ibidem, p. 91.
[20] Ibidem, p.97.
[21] Ibidem.
[22] Ibidem, p. 58.
[23] Ibidem, p. 62.

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