domingo, 18 de setembro de 2016

1) Considerações sobre os profetas e sua ação-vital-profética na tradição bíblico-testamentária.



Não só na tradição bíblica, mas também nas diversas culturas religiosas, como a grega, a figura do profeta é presente e característica de peculiaridades variadas. Por isso, se justifica o fato de se ter, na história de Israel, uma quase imensurável compreensão sobre tais pessoas, suas funções e o lugar que ocupam no contexto bíblico. Essas variantes também se constata na concepção terminológica de “Profeta”. A etimologia do termo profeta, que em hebraico se traduz por nabí, provem originalmente do grego: profetes. Esta nomenclatura se referia àquele(a) que interpretavam as vozes dos deuses nos oráculos de Delfos (ALDAY, 2009, p.11-12).

Entretanto, esse termo na tradição bíblico-hebraica foi utilizado para designar os homens e mulheres que, na história de salvação, tiveram um papel importante na sociedade como comunicadores, ou anunciadores da palavra de Deus ao povo de Israel. Toda via, nos livros sacros, o termo “profeta” é sinônimo de outros termos equivalentes como “homem de Deus”, “vidente” e “visionário” (SICRE, 1998, p. 76-84). Daí se justificar o fato de inúmeros videntes, visionários ou pessoas que possuíam essa experiência com Deus, Iahweh, receberem pelo povo, ou lideranças políticas e religiosas da época, o título e a fama de profeta.

É importante considerar que há uma complexidade para desenvolver um traço comum, ou uma imagem particular acerca dos profetas, pois eles tanto estão em diversas situações culturais, políticas e regionais, na tradição bíblica, como assumem diversas funções e preocupações na camada social. Como sustenta José Luis Sicre (2000, p.181) sobre os profetas: “Não se trata de pessoas talhadas pelo mesmo padrão, uniformes em todos os aspectos de sua personalidade, sua atividade ou mensagem”. Elas variam conforme cada situação. Essas dificuldades provem da própria dinamicidade da tradição bíblica e dos variados textos proféticos que se tem.

De modo geral pode-se apresentar alguns pontos em que os profetas se diferenciam, a saber, quanto a) ao tempo que se dedicam à sua atividade profética: Isaias, por exemplo, exerceu sua profecia aproximadamente quarenta anos, isto é durante o tempo de sua vida, enquanto o profeta Abdias ocupa extremo oposto; b) quanto ao modo de entrar em contato com Deus: visões, audições, sonhos e transe são alguns desses modos; c) no modo de transmitir a mensagem: pela palavra oral, pela escrita, em diversos géneros literários, estilos e por símbolos; d) e pela função que desempenha na sociedade: alguns são como conselheiros ou funcionários dos reis, outros são solitários (não sozinhos) e outros reformadores sociais, dentre outros. Estas diferenças inegáveis não anulam a unidade do movimento profético, mas destroem uma concepção uniforme, limitada e unilateral sobre o que compreende-se como profeta.

Na tradição bíblica há uma distinção de duas categorias de profetas de Israel, a saber, os profetas (verdadeiros) e os falsos profetas. Estes foram duramente criticados por serem profetas de divindades estrangeiras, como o deus Baal, enquanto que os profetas que afirmam verdade na sua profecia são porta-voz de Deus Iahweh. Alguns profetas falsos se encontram no tempo de Elias (1Rs18) e são acusados pelo problemas que acarretaram ao povo e pelas falsas profecias. Os falsos profetas tranquilizam os maus, para que não mudem suas injustiças, prometem a paz e bem estar ao povo enquanto o país se precipita em tragédias. Segundo sustenta Sicre: “os falsos profetas extraviam o povo (Jr23, 13), impedem que se convertam (Jr23, 14), não fala em nome de Deus (Jr23, 16), não observam seus conselhos (Jr23, 18), e não conhecem seus planos (Jr23, 17-19)” (SICRE, 1998, p.145).

Apesar de tais limites é possível descrever poucos traços comuns, que marcam o movimento profético, na sua essência, como a) a inspiração divina: é de comum acordo que todos os profetas eram vistos como homens de Deus, e que este mesmo Deus, lhe falava, para que estes fossem seus porta-vozes direcionados ao povo, como no caso de Abração (Ex3, 10). Neste aspecto há uma distinção específica a considerar entre os profetas do povo de Israel com os de outras culturas e religiões. Na tradição hebraica o profeta é aquele que fala com Deus, Iahweh, e por meio do mesmo, e não há outro fora dele (Dt32, 39). Essa ligação intima e determinação divina hebraica se apresenta no livro Deuteronômio (18, 14-18) em que o próprio Deus, e não outros deuses, afirma sobre a eleição de um profeta nos seguintes termos:

Iahweh teu Deus suscitará um profeta como eu no meio de ti, dentre os teus irmãos, e vós o ouvireis. É o que tinha pedido a Iahweh teu Deus no Horeb, no dia da Assembleia[...]. Vou suscitar para eles um profeta como tu, do meio dos teus irmãos. Colocarei as minhas palavras em sua boca e ele lhes comunicará tudo o que eu lhe ordenar.

Segundo afirma Sicre (1998, p. 77): “ainda que este texto se use posteriormente para justificar a esperança da vinda de um profeta definitivo, semelhante a Moisés, originalmente [ele] se referirá a toda as séries dos profetas como transmissores da Palavra de Deus”. Deus se comunica pessoalmente, a palavra de Deus é a força e a fraqueza humana pela qual Deus se comunica. “Pensemos naqueles que são considerados profetas do nosso tempo: Martin Luther King, Oscar Romero, etc. Estavam convencidos de que comunicavam a vontade de Deus, de que diziam o que Deus queria em determinado momento histórico” (SICRE, 2000, p.188).

b) os profetas são pessoas públicas: seu lugar é as ruas e as praças. Eles não podem se limitar ao local dos estudos sossegados, ou ao templo. Eles devem estar lá, aonde o povo se reúne, onde a mensagem profética é mais necessária e mais delicada, porém mais exigente. Eles devem ter uma consciência profunda das diversas realidades que os cercam, como as maquinações das lideranças políticas; o descontentamento, limitações e fragilidade do povo; o luxo esbanjado dos ricos e poderosos; e o descaso de muitos que assumem poder religioso e clerical. O profeta Isaias e Jeremias são ideais de tais características proféticas.

c) os profetas são homens ameaçados: são inúmeras as situações em que eles precisam dizer palavras duras e difíceis de acolhimento do povo ou dos líderes religiosos e políticos. O anuncio é de conversão e denuncia das diversas situações de injustiças e opressão, cujo ponto e causa fundamental se caracteriza pelo distanciamento ou negação da vontade de Deus. Deus os instruem para fazer tais coisas, como no caso de Jeremias (1, 10):hoje eu te coloco contra nações e reinos, para arrancar e para derrubar, devastar e destruir, para construir e para plantar”. Eles, muitas vezes sofrem o risco de perderem-se numa causa que não encontra eco nos ouvintes. “Oséias é chamado de ‘louco’, ‘néscio’; Jeremias é acusado de traidor da pátria. E se chega também à perseguição, ao cárcere e à morte. Elias deve fugir do rei em muitas ocasiões; Miqueias termina na prisão; Amós é expulso do Reino do Norte” (Ibidem, p.202). Eles podem ser perseguidos, não só pelos reis, poderosos e falsos profetas, mas também pelos sacerdotes e pelo povo. Eles podem ser ameaçados até por Deus: “Não tenhas medo deles, senão eu é que te farei tremer diante deles” (Jr1,17).

d) a profecia é um carisma que rompe as barreiras das circunstâncias: Não há um tempo específico, uma pessoa certa, um ofício determinado e nem uma educação específica para ser profeta e realizar a profecia. Deus realiza tais coisas de modo surpreendente. Ele chama homens (Moises, Abraão, Samuel, Ezequiel...) e mulheres (Débora, Hulda) para serem a ‘boca de Deus’. Eles extrapolam as classes sociais, as barreiras religiosas e políticas, e até a idade determinada para profetizar. Portanto a profecia é um carisma que emerge de dentro de cada profeta na sua relação com Deus, sem ser necessária as circunstâncias históricas-políticas-religiosas-sociais do tempo que determinem a existência de tais profetas.

Segundo afirma o teólogo David E. Aune (SICRE,2000, p.188), no antigo Israel há “quatro tipos de profetas, a saber, i) os profetas do xamãs, ii) os profetas cultuais e do templo, iii) os profetas da corte e iv) os profetas livres”.  Os primeiros eram considerados possuidores de habilidades espirituais como ser vidente, isto é, saber de alguns acontecimentos futuros, como por exemplo: Samuel que afirma a Saul que este não se preocupasse, pois encontraria sua a jumenta em boa condição (ISm9, 19-22). Tais profetas também possuem habilidades de cura, como Eliseu que curou Naamã (II Reis 5, 1-27). O segundo grupo faz parte daqueles que estão ligados ao culto ou templo de Jerusalém. São os que por meio de Deus, denunciam o descaso com o templo como causa dos males do povo de Deus, como por exemplo o profeta Ageu (1, 2-4,9b). O terceiro grupo é dos que se relacionam diretamente com o Rei. Eles indicam os caminhos de gestão governamental e denunciam os descasos ou erros na governabilidade para o bem estar do povo. São denominados de os conselheiros do Rei, como o profeta Gad (1 Sm 22, 1-6) que foi profeta no reinado de Davi. O último grupo é dos profetas que estão distantes do Rei, e mais próximo do povo. Suas vidas estão em função da Palavra de Deus e da Libertação do povo como Elias. Ele “é um profeta itinerante, sem vinculação a nenhum santuário, que aparece e desaparece de modo imprevisível. De certa forma, Elias é um novo Moisés” (SICRE, 2000, p.217).

Agora é possível traçar algumas considerações sobre os diversos gêneros literários de profecias utilizadas na história do povo de Israel. De modo geral, os profetas utiliza-se de uma linguagem poética. Trata-se, portanto, de um recurso linguístico fácil tanto para anunciar a boa nova de Deus como para denunciar as injustiças sociais. No profeta Amós (5, 18-26) pode-se encontrar este aspecto linguístico poético:

Ai daquele que desejam o dia de Iahweh!
Para que vos servirá o dia de Iahweh?
Ele será trevas e não luz.
Como alguém que foge de um leão e um urso cai sobre ele!
[...]
Eu odeio, eu desprezo as vossas festas
E não gosto de vossas reuniões.
Porque, se me ofereceis holocaustos...,
Não me agradam as vossas oferendas
[...]
Que o direito corra como água
E a justiça como um rio caudaloso!
Por acaso oferecestes-me sacrifícios e oferendas no deserto,
Durante quarenta anos, ó casa de Israel?
Suportareis Sacut, vosso rei,
e a estrela de vosso deus, Caivã,
imagem que fabricastes para vós.

Para se compreender as palavras proféticas de Amós, basicamente, é preciso observar o contexto pelo qual foi escrita e a figura de linguagem utilizada. Para a época tais palavras eram bem compreendidas e expressavam a denúncia contra o povo de Deus que prestava culto a outros deuses (“imagem que fabricastes para vós”), por isso Amós afirma que eles não verão a luz no “dia de Iahweh”!,  mas “será trevas e não luz”, porque eles ofereceram “holocaustos” a Deus, mas não praticaram o direito e a justiça. Daí se impor, por Deus, a exigência anunciada pela profeta: “Que o direito corra como água e a justiça como um rio caudaloso”, para Israel retomar o caminho reto e bom. A figura de linguagem é utilizada para dar destaque ao mau caminho percorrido pelo povo de Deus, o caminho de injustiça que é “Como alguém que foge de um leão e um urso cai sobre ele”, isto é, Israel pensa e age em função do egoísmo, mas, seguindo tal caminho de injustiça acabarão caindo nas consequências de seus próprios erros.

De modo geral, se pensa que os profetas comunicam sua mensagem por meio de discurso ou sermão, porém, há outros gêneros literários utilizados na sua profecia, a saber, a) gêneros derivados da sabedoria tribal e familiar, como a exortação, a interrogação, a parábola e a alegoria, dentre outros ; b) gêneros derivado do culto, como os hinos, as orações, as instruções e os oráculos de salvação; c) gêneros do ambiente judicial, isto é, discurso acusatório, formulas casuísticas e o requisitório profético; d) e gêneros estritamente proféticos, que é o oráculo de denúncia-condenação dirigida a um grupo ou povo, e outro oráculo a específica pessoa, como um rei. A denúncia implica a acusação de faltas ou crimes praticados contrários a vontade de Deus e para o mal do povo, no final se insere um pecado concreto particular. A condenação envolve o anúncio do castigo com uma intervenção de Deus e as consequências de tais erros.

Considera-se, por conseguinte, o itinerário de alguns profetas de Israel, tendo como base a história do movimento profético, subdividida em três momento, isto é, a) desde as origens até Amós, b) de Amós até o exílio, c) e deste até o final. Acrescentada a figura de Jesus. Em cada tempo histórico destaca-se alguns profetas que teve significativa importância na história de Israel.

No primeiro momento histórico uma das personagens de destaque, na tradição bíblica é Moisés Ele é considerado como um profeta intermediário entre Deus e o povo, aquele que transmite a palavra do Senhor e se converte em modelo de todo autentico profeta. O texto mais antigo em que Moisés aparece como profeta é o de Oseias (12, 14): “Por meio de um profeta, o Senhor tirou Israel do Egito e por meio de um profeta, o guardou”. Sua função específica é a libertação do povo e sua condução pelo deserto conforme a vontade de Deus e seu anuncio (Ex3,7-11). Segundo apresenta o Deuteronômio (34,10-12) sobre Moisés: 

[...]os israelitas lhe obedeceram, agindo conforme Iahweh tinha ordenado a Moisés. E em Israel nunca mais surgiu um profeta como Moisés- aquém Iahweh conhecia face a face- seja por todos os sinais e prodígios que Iahweh o mandou realizar na terra do Egito, contra Faraó, contra todos os seus servidores e toda a sua terra, seja pela mão forte e por todos os feitos grandiosos e terríveis que Moisés realizou aos olhos de todo Israel!

                Entrando na época dos Juízes outro profeta é de significativo destaque: Samuel. Ele é um herói de guerra contra os Filisteus, um juiz de Israel e vidente. Está ligado ao culto do templo e possui função sacerdotal. Todavia seu destaque como profeta é a transmissão da palavra de Deus, que se inicia desde sua vocação (1Sm3, 3-10) quando foi chamado por três vezes. Sua missão difícil é anunciar o castigo da família de Eli (ISm3, 11-21), ungir o rei Saul e Davi. Sua denúncia profética se realiza contra o rei Saul, por motivos da batalha de Macmas (ISm13, 8-15) e na guerra contra os amalecitas (ISm15, 10-23). Ele é de uma ação religiosa e política significativa.

Por conseguinte, da origem da monarquia até Amós, se situa Elias, um profeta livre, que ora está em solidão, com Deus, e ora denuncia e desafia o rei. Elias é considerado como o novo Moisés pelo seu itinerário profético: fuga para o deserto, refúgio em país estrangeiro, sinais e prodígios grandiosos e viagem ao Sinai onde Deus se manifesta para ele, na brisa suave (IRs19, 9-15). Todos esses profetas da origem até Amós são profetas que possuem uma ação forte de denuncia das estruturas opressoras do povo de Israel. Porém, nesse período a ação profética se limita a reformas estruturais.

De Amós até o exílio pode-se destaca um novo modo de profetizar centrado na ruptura total das estruturas-opressivas e do distanciamento do povo de Iahweh. No Século VIII aC. a evolução econômica do podo de Israel se dava as custas dos mais pobres. Os problemas sociais se agravam tanto no Reino do Norte de Israel como no Reino do Sul. O abismo entre ricos e pobres crescia sem cessar e Amós viu o povo dividido em duas categorias, os que oprimem e os oprimidos (Am3, 9-12). Amós se considerava um ‘vaqueiro’ e cultivador de ‘sicômoros’. Era informado sobre os acontecimentos dos países vizinhos e conhecia a problemática social, política e religiosa de Israel, na sua profundidade e essência. Homem de impetuoso sermão, ele é enviado por Deus para profetizar em Israel, tanto anunciando o castigo dos líderes e povo que se afastava de Deus, como indicando as causas de tais erros, ou pecados, cometidos. Ele é considerado como o profeta da justiça social (ALDAY, 2009, p.25). De modo sintético Amos denuncia quatro tipos de pecados cometidos na época: o luxo, a injustiça, o falso culto a Deus e a falsa segurança religiosa. Sua persistente postura profética é a denúncia do luxo da classe alta, classe esta que vivia em seus magníficos e extravagantes palácios, com casas suntuosas cheias de objetos valiosos, vivendo todos os dias de festa e com toda comodidade (Am6, 4-6). Todas essas regalias era as custas da exploração e opressão dos pobres e miseráveis, a maior camada populacional. Amós chega a atacar profeticamente o rei Jeroboão e anunciar o desterro do povo, que o expulsa de Israel (Am7, 10-13).

Neste recorte histórico determinado se destaca a figura de Isaias. É salutar observar que este profeta é um dos mais significativos da história pela sua prolongada atividade profética e por ser o que mais sinalizou para a vinda de Jesus Cristo, como messias(ALDAY, 2009, p.35). Ora, o seu tempo, que abrange a segunda metade do século VIII, é alternado por períodos de tranquilidade e turbulência. Pelo extenso tempo de sua profecia, dentre outros fatores históricos, se considera que houve três Isaias. Deste modo geralmente se classifica o grande Isaias, o Dêutero-Isaias e o Trito-Isaias. O primeiro se situa no tempo que vai de Amós até o exílio, enquanto que os dois últimos se situam no período posterior. Neste sentido só será destacado o primeiro Isaias. Sua profecia é dinâmica entre dois polos quase em equilíbrio: salvação e condenação. Aproximadamente aos vinte anos inicia sua atividade profética. É um homem decidido sem falsa modéstia que voluntariamente se oferece a Deus, para fazer a sua vontade, e assumir a sua vocação (Ibidem). Determinação e enfrentamento político-religioso social é uma característica peculiar sua. O que mais o preocupou foi a situação sócio-religiosa de Israel.   

O grande Isaias se situa no reinado de Joatão, em um período de prosperidade econômica e independência política, que é ameaçada nos últimos anos de tal reinado. A análise profética é bem clara: “Constata numerosas injustiças, as arbitrariedades dos juízes, a corrupção das autoridades, a cobiça dos latifundiários, a opressão dos governantes. Tudo isso é mascarado por uma falsa piedade e abundantes práticas religiosas (Is 1, 10-20)” (SICRE.2000, 230).  Numa analogia com a vida matrimonial, Isaias denuncia que Jerusalém se deixou de ser uma boa esposa, fiel, de Deus, e se tornou prostituta (Is1,21-26), que produzirá, na sua vida, amarguras, como a vinha malcuidada de Deus (Is5, 1-7). No final do reinado de Joatão, a cidade de Damasco e Samaria se volta contra Jerusalém. A partir de então se instaura a guerra siro-efraimita, no reinado de Acaz. O povo de Israel quer pedir socorro aos assírios. Isaias se opõe ao pedido de socorro.

Sua crítica está no povo desconfiar de Deus e submeter-se a outros povos, como os egípcios e assírios. Sua postura profética política está fundamentada na fé, pois Deus que se comprometeu com seu povo será quem decidirá a ruína de Damasco e Samaria, que havia se voltado contra o povo de Israel. Após várias tensões entre o povo assírio e o povo egípcio com a cidade de Jerusalém, esta várias vezes é invadida e se submete aos outros povos estrangeiros, e ao culto a deuses estranhos. Isaias denuncia tais pecados, apresenta o castigo do povo errôneo e por último, anuncia a salvação de Jerusalém (Is31, 5-6; 30, 27-33; 37, 21-29). Surge então a promessa de salvação que só se realizará com uma resposta concreta de fé, comprometida, vigilante, calma e serena.

O último período, do exílio até o final do mesmo, destaca-se por dois profetas, a saber, Ezequiel e Zacarias. Com a queda de Jerusalém, culminando no exílio à Babilónia, a história do povo de Deus atinge um novo percurso. Na Babilónia, as ameaças e revoltas internas, no poderio de Nabucodonosor, fomenta nos deportados a esperança de que Deus não mais castigaria seu povo, e que eles, com seu rei Joaquim, seriam libertados e voltariam para a Palestina. É nesse contexto que surge o profeta Ezequiel, para destruir as falsas esperanças do povo.

No capitulo quarto e quinto, de seu livro, Ezequiel anuncia a catástrofe de Jerusalém diante do otimismo e da esperança dos exilados, as razões de tal castigo são a rebeldia contra as leis e mandamentos do Senhor (Ez 5, 6), a idolatria (Ez5, 9), insolência e maldade (Ez7,10-11). É na releitura da história de Israel que Ezequiel ver um povo marcado pelo pecado. Um povo que se esqueceu de Deus e cedeu lugar para a prostituição do poderio egípcio, assírio e babilónico, isto é, um povo, da tribo de judá e Israel, que fez aliança e acordos político-religiosos com essas grandes potências governamentais da época.

Nesse tempo Nabucodonosor-rei da Babilónia- tinha nomeado Sedecias para assumir o governo de Jerusalém e explorar tal povo com pesados impostos. Durante nove anos a capital Jerusalém estava em relativa calma, quando Sedecias se rebela contra Nabucodonosor. Fome, incêndio do templo, saques e destruição assolam a capital, e Sedecias se rende ao imperador. Deste modo se realiza a profecia de Ezequiel, de que Jerusalém seria destruída. Uma vez acontecida a queda de Jerusalém, tal profeta se abre para uma nova profecia. Ele denuncia os responsáveis da catástrofe elencando cinco grupos (Ez 22, 23-31): príncipes, sacerdotes, nobres, profetas falsos e proprietários de terra que acumulavam crimes em Jesuralém. Os Reis e os que estão em patamar mais elevado de poderio também são responsáveis por tal mal. A partir de então se abre caminho para uma nova visão, ou profecia (Ez34, 11-16):

Com efeito, assim diz o Senhor Iahweh: Certamente eu mesmo cuidarei do meu rebanho e dele me ocuparei. Como o pastor cuida do seu rebanho, quando está no meio das ovelhas dispersas assim cuidarei das minhas ovelhas e as recolherei de todo os lugares por onde se dispensaram em dias de nuvem e escuridão.  

  Tal profecia denota um novo caminho a ser trilhado por Deus para salvar o seu povo. A profecia é de consolo (Ez36, 1-15). E a conversão se fincará nas suas raízes mais profundas: “Borrifarei água sobre vós e ficareis puro; sim, purificar-vos-ei de todas as vossas imundícies e de todos os vossos ídolos imundos. Dar-vos-ei coração novo, porei no vosso íntimo espírito novo, tirarei do vosso peito o coração de pedra e vos darei coração de carne” (Ez36, 25-26). Deste modo há uma promessa de nova aliança, que unificará as duas tribos e uma eterna permanecia com seu povo (Ez37, 26-27). A partir de então as profecias terão mais fortemente um aspecto de consolo e salvação.

O Dêutero-Isaías se integra nessa nova profecia (Is40-55). Esta passagem referida será de consolo. Assim na boca do Dêutero- Isaías, Deus fala nas primeiras palavras no quadragésimo  capítulo (Is40, 1): “Consolai, consolai meu povo, diz vosso Deus”. Toda via, finalmente, é conveniente se deter rapidamente na profecia de Zacarias. Ele fala da reconstrução do templo de Jerusalém, mas denuncia os pecados do povo e os exorta a conversão (Zc1, 1-6). É significativa suas sete visões, que descrevem, de modo simbólico sua profecia: 1) do castigo das nações e a benção de Jerusalém (Zc1, 8-16), 2) os castigos dos pagãos (Zc2, 1-4), 3) a glória de Jerusalém (Zc2, 5-9), 4) a exaltação de Zorobabel e Josué (Zc4, 1-10), 5) os castigos dos malvados (Zc5, 1-4), 6) a maldade que habita na Babilónia (5, 5-11) e 7) o castigo do norte (Zc6, 1-8). Os aspectos mais relevantes de sua profecia é a ordem escatológica que precede a vinda de Deus. Tudo é orientado para a realização da ação benigna de Deus: “Deus se volta benigno para seu povo, castiga seus adversários, enche de glória Jerusalém, elimina os malfeitores e dá ao povo governantes dignos de nova situação. Após o século V a.C o profetismo vai perdendo sua força. A canonização da lei, o empobrecimento da temática profética, as inúmeras religiões que acolheram para si o atributo profético, dentre outros fatores, contribuem para que o profetismo perca sua força vital anterior. Apesar disso, na camada social de Israel havia a expectativa da vinda de um grande profeta como Moisés e Elias.É interessante que tais profetas se apresentam na transfiguração de Jesus.

Por último vale ressaltar um aspecto de suma importância para o profetismo no segundo testamento. Trata-se portanto da figura de Jesus Cristo, o nazareno. Afirmar que essa personalidade é um profeta seria limitar a grandiosidade de seu anúncio, pois ele mesmo se denominou Filho de Deus (Mt26, 62-66/ Lc22, 68-71) e esta foi sua maior acusação (Jo19, 7). Porém, na missão de Jesus de anuncia Deus Pai e redimir a humanidade, pela sua entrega na cruz, encontra-se, também, alguns aspectos significativos que fazer parte de sua ação profética, enquanto ungido enviado por Deus para salvar a humanidade.

De antemão pode-se destacar que muitos dos profetas do antigo testamento, se não todos, prefiguram a sua presença e ação redentora. É possível encontrar diversos elementos característicos dos profetas que são plenamente realizados em Jesus Cristo. Daí o fato de Jesus receber pelo povo da época, como acontece na tradição de Israel, o título de profeta: “no caminho perguntou, perguntou aos seus discípulos: ‘Quem dizem os homens que eu sou? Eles responderam: ‘João Batista’, outros, Elias; outros ainda, um dos profetas” (Mc8, 27-28).

           Assim se pode considerar: os profetas eram pessoas inspiradas por Deus, Jesus era Filho de Deus que testemunhou com sua própria vida a palavra de Deus, isto é, Jesus mesmo era a Palavra encarnada (Jo1,14). Os profetas eram pessoas públicas, conhecidas pelo povo; Jesus começa sua vida pública, aos trinta anos, a partir do batismo (Mt3, 13s) e apresenta a realização do cumprimento do movimento profético em sua pessoa (Lc4, 16-21 ). Os profetas eram ameaçados; Jesus foi ameaçado pelos fariseus e por Herodes (Lc13, 31). A profecia rompe as barreiras do tempo e das circunstâncias; a pregação de Jesus rompeu as barreiras das sinagogas e chegou aos excluídos da sociedade (Mt4, 23-24). Os quatro tipos de profetas -os profetas do xamãs, os profetas cultuais e do templo, os profetas da corte e os profetas livres-   tinham suas peculiaridades de ação e preocupação religiosa política. A ação profética de Jesus se apresenta com elementos dessas quatro características, isto é, ora cura os doentes (Mt9, 1-8), prega nas sinagogas (Lc4, 16-17), é sinal de profecia e merece ser morto por não se submeter aos poderosos da época (Jo11, 45-54), e privilegia como os mais necessitados do amor e da justiça de Deus aos pobres (Mt5,1-12; Lc6, 20-23; Mt9, 10-13). Jesus anuncia o Reino do Pai e denuncia as injustiças por meio de parábolas, estilo profético (Mt13, 1-3). Na transfiguração Jesus se apresenta em comunhão com os profetas do primeiro testamento (Lc 9:28-36). Por fim, a dimensão profética de Jesus Cristo o leva a morte de cruz (Jo19,25-33). Esses são alguns aspectos que configuram a dimensão profética de Jesus. Portanto, é visível na sua pessoa humana e divina o cumprimento de toda a tradição profética que culmina na ressurreição (Mc16-6) e na abertura de caminho para vida eterna (Jo11, 25).   

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