Isaias Mendes Barbosa.
A
obra A educação para além do capital do
filósofo húngaro István Mészáros (1930)foi escrita para a conferência de abertura
do Fórum Mundial de Educação em Porto Alegre no ano 2004. Essa segunda edição de
2008 inclui o apêndice: Educação: o
desenvolvimento contínuo da consciência socialista. Porém nos deteremos em
discorre sobre a obra em sua essência. A ideia central que Mészáros desenvolve
no decorrer da obra é: promover uma educação inovadora que transforme ou supere
as estruturas determinantes e impositivas da sociedade pelo capital, para,
assim, promover a emancipação humana. Portanto, aqui se trata de uma educação
libertadora e transformadora que vai além de um caráter pedagógico.
No
início da obra, na sua parte introdutória, o autor apresenta três epígrafes ou
frases que servem como premissas iniciais, ou ideias fundamentais, que
concordam com todo seu argumento acerca da necessidade de um salto qualitativo
no sistema educacional para uma transformação social.A primeira epígrafe, de
Paracelso, apresenta a aprendizagem como uma constante na vida humana ("A
aprendizagem é a nossa vida, desde a juventude até à velhice, de facto quase
atéà morte; ninguém vive durante dez horas sem aprender".), a segunda, de
José Martí, apresenta ideia semelhante, porém, com outros elementos cruciais e
críticos que delineiam a insuficiência e incoerências do modelo educacional
precedente ("Se viene a la tierra como cera, –y el azar nos vacía en moldes
prehechos– Las convenciones creadas de forman la existencia verdadera…
Las redenciones han venido siendo formales: –es necesario que sea nesenciales . La
liberdad política no estará asegurada, mientras no se asegura la libertad
espiritual. … La escuela y elhogar son las dos
formidables cárceles de lhombre".). A última, de Marx, apresenta uma cisão entre
os socialista utópicos e aqueles que querem superar o dramático antagonismo
social vigente ("A doutrina materialista relativa à mudança de
circunstâncias e à educação esquece que elas são alteradas pelo homem e que o
educador deve ser ele próprio educado.Portanto, esta doutrina deve dividir a
sociedade em duas partes, uma das quais [oseducadores] é superior à sociedade.
A coincidência da mudança de circunstâncias eda actividade humana ou da
auto-mudança pode ser concebida e racionalmenteentendida apenas como prática
revolucionária".).
A
obra apresenta quatro tópicos no qual o autor se detém e desenvolve as suas colocações sobre o processo de superação do capital pela
educação. Cada tópico segue uma ordem e é complementar. No primeiro tópico, a
saber,A lógica incorrigível do capital e
o seu impacto sobre a educação, Mészáros discorre sobre a realidade social
como um todo, sua lógica determinante pelo do capital e seu impacto sobre a
educação. Nisso se faz relevante à relação intrínseca entre educação e capital,
sendo que os processos educacionais estão estreitamente ligados ao modo de
produção social: ao capital, fonte determinante do modo de relação social. O
nexo entre esses dois conceito é de fundamental importância para se perceber
que a mudança no sistema educacional não é possível sem uma mudança na estrutura social para além do
capital. Assim, até então não foi possível mudanças na educação, pois ela
esteve limitada por uma regra geral estabelecida: a do capital.
As
reformas educacionais, realizadas pelos filósofos utópicos Adam Smith e Robert
Owen, não tiveram êxito na promoção de uma educação inovadora, pois as reformas
não romperam com a própria lógica exploradora do capital e, portanto, não transformaram
as determinações fundamentais da sociedade como um todo. Segundo Mészáros
apresenta, Smith destacou as consequências ou efeitos da divisão do trabalho:a alienaçãodo
homem. Porém, segundo Smith, o problema central não está nas causas da
alienação, mas no próprio homem, que no seu tempo de lazer, e na sua alienação
adquirida, não utiliza seu tempo útil para um bom proveito da vida. Neste
sentido Mészáros critica a insuficiente pretensão de Smith chegar ao problema
central da alienação humana: a lógica degradante do capital. Robert Owen, outro
reformista iluminista, denuncia a busca desenfreada do capitalista pelo lucro e
sua visão errônea de que o trabalhador seria um instrumento de ganho. Porém a solução para essa visão comercial
capitalista e sua postura exploradora sobre o trabalhador só pode ser
solucionada pela razão e o esclarecimento, quando a consciência humana perceber
os erros infligidos ao homem. Outro problema que Owen destaca como risco é a
possibilidade da revolta humana diante das condições precárias e alienantes do
trabalho. Neste sentido, as implicações da lógica do Capital, sem medidas
moderadoras, corre o risco de desperta à ferocidade de caráter dos
trabalhadores, ou seja, sua revolta.
Esses
dois pensadores tentaram promover reformas estruturas na educação, porém, nada
houve de mudanças, pois a raiz do problema não foi atingida, pois, as correções
da perversidade do capitalismo não têm solução e a essência do capitalismo, sua
estrutura e lógica não foi destruída. Sua história de exploração e alienação
foi desvirtuada para uma ideologia falaciosa sobre o capitalismo. AssimMészáros
retifica:
[...] O
impacto da incorrigível lógica do capital sobre a educação tem sido grande ao
longo do desenvolvimento do sistema. Apenas as modalidades de imposição
dos imperativos estruturais do capital no âmbito educacional são hoje
diferentes, em relação aos primeiros sangrentos dias da acumulação primitiva.
(MÉSZÁROS, 2008, p.35).
No
segundo tópico intituladoAs soluções não
podem ser apenas formais: elas devem ser essenciais, Mészáros apresenta que
a educação institucionalizada promoveu uma visão errónea que legitimou o
interesse de uma classe dominante para a subordinação do homem ao sistema
capitalista, sem nenhum intento em promover um caminho alternativo. Mészáros
cita Fidel Castro, quando este falou sobre a falsificação da história cubana,
após a guerra de independência, ensinada nas escolas. Essas deturpações
ideológicas são incutidas quando estão de acordo com o sistema dominante. O
pensador John Locke é citado como exemplo desse pensamento concordante com o
sistema capitalista e explorador.
Por
sua vez, as instituições de educação tiveram de ser adaptadas no decorrer do
tempo, de acordo com as determinações reprodutivas em mutação do sistema do
capital. Assim, cada instituição educacional era regida e exercia sua função de
internalização dessa mentalidade, conforme as implicações do modelo econômico e
dos interesses sociais predominantes. Deste modo, a tarefa da educação formal
foi produzir conformidade ou consenso com a situação vigente e
determinante.
As
soluções formais poderiam ser invertidas desde que a lógica do capital não
fosse alterada. Assim, para que houvesse uma mudança estrutural no processo de
formação que promovesse consciência humana e mudança estrutural do sistema
seria necessário mudar de soluções formais para essenciais.Neste sentido
Mészáros escreve:
O
que precisa ser confrontadoe alterado fundamentalmente é todo o sistema de
internalização, com todas as suas dimensões, visíveis e ocultas.Romper a lógica
do capital na área da educação equivale, portanto, a substituir as formas
onipresentes e profundamente enraizadas de interiorização mistificadora por uma
alternativa concreta abrangente. (MÉSZÁROS, 2008, p.47).
No
terceiro tópico A aprendizagem é a nossa
própria vida, desde juventude até a velhice Mészáros abrange o conceito de
educação como parte integral da vida e da ação humana. Neste sentido, as
reduções da aprendizagem no sistema educacional e sua divisão tradicional entre
trabalho intelectual e trabalho técnico são superadas. Contra essa concepção de
educação tendenciosa e elitistaMészáros apresenta a posição de Gramsci:
[...] a posição de
Gramsci é profundamente democrática. É a única sustentável. A sua conclusão é
bifacetada. Primeiro, ele insiste em que todo ser humano contribui, de uma
forma ou de outra, para a formação de uma concepção de mundo predominante. Em
segundo lugar, ele assinala que tal contribuição pode cair nas categorias
contrastantes da “manutenção” e da “mudança”. (MÉSZÁROS, 2008, p.49).
Seja
em relação à manutenção, seja em relação à mudança de uma dada concepção do
mundo, a questão fundamental é a necessidade de modificar, de uma forma
duradoura, o modo de internalizar historicamente prevalente. Romper a lógica do
capital no âmbito da educação é absolutamente inconcebível sem isso.
Compreender
a educação no seu sentido universal, desde o nascimento do humano, implica
perceber a constituição do nosso caráter e nossa personalidade como um processo
de construção que vai além do caráter formal da educação as escolas. Sem
dúvida, algumas escolas que tentam limitar o sistema de aprendizagem do homem
com nível puramente formal educativo-pedagógico, pode causar grandes estragos
para constituição de sua personalidade, criticidade e criatividade humana. A
esse intento, Mészáros faz referência ao grande literato mundial AttilaJózsef,
que analisa criticamente o modelo educacional que mais se apresenta como
cárcere do homem, do que libertação de sua essência. Neste sentido, a educação
tem seu grande desafio de salvar o homem de um sistema educacional que o limita
e aliena, pois está determinado pelas leis que regem a sociedade pelo sistema
capitalista:
[...] temos de
reivindicar uma educação plena para toda a vida, para que seja possível colocar
em perspectiva a sua parte formal, a fim de instituir, também aí, uma reforma
radical. Isso não pode ser feito sem desafiar as formas atualmente dominantes
de internalização, fortemente consolidadas a favor do capital pelo próprio
sistema educacional formal. (MÉSZÁROS, 2008, p.55).
Neste
sentido é preciso uma contrainternalização coerente e sustentada como
alternativa libertária e concretamente sustentada para superar a ordem
estabelecida. Como apoio dessa ideiaMészáros faz referência a Renato
Constantino, que tentou dar ênfase à tarefa histórica de produzir um sistema de
educação alternativo e duradouro, completamente à disposição do povo, muito
além do âmbito educacional. Assim uma educação libertadora, com práticas
políticas e culturais, se faz necessária para superar a educação formal
restritiva e promotora de prisão da essência humana. A emancipação pela
educação que integra diversos aspectos sociais e culturais em sua ação para as
mudanças sócias se faz necessária e urgente.
Libertação na educação desse processo de alienação é o caminho.
No
quarto e último tópico, ou seja, n’A
educação como transcendência positiva da autoalienação do trabalho,Mészáros
faz referência a Marx e sua proposta emancipadora. Segundo Marx, os seres
humanos devem mudar dos pés à cabeça as condições da sua existência industrial
e política, econsequentemente toda a sua maneira de ser. Nesse sentido, a
superação desse sistema, que promove uma educação alienada, precisa se superado
poruma reestruturação
radical das nossas condições de
existência há muito estabelecidas, e, por conseguinte toda a nossa maneira
de ser, e o papel da educação é de fundamental importância na luta por essas
condições. A promoção da
universalização daeducação e a universalização do trabalho como uma atividade
humana auto-satisfatória é o caminho. Deste modo se dá a superação do capital
pela educação e o trabalho numa democracia e num processo de universalização.
Bibliografia:
MÉSZÁROS, István.A educação para além do
capital.
2ª
ed. São Paulo: boitempo, 2008.
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