Isaias Mendes Barbosa[1]
25 a 28/11/2014. (XIX Semana Universitária-UECE)
A filosofia de Giambattista Vico, presente na
sua obra mais significativa, a saber, Princìpi di Scienza nuova(1725;
1730; 1744), apresenta uma nuovascienza
distinta daquela do mundo natural, ou seja, daquela orientação prevalente na
tradição filosófica. O fundamento dessa nuova scienza
se inscreve no universo de uma nova metafísica, pois postula os princípios da
origem e natureza comum dos diversos povos, ou seja, das leis que regulam o
mundo civil das nações tendo como base os elementos decorrentes do fazer humano
ao longo da civilização. Daí a abordagem viquiana destacar a importância de
saberes eruditos, oriundos da tradição clássico-humanista, para a
sistematização da sua nuova scienza
como sistema da civilização. Com base na reflexão da Ciência Nova, presente na edição de 1744, apresentam-se aqui, para
esta exposição, a seguinte ordem de argumentos: i) a crítica viquiana aos
limites dos filósofos e filólogos e à ciência moderna; e ii) a invenção de uma nuova scienza como ciência da verdade do
mundo civil e orientação da providência divina. No universo do saber e da
tradição cultural moderna, Vico apresenta um saber erudito que considera as
Letras e os diversos saberes da Antiguidade, como necessários à constituição
também de uma prática de tal ciência da vida civil e das origens de todas as
nações. Vico explicita assim os elementos pertencentes à sistematicidade de sua
ciência, no Livro I da Ciência Nova,
e expressa ao mesmo tempo a sua postura ante a racionalidade moderna. Trata-se,
portanto, de um diálogo com os diversos saberes e culturas que se desenvolve em
sua Ciência Nova.
Palavras-chave: Nuova Scienza. Erudição. Crítica. Modernidade.
Introdução
A tradição cultural moderna, com suas questões
e problemáticas filosóficas, políticas e sociais não pode ser refletidas e
compreendidas em seu conjunto contextual sem se repostar a tradição
clássico-antiga, ao período Medieval- patrístico e escolástico- e ao
Renascimento italiano. Pois esse conjunto de saberes, correntes filosóficas e
pensamentos da tradição influenciaram seu período na sua significação, digamos
que Moderna, ou inovadora. Assim, a modernidade constitui um período marcado
por novas perspectivas filosóficas acerca do mundo da natureza e antropológico,
desvinculado do caráter transcendente, por um novo método de pesquisa, como o
indutivo, pela importância dos saberes de natureza quantitativa e geométrica,
como a matemática e a física, pela racionalidade unida a Ciência experimental e
pelo advento da tecnologia.
Esse novo senário apresenta a esperança de
novos caminhos do pensar e da vida civil em que a razão e a Ciência juntas e
unidas imperam com autonomia. Duas correntes fortes nesse período são o
racionalismo (Descarte) e o empirismo(Francis Bacon), esta apoiava-se que a
verdade das coisas passavam pelos sentidos, em quanto aquela presumia e verdade
pela razão. Alguns pensadores mais conhecidos que marcaram a modernidade foram
Descarte, Francis Bacon, Spinoza, Locke, Hobbes, Giambattista Vico, Berkeley,
Kant, Hegel, Galileu Galilei, Leibniz e Wittgenstein, dentre outros. A Modernidade deixou no segundo plano do
pensamento os demais tipos de saberes da tradição,que estavam integrados ao
pensamento filosófico: a filologia, a metafísica, as letras, a erudição, a
literatura, a retórica, a poética e a história, dentre outros.
Giambattista Vico(1668-1744) é um dos poucos
pensadores da Modernidade que tanto dialoga com o seu tempo, e as diversas
orientações e correntes culturais e filosóficas da sua época, como apresenta sua
crítica aos que desconsideram diversos tipos de saberes da tradição que são de
suma importância na constituição, manutenção e conservação da sociedade civil. Assim
se dá a sua crítica a racionalidade ao seu método exclusivista como pressuposto
determinante do saber.
Na sua mais brilhante obra Scienza Nuova (1744), Vico apresenta uma Ciência Nova até então
nunca antes vista e realizada. Uma Ciência que trata do mundo civil e da
natureza fundamental do homem: ser sociável. Neste sentido Vico considera um
saber erudito que dar relevância as Letras e aos diversos saberes da
Antiguidade, como necessários à constituição também da vida prática de tal
ciência da vida civil e das origens de todas as nações. Vico explicita assim os
elementos pertencentes à sistematicidade de sua ciência, no Livro I da Ciência Nova, e expressa ao mesmo tempo
a sua postura ante a racionalidade moderna. Não se trata de ver a razão com
elementos inviável no campo epistemológico, ontológico, metafísico, político e
civil, mas perceber os outros elementos, como a poesia, a história, o senso
comum e o mito, dentre outros, fundantes do único universo possível de ser
conhecido pelo homem: o universo da constituição de sua mente, de sua natureza,
vida civil, da prática social.
Portanto, o aspecto cívico-social, moral e político
fazem parte da abordagem filosófica viquiana, eles são luzes que orientam os
primeiros passos na construção metafísica da Nuova Scienza. Neste sentido, tanto a abordagem filológica como a
filosófica acerca da história, da cultura dos diversos saberes, originária das
nações a partir de sua gênese, como os aspectos que configuram essa relação no processo
civilizatório, assume sua importância e destaque na Nova Ciência. Dessa forma
entra em questão a sua inserção e valorização das ciências humanas até então
desconsiderada na esfera científica presente na modernidade.
A
filosofia de Giambattista Vico presente na sua mais importante obra:
Scienzanuova, tem a intenção de uma nova ciência, distinta daquela do mundo
natural, a que os filósofos conheciam. O fundamento dessa nova ciência, também
metafísica, estava nos seus princípios, sobre a origem e natureza comum dos
diversos povos e das leis que regulam o universo civil. A abordagem viquiana
considera a importância de outros saberes eruditos, da tradição clássica, na
compreensão de seu sistema filosófico.
A crítica viquiana aos limites dos
filósofos e filólogos e à ciência moderna
Na
segunda Secção, a Dos Elementos, da
Ciência Nova, Vico apresenta os axiomas, ou dignidades tanto de caráter
filosófico, quanto filológicos, que servirão para dar forma à matéria
apresentada na cronologia. Neste
sentido, Vico percorre um novo caminho, partindo de suas máximas que são os
pressupostos fundamentais da sua Nova Ciência. Neste sentido toda sua
construção filosófica é marcada por essas duas abordagens filosóficas e
filológicas, que se completam e configuram a sua crítica tanto aos filósofos
como aos filólogos da época e da tradição.
A
crítica aos filósofos começa na sesta dignidade quando Vico afirma que: “A
filosofia considera o homem tal como deve ser e, assim, não pode valer se não
pouquíssimos, que desejam viver na república de Platão, e não cair na escória
de Romulo.” (Cf. VICO, 2005, p.108). Deste modo está o primeiro limite da
filosofia, pois, considerando o homem como deve ser, ela se esquece de outro
elemento considerado importante pela legislação: o homem tal como é, ou seja,
sua natureza, para fazer bom uso dela na sociedade. Desconsiderar o homem tal
como é infere no erro deste tipo de filosofia onde nenhuma coisa se estabelece
ou perdura.
Segundo
Vico afirma na décima dignidade: “A filosofia contempla a razão, donde provém a
ciência do verdadeiro; a filologia observa a autoridade do arbítrio humano, de
onde provém a consciência do certo” (Cf. VICO, 2005, p.110). A abordagem
filológica se reporta a todos os historiadores, gramáticos e críticos, que se
ocupam da cognição das línguas e dos fatos dos povos, como os costumes, as
leis, as guerras, as pazes, as alianças, dentre outras coisas, que fazem parte do
arbítrio humano, da história dos povos, da tradição. A abordagem filosófica,
por sua vez, se detém a uma sabedoria ideal, das ideias eternas e universais,
portanto, Metafísica, e sua incidência na mente dos homens.
Deste
modo a critica viquiana afirmada na décima Dignidade apresenta que, tanto os
filósofos quanto os filólogos ficaram no meio caminho de sua abordagem, pois tanto
os filósofosnão acertaram as suas razões com a autoridade dos filólogos, como
os filólogos não se certificaram de certificar sua autoridade com a razão dos
filósofos. A unilateralidade de cada abordagem seria o erro de cada um e é uma das
críticas feita por Vico.
A
filosofia é vazia sem a filologia. E a filologia não pode ter fundamento sem
uma orientação lógica. Neste sentido,
sua abordagem tanto apresenta o fundamento do verdadeiro na história de todos
os povos como apresenta o desenvolvimento de cada povo nas três idades
fundamentais da natureza dos homens, da mente humana. Desse modo, todo o
trajeto filológico precisa de um quadro teórico que fundamente e transforme a
filologia em ciência.Assim, filosofia e filologia precisa de estar em íntima
união.
A
crítica viquiana a tradição moderna, exclusivista da razão e do seu método
geométrico, está também no campo epistêmico-ontológico. A ciência moderna tem
suas fontes na tradição clássica dos pensadores da natureza. A retomada deste
saber ganhou uma nova configuração e método no advento da ciência moderna. Daí
se acreditou que a razão, junto com o método quantitativo-matemático da
realidade e os novos instrumentos de pesquisa poderiam promover a verdade objetiva
do mundo natural. Portanto se acreditou que se poderia fazer Ciência e que o
novo método cartesiano e indutivo seriam a chave para a verdade das coisas
naturais e para sua modificação. A crítica viquiana, no início da terceira
secção, DOS PRINCÍPIOS, em relação à Ciência do Mundo Natural é a seguinte: “O
que, a quem quer que nisso reflita, deve causar admiração, como todos os
filósofos se esforçaram seriamente por conseguir a ciência deste mundo natural,
do qual só Deus o fez, só ele possui a ciência”(Cf.VICO, 2005, p.172). O Saber
sobre o mundo natural está na ordem do fazer. Portanto, só quem faz é que sabe.
O mundo natural não foi criado pelo homem, mais por Deus, neste sentido, só a Deus
é que cabe a Ciência da Natureza. Portanto, o erro da Ciência Moderna está no
seu objeto de pesquisa que não pode ser conhecido em sua essência pelo homem.
ii) A invenção de uma nuova scienza como
ciência da verdade do mundo civil e orientação da providência divina.
Estão
fica uma questão intrigante ao homem: o que é possível para o homem saber, que
não seja o mundo natural? A única coisa que o homem pode saber é aquilo que ele
faz e isso está na ordem da vida
civil. O mundo possível de se fazer Ciência é o mundo das nações, produzidos
pelo arbítrio humano. Assim se dá a Nova Ciência de Vico, pois todos,
“Negligenciaram o meditar sobre este mundo das nações, ou seja, o mundo civil,
do qual, porque o havia feito os homens, dele podiam os homens conseguir
ciência.” (VICO, 2005, p.172).
Porém,
outra questão se faz presente: é possível fazer Ciência daquilo que é do fazer
humano, daquilo que se reposta a sua história, costumes e vida social? Essa é a
grande novidade de Vico. Pois, na Ciência Nova ele apresenta de forma erudita
os princípios metafísicos, portanto, primeiros e universais, de onde se
formaram e se conservam todos os povos. Sobre isso ele afirma:
Agora, uma vez que
este mundo de nações foi feito pelos homens, vejamos em que coisas perpetuamente
concordam e ainda concordam todos os homens, porque tais coisas poderiam
fornecer-nos os princípios universais e eternos, tal como devem ser de toda
ciência, sobre as quais surgiram todas as nações e todas se conservam (VICO,
2005, p.172).
Vico descreve que todas as nações
conservam três costumes comuns: a religião, o matrimônio e a sepultura. Esses
três elementos são os princípios fundamentais que norteiam a natureza humana.
Sobre a religião Vico afirma:
Porque todas as
nações crêem numa divindade providente, pelo que se puderam encontrar quatro, e
não mais, religiões primárias ao longo de todo o decurso do tempo e por toda a
vastidão deste mundo civil: uma dos Hebreus e, portanto, outra dos Cristão, que
acreditaram na divindade de uma mente infinita e livre; a terceira dos gentios,
que acreditaram na de vários deuses, imaginados compostos de corpo e de mente
livre, pelo que, quando pretendem significar a divindade (Cf. VICO, 2005, p.174)
Em relação ao casamento matrimonial,
Vico afirma que este é o segundo elemento que configura o princípio de sua Nova
ciência. Existe a opinião de que os concubinatos de homens livres e mulheres
livres, ou seja, sem a solenidade matrimonial, ou civil, não contem nenhuma
malícia natural, ou problemática. Porém essa posição é censurada por todas as
nações, e definida como pecado de animais. Daí, pelo que Vico considera, esse
tipo de união desprovida de qualquer vinculo de leis, acaba por despendê-los
tanto da obrigação para com os dois conjugues, como para com seus filhos. Assim
estes “teriam que crescer sem ter quem lhe ensinasse religião, nem língua, nem
outro costume humano.” (VICO, 2005, p.175). Assim estes, desprovidos de toda
bagagem que faz parte da sua construção humano-social-cívica, iriam vagar como
as feras selvagens de Orfeu.
Por último, a sepultura seria o terceiro
princípio da ciência nova. Para colocar em questão sua sentença, Vico,
considera que imaginemos um estado ferino em que os cadáveres humanos
permanecessem insepultos sobre a terra, a servir de engodo aos corvos e cães.
Esse costume é denominado de bestial. Daí, um dos motivos da necessidade das
sepulturas como tratados do gênero humano e de relação humanas recíproca. Essas
três características que configuram os costumes de todas as nações fazem parte
do senso comum, como algo inato, e necessário e útil, que faz parte do gênero
humano. Desse modo, é considerada a crença na divindade, a solenidade
matrimonial e o sepultamento, os três elementos eternos, universais, portanto,
os princípios primeiros da Ciência Nova.
Vico
apresenta nos Elementos os axiomas ou
dignidades, tanto filosófica como filológica, sobre a natureza comum das
nações. Essas máximas são os pressupostos para formulação, sistematização e
dinâmica da Ciência Nova.
A verdade e autoridade dessa Ciência
está na natureza das coisas criadas pelo homem (Dig.XIV), das ideias uniformes
nascidas no seio de povos inteiros, desconhecidos entre si (Dig.XIII), daquilo
que foram conservado por povos inteiros durante longo período de tempos
(Dig.XVI), daquilo que é da tradição primeira, vulgar, dos primeiros povos. Por
isso, esta Ciência se valer do senso
comumcomo os primeiros juízos sem reflexão alguma, comumente sentido por
toda uma ordem, por todo um povo, por toda uma nação ou por todo o género
humano (Dig.XII). Destes princípios é que se tira a autoridade desse saber.
No Método
Vico destaca o procedimento devido de sua Nova Ciência, também metafísica. O método que ele deve usar deve partir de
onde começou sua matéria, do seu pensamento originário, desde aqueles que
começaram a pensar a humanidade, aqueles homens no seu estado de selvageria, no
seu imane orgulho e desregrada liberdade bestial. Foi destes que saíram à
ciência que nos deram sobre o princípio da humanidade.
Isso aconteceu por uma cognição de Deus,
porque o homem, caído no desespero de todos os socorros da natureza, desejou
uma coisa superior que o salvaria. Mas coisa superior à sua natureza é Deus, e
esta é a luz que Deus espalhou sobre todos os homens.
Desse modo, esses primeiros homens, que
foram príncipes das nações gentias, deviam pensar sob fortes impulsos de
violentíssimas paixões. Porém, a partir de uma metafísica vulgar, aquela
pertencente aos poetas teólogos é que se deu normas e medidas a essas paixões
bestiais, transformando-as em paixões humanas. Contudo, é pelo cárter da
Providência divina que os primeiro homens, pelo direito natural pertencente à
necessidade e utilidade, passaram do estado bestial para o civilizatório e
social, o que é marca característica da filosofia viquiana.
Considerações Finais
Vico, portanto, apresenta uma nuovascienzado mundo civil como saber
acertado e inovador. Sua crítica à racionalidade se reporta a um saber cartesiano
que desconsidera as ciências humanas no seu método e a uma abordagem que
apresenta no seu campo epistêmico uma presunção vazia de sentido. Tambémsua
crítica se aplica a aos filósofos e filólogos na sua unilateralidade de
abordagem.
O Método que Vico coloca em questão na
Ciência Nova é a leitura de um modelo comum, universal e eterno, que faz parte
da história de todos os povos, é uma história das ideias humanas, que procede
de uma metafísica da mente humana. O critério de abordagem dessa arte criticatambém
metafísica, é aquele ensinado pela providência divina a todas as nações. Ou
seja, o senso comum desse gênero humano. Desse modo, “esta ciência procede
precisamente como geometria, que constitui o seu próprio mundo das grandezas,
enquanto sobre os seus elementos o constrói ou contempla; mas com tanta mais
realidade quanto mais a têm as ordens referentes aos assuntos dos homens” (VICO,
2005, p. 187).
Referência Bibliográfica
SCRUTON,
Roger. Introdução à Filosofia Moderna: De Descarte a Wittgenstein.
ZAHAR EDITORES, Rio de Janeiro, 1982.
VICO,
Giambattista. Ciência Nova.Trad. Jorge Vaz de Carvalho. Lisboa: Fundação
CalousteGulbenkian, 2005.
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