Isaias Mendes Barbosa
23/04/2013. (Seminário de Filosofia no Ensino Fundamental e Médio)
RESUMO
Esta proposta de
comunicação busca pensar a relação entre Educação e Moralidade humana em
Immanuel Kant, com base na obra Sobre a
pedagogia (1803). Trata-se de uma abordagem
realizada, também, mediante a contribuição de artigos, e escritos
complementares, que aprofundam o tema acima indicado. Tomando como pressuposto
a perspectiva do sentido filosófico da Educação com a moralidade kantiana,
pretende-se assim tratar dos seguintes pontos: i) os
dois estágios do sujeito na educação e a sua finalidade moral; ii) a
distinção entre a educação pública e privada na formação humana; iii) a natureza
bruta e a liberdade na educação; iv) as
leis imperativas da educação prática na moralidade do homem. Tais pontos aqui
indicados se reportam à compreensão do homem como ser racional, distinto dos
demais animais, e naturalmente livre, mas que, nos estágios de sua vida
(infantil e juvenil), precisa da educação no âmbito particular e público, como
elemento promotor de sua moralidade, de sua autonomia e excelência como homem e
cidadão.
Palavras–chave: Educação, Moralidade, Homem.
INTRODUÇÃO
A Modernidade é um período da história
humana que não tem o mesmo valor significativo-filosófico sem a personalidade
marcante, na transição do século XVII ao XVIII, de Emmanuel Kant (1724-1804).
Tal filósofo, de hábito metódico e estatura física frágil, foi uma
personalidade marcante na revolução do pensamento filosófico[1],
pois apresenta uma nova orientação de abordagem epistemológica: o criticismo[2]. A sua filosofia
não é algo pronto e fechado em si, dogmaticamente, mas faz parte de uma
construção contínua do seu pensamento que chegou a sua maturidade, porém,
inacabado, no final de sua vida. Com isso a filosofia de Kant tem como base
fundamental três obras que caracterizam sinteticamente o seu pensamento: a Crítica da Razão Pura (1781), a Crítica da Razão Prática (1788) e a Crítica da Faculdade de Jugar
(1790). Tais obras correspondem respectivamente às condições de possibilidade do
conhecimento, a moral antropológica, como práxis do indivíduo racionalista e,
por fim, o juízo categórico que medeia às representações de mundo e a ação
moral. Crítica, conhecimento, razão, juízo, e prática constituem, portanto, os cinco
termos que são fundamentais na filosofia kantiana.
Na sua obra Sobre a Pedagogia, resultado de um curso ministrado entre 1776/77,
1783/84 na Universidade de Königsberg, e publicado pelo seu discípulo Theodor
Rint em 1803, um ano antes da sua morte, Kant aborda princípios e conselhos práticos
acerca da arte de educar. Neste sentido, o conceito de educação está
entrelaçado com a concepção de moral kantiana. A obra é dividida em Introdução, Sobre a educação Física e Sobre
a educação Prática. No sentido geral, tal obra trata do sujeito moral como
o elemento principal da educação, pois o homem desde a sua nutris necessita de
cuidados e orientações para se chegar à condição de homem e de cidadão, ou
seja, a da moralidade. Contudo, o processo educacional não se efetiva no
sujeito de modo fechado e pronto, mas faz parte de uma continuidade, de um
progresso e construção da própria humanidade. O imperativo categórico [3] passa
a ser à base da moral educacional em Kant, e seu ponto culminante é o reino dos
fins no homem. Trata-se da importância da dignidade e valoração do homem que
caminha para a sua perfeição como ser naturalmente possuidor de uma razão.
Os dois estágios do sujeito na
educação e sua finalidade moral
A obra Sobre a Pedagogia, de Emmanuel
Kant, faz parte de uma reflexão breve
e sucinta acerca da arte de educar. O sistema filosófico kantiano está embasado,
como percurso fundamental e essencial, na racionalidade. Daí com o conceito de
educação não poder ser diferente, a abordagem do homem como ser que ressalta a
sua dignidade e a sua valoração, com base em um processo de desenvolvimento, perfeição
e moralidade pela educação. Portanto, moralidade e educação fazem parte de um
projeto que se interrelacionam e se articulam na promoção do homem para a sua
humanização.
Para uma compreensão geral da relação entre
homem e educação em Sobre a Pedagogia é
fundamental observar o homem em dois graus de desenvolvimento humano e um fim a
que se fundamenta a sua natureza. O primeiro se encontra na Introdução da obra, e diz respeito ao primeiro estágio do homem,
ou seja, o infantil. O segundo é o de
juventude, ou adolescência. A
finalidade que faz parte do desenvolvimento do homem, como ser que tem a
capacidade de se autodeterminar e inserir-se nas relações sociais de uma
determinada sociedade como cidadão, é o de homem como tal, ou seja, o estágio autônomo de humanização.
a)
O estágio infante
Este primeiro estágio é o que diferencia
o homem do animal. O homem enquanto criança ou bebê é um ser que precisa de
cuidados. Naturalmente ele tem todas as potencialidades para ser o que a sua
natureza está destinada essencialmente a ser: homem moral. Porém, para que isso
se realize, é preciso de cuidados e de alguém que o faça. Nesse sentido Kant
argumenta: “O homem é a única criatura que precisa de cuidados. Por educação
entende-se o cuidado de sua infância (a conservação, o trato), a disciplina e a
instrução com a formação. Consequente o homem é infante, educando e discípulo.”
(KANT, 1999, p.11).
Mais à frente Kant acrescenta ainda:
Por
cuidado entende-se as precauções que os pais tomam para impedir que as crianças
façam uso nocivo de suas forças. [...] Mas o homem tem necessidade de sua
própria razão. Não tem instinto, e precisa formar por si mesmo o projeto de sua
conduta. Entretanto, por ele não ter a capacidade imediata de o realizar, mas
vir ao mundo em estado bruto, outros devem fazê-lo por ele.(KANT, 1999, p.12).
Na citação acima, pode-se observar que o
primeiro estágio põe o homem como ser dependente de um superior para o processo
de sua formação. O cuidado é o que difere o homem, enquanto bebê, dos demais
animais, pois os animais nascem com um instinto natural e de proteção. No
máximo que se poderia dizer é que os animais precisam de alimento, porém dentro
de si já está a pré-disposição natural, ou seja, aquilo que ele deve ser (animal).
Daí se identificar duas vias que marcam o homem, como criança, e destacam as
suas necessidades para ser homem propriamente dito: a necessidade de cuidados e
a ajuda de alguém que o oriente para sua humanidade, por se encontrar ainda no
seu estado bruto. A educação pode ser efetivada pela disciplina e instrução,
sendo a primeira negativa[4] e
a segunda positiva. Esses dois pontos fazem parte da iniciação do homem na
sociedade, no entanto, o seu caráter de exigência é menor que quando jovem.
b)
O estágio de
juventude ou adolescência
O segundo estágio é o de juventude. Este
estágio é mais avançado do que o anterior, porém algumas considerações devem
ser levadas em consideração, pois este estágio se faz, onde a disciplina e a
instrução é mais presente. Esses dois aspectos da formação têm a finalidade de
encaminhar o homem para a sua humanidade, e distanciamento de sua selvageria[5]. De
acordo com Kant:
Quando
se deixou o homem seguir plenamente sua vontade durante toda a juventude e não
lhe resistiu em nada, ele conserva uma certa selvageria por toda a vida.
Tampouco uma afeição materna exagerada é útil aos jovens, uma vez que mais tarde
lhe surgirão obstáculos de todas as partes e receberão golpes de todos os
lados, logo que tornarem parte nos afazeres do mundo. (KANT, 1999, p.14).
O
segundo estágio é mais exigente, porque o homem vai entrar em contato
efetivamente com a disciplina e a instrução. Daí passar a existir as resistências
a sua vontade, para um polimento de sua brutalidade. Sem essas resistências o homem não vai se
exercendo corretamente no aspecto de sua liberdade. A disciplina faz o homem,
como jovem, entrar em contato com a lei. Ao primeiro ponto essa lei não faz
parte do caráter moral do sujeito, daí um dos pontos de ser entendido como
resistência. Esse momento é importante para fazer o indivíduo sentir a força da
lei. Sem isso o jovem se tornará um
homem desregrado que segue os seus caprichos.
A punição tem a função de conscientizar
o homem de seu estado desregrado e selvagem, a fim de tentá-lo afastar do mesmo
e fazê-lo entrar na condição moral de dignidade. Para a criança, ou adolescente,
a desobediência é respondida com a punição. Neste caso, portanto, qualquer lei
desobedecida acarreta uma punição. Há
dois tipos de punição: a física e a moral. A primeira se faz em caso estremo,
quando a segunda não resolve. A punição moral é a primeira a fazer parte do homem
enquanto adolescente. Para a criança, entretanto, a punição moral só é válida
depois do seu estado de consciência do dever, ao passo que no jovem isso já se
apresenta mais claro e objetivo. Há, entretanto, a necessidade de ele absorver
a lei como algo que faz parte dele e não como algo desconhecido, heterônomo.
c)
A finalidade de
autonomia e humanização
O reino dos fins ao qual o homem deve
tender, é o estado ideal em que a sua dependência e necessidade de outro, para
se guiar e se determinar, não mais existe, pois, nesse momento, a sua
consciência de mundo e realidade já está no campo de uma moralização, de uma
autonomia, de uma interiorização, de uma máxima universal que se torna lei,
representada e incorporada na práxis do indivíduo, com base em sua razão. Esse
é o estado em que suas condições intelectivas racionais estão preparadas para
que se faça uso daquilo que lhe é próprio: o seu entendimento.[6]
Quando se está neste grau alcançado pelo homem, pode-se dizer que ele faz uso
daquilo que lhe é próprio, ou seja, a sua razão, a sua moralidade pela formação
da educação. Entretanto, a educação só é prioritária e decisiva na vida do
homem até o seu estágio de autonomia, ou de maioridade. Cabendo assim ao homem
se guiar por leis próprias que o determine. O que marca biologicamente a
inserção do homem na sociedade é a sua disposição para ter filhos. No entanto,
o homem não estando preparado fisicamente e economicamente, ou moralmente,
precisa de paciência para atingir as condições necessárias para de modo adequado
entrar no mundo civil. Apesar da finalidade do homem ser a perfeição de si, a
humanização pela educação, é um projeto contínuo de geração em geração. Kant
escreve:
A
educação é uma arte, cuja prática necessita ser aperfeiçoada por várias
gerações. Cada geração, de posse dos conhecimentos das gerações precedentes,
está sempre melhor aparelhada para exercer uma educação que desenvolva todas as
disposições naturais na justa proporção e de conformidade com a finalidade
daquelas, e, assim, guie toda a humana espécie a seu destino. (KANT, 1999, p.19).
Por conseguinte, ele acrescenta:
Há muitos germes na humanidade e toca a nós
desenvolver em produção adequada as disposições naturais e desenvolver a
humanidade a partir do seu germe e fazer com que o homem atinja a sua
destinação. O homem, [...] é obrigado a tentar conseguir o seu fim; o que ele
não pode fazer sem antes ter um conceito. O indivíduo não pode cumprir por si
só essa destinação. (KANT, 2006, p.18).
Conforme as citações acima, a
educação é promotora da moralidade do homem e alcança geração a geração, a fim
de aprimorar o homem, fazendo-o chegar a seu fim de perfeição, ou à realização
de todas as suas potencialidades. Neste sentido, a educação não é só para o
indivíduo singular, mas faz parte do percurso de toda uma humanidade, ou seja, daquilo
que torna o homem um verdadeiro homem.
É
certo, portanto, que a compreensão de homem na obra Sobre a pedagogia reenvia a esses três momentos na educação:
infante, juvenil e autônomo. Sabendo que no processo de formação da educação os
três se interdependem e se relacionam. Para se tenha um homem com as suas
potencialidades e categorias racionais e autonomia, para oriente a si mesmo, é
preciso, pela educação, que o homem seja moldado, a fim de alcançar a sua
finalidade moral e essencial, ou seja, a razão, a moralidade, a autonomia, a
perfeição.
A distinção entre a educação pública e privada
na formação humana
A
Educação é o modo essencial de formar o homem moralmente, pois o eleva da
condição primitiva para a de homem. A Educação se faz pela formação que se
efetiva, pela disciplina e pela instrução. A primeira é negativa, pois afasta
do homem os seus defeitos e a segunda é positiva, pois concede ao homem um
direcionamento moral. Com ela o homem
pode ser bom, sem ela pode ser um mau educador de sua geração futura. Portanto, Kant sustenta:
O
homem não pode se tornar um verdadeiro homem senão pela educação. Ele é aquilo
que a educação dele faz. Note-se que ele só pode receber tal educação de outro
homem, os quais a receberam igualmente de outro. Portanto, a falta de disciplina
e de instrução em certos homens os torna mestres muito ruins de seus educandos.
(KANT, 1999, p.15).
Os espaços onde a educação se efetiva são dois: o da
família e o do estado. O da família diz respeito à educação privada, o do
estado, à pública. As duas se
relacionam, mas cada qual tem a sua importância fundamental na formação do
homem.
A
educação pública diz respeito às informações e não sai do seu âmbito público e
comunitário. A educação pública completa utiliza-se da instrução e formação
moral, pois, assim, tanto molda o estado físico e preparatório, como a caráter
próprio do homem, aquilo que se remete ao seu perfil e sua conduta. Neste
sentido, ela comporta um local chamado Instituto de Educação, cuja finalidade é
o aperfeiçoamento da vida doméstica ou familiar. Ao instituto se paga uma
determinada quantia, a fim de manter o ambiente e surtir os educadores do Instituto.
Este instituto, ou escola pública, segundo Kant, tem um objetivo: “Estes devem
prestar a realizar certas experiências e a formar pessoas aptas para que possam
dar uma boa educação doméstica” (KANT, 1999, p.31). Daí, inversamente
proporcional ao mundo contemporâneo, a educação pública é a base fundamental da
constituição e construção do homem em sua dignidade e cidadania com base na
família.
A
educação privada submete o homem à prática dos preceitos. Ficam responsáveis
por ela, os pais ou outrem que o queira, ou se responsabilize pelos seus
filhos. O apoio de outrem faz merecer um pagamento ou recompensa pelos serviços
prestados, o mesmo se faz também na educação pública. Disto resulta um problema
que pode acontecer entre a responsabilidade dos pais e a dos que permanecem
incumbidos de educar as crianças: “Mas tal educação, ministrada por auxiliares,
tem a gravíssima circunstância de dividir a autoridade entre os pais e esses
governantes. A criança deve regular-se pelos preceitos de seus governantes e, ao
mesmo tempo, seguir os caprichos de seus pais.” (KANT, 1999, p.31). Nesse
sentido é de fundamental importância que os pais cedam à autoridade aos que se
responsabilizaram pelos seus filhos. Dessa forma torna-se possível uma
organização e uma orientação moral, uma prática de preceitos que não está
inclinado aos caprichos ou apego dos filhos.
Em
suma, a educação pública passa a ser a mais importante, pois a sua
fundamentação está na educação do sujeito a fim de prover a sua cidadania e a
sua elevação da condição de menor idade à maioridade. É importante citar que no
processo educacional as formas de educação e instrução da criança e do jovem têm
uma finalidade de desenvolver a sua autonomia. Daí a proposta de orientação de
um horizonte que o conduza à humanização e à dignidade do homem. A relação das
formas de educação, do privado ao público, é uma preparação que, por meio de
vários recursos como brinquedos, alimentação, instrução, esportes, jogos,
trabalho, disciplina, e desenvolvimento das disposições naturais do indivíduo,
tenta promover as condições necessárias para se ter o homem capacitado, tanto
no seu aspecto físico como no seu caráter, e nos aspectos relativos a sua
índole e valores, ou seja, na sua moral. Alma e corpo passam a ser aquilo que
deve ser trabalhado com o intento de promover a natureza, a qual o homem está
convidado a ser: livre, moral, sociável e cidadã.
Natureza bruta e liberdade na educação
A Educação
é a base fundamental para construção do homem em seu processo de dignidade e
humanização. No aspecto da formação entra-se em contato com dois elementos que
fazem relação com as questões éticas do homem: a disciplina e a instrução.
Antes de qualquer coisa é importante se compreender que o homem é constituído
por duas naturezas: uma boa e uma má[7].
Porém o que marca a efetivação do homem é a sua vontade. A disciplina, na
educação, é o instrumento de purificação do homem, que permite afastá-lo de
suas inclinações e maus costumes. Daí a disciplina funcionar na intenção de afastar
do homem aquilo que é marca de seu estado selvageria. A selvageria é definida como uma vontade
declinante, que não segue ou não está em conformidade com a razão, pois,
conforme escreve Kant:
Quando
se deixou o homem seguir plenamente a sua vontade durante toda a juventude e
não lhe resistiu em nada, ele conserva uma certa selvageria por toda a vida. [...]
Um erro, no qual cai comumente os grandes, é o de não se lhes opor nenhuma
resistência durante a juventude, porque estão destinados a comandar. No homem,
a brutalidade requer polimento por causa de sua inclinação à liberdade; (KANT,
1999, p.14).
A Educação,
portanto, faz parte da formação do homem, no intento de promover a realização
da liberdade, porém isso só é possível pela moralidade.
Outra
característica marca o estado barbárie do homem: as inclinações às paixões.
Elas são tendências, ou inclinações, às escolhas que agradam, ou que obtenha o
prazer do indivíduo que a prática. Neste sentido, há uma tentativa de
comodidade, pois o que garante a satisfação da vontade do homem, muitas vezes o
acomoda. Daí ser fundamental a disciplina na promoção da moralidade e do
caráter do homem que: “É preciso antes domar as paixões. No que toca às suas
tendências, o homem não deve deixa-la tornarem-se paixões, antes devem aprender
a privar-se um pouco quando algo lhe é negado. Sustine quer dizer: suportar e
acostumar a suportar!” (KANT, 1999, p.86).
Na
formação educacional, a disciplina é a promotora da moralidade no sentido
negativo, porque ela orienta a conduta humana para sua finalidade natural: a
moralidade. A abstenção e a privação de tendências que não promovem, ou não
estão de acordo com as leis da moralidade, são aspectos da disciplina. A instrução
é o aspecto positivo da Educação, pois conduz de uma forma positiva a vontade
humana a partir de sua natureza, a liberdade. A liberdade é o aspecto apodítico
(universal e necessário) por onde o homem, pelo imperativo categórico, deve pôr
em prática a sua moralidade. Daí ser livre sigunifica não se deter no que é
contra as leis da natureza essencial do homem. É escolher aquilo que promove a
realização das leis racionais. A disposição da liberdade possibilita ao homem a
condição de ser moral, de outra forma isso não seria possível. Portanto, no
homem existe uma pré-disposição natural da liberdade para a efetivação do imperativo
categórico. Segundo Kant argumenta:
O
homem é tão naturalmente inclinado à liberdade que, depois que se acostuma a
ela [, a disciplina,] por longo tempo, a ela tudo sacrifica. Ora esse é o
motivo preciso, pelo qual é conveniente recorrer cedo à disciplina; pois, de
outro modo, seria muito difícil mudar depois o homem. (KANT, 1999, p.13).
Para
Kant a liberdade é a condição necessária e final da moralidade humana. Sendo assim,
ele necessariamente só pode agir moralmente pela educação, com sua liberdade de
escolha, podendo ser assim, formado moralmente, e segundo as leis naturais, ou
seja, segundo a razão. A disciplina e a instrução são instrumentos que promovem
a realização do homem como ser racional. É salutar também destacar que na
liberdade é que se tem a orientação de uma boa vontade. Daí, para que haja em
comum acordo uma liberdade, é preciso às máximas, que conduzem o homem para uma
produção de suas normas, que têm a forma de imperativo categórico e em sua
realização que ele se torna livre. Justamente pra esse fim, ou seja, para sua
liberdade é que ele age moralmente conforme sua formação pedagógica.
Leis imperativas da educação prática na
moralidade do homem
Na
cultura geral educacional existem os aspectos físicos e morais, cuja finalidade
é fortificar a personalidade do jovem em sua formação. Na formação física o
jovem é mandado para a escola a fim de ser formado, porém, a princípio, a
formação se faz pela disciplina e instrução. Ao jovem são impostas regras para
serem seguidas. Nesse primeiro momento, o homem não tem consciência das máximas
a que ele dever se autodeterminar e muito menos das máximas que compõe a lei, a
qual ele está em contato na formação educacional. A lei, que está composta na
disciplina e instrução, é estranha a seu ver, porque ainda não foi despertado
no jovem suas máximas. Esta faz parte do segundo momento, que é o da formação
moral, em que nele há desenvolvimento de máximas, a qual deve se guiar. Aqui, a
disciplina não tem mais utilidade, pois esta só tem a função de promover o
hábito, até que o indivíduo desenvolva o seu entendimento para determinar a sua
realidade tendo como base uma moralidade. Depois das máximas efetivadas pelas
leis da razão, o homem não precisa depender da disciplina para efetiva a sua
ação. Daí ser preciso que na formação educacional, de acordo com Kant,
[...]
cuidar para que o discípulo aja segundo suas próprias máximas, e não por
simples hábito, e que não faça simplesmente o bem, mas o faça porque é bem em
si. Com efeito, todo o valor moral das ações reside nas máximas do bem. Entre a
educação física e a educação moral existe essa diferença: a primeira é passiva
em relação ao aluno, enquanto a segunda, ativa. É necessário que ele veja
sempre um fundamento e a consequência da ação a partir do conceito de dever. (KANT,
1999, p.68).
As
máximas são inferências produzidas pelo indivíduo. Elas estão no campo do dever
e do possível. Por conseguinte, o homem deve pensar se uma ação (passiva ou
ativa) deve ser efetuada por ele, e se essa ação que tem um caráter geral pode
ser realizada por todo ser humano, sem ofender a sua integridade. Portanto,
para se fundar uma moral no homem é preciso incutir essas máximas no jovem a
fim de formar seu caráter. Segundo Kant argumenta:
Se
se quer formar a moralidade não se deve punir. A moralidade é algo tão santo e
sublime que não se deve rebaixa-la [...]. O caráter consiste no hábito de agir
segundo certas máximas. Estas são de princípios a da escola, e mais tarde, as
da humanidade. A princípio a criança obedece a lei. Até as máximas são leis,
mas subjetivas; elas derivam da própria inteligência do homem. (KANT, 1999,
p.76).
A
noção de dever passa a ser as máximas orientadoras da moralidade do jovem.
Ademais é o ponto principal para que se tenham máximas válidas apodíticas,[8] é
a incondicionalidade do exterior ou de suas paixões e a condicionalidade das
leis da razão, para que o indivíduo se determine, e aja em sua realidade, representando-a
e efetivando-a. Dessa forma, o agir por dever é o imperativo impositivo que se
encontra na vontade boa para efetivar as leis da razão e dever se relacionar em
dois níveis: para consigo e para com o outro. No primeiro, o agir, segundo a conveniência, é o que consiste em
conservar uma dignidade interior do homem como tal. O dever se faz na valoração
e aderência da dignidade da natureza humana. A consciência dessa dignidade é
algo fundamental na vida do jovem em sua formação. No entender de Kant:
Deve-se-ia
fazer a criança perceber a dignidade humana em sua própria pessoa, por exemplo,
no caso de solidez, a qual pelo menos desdiz da humanidade. A criança pode,
porém, colocar-se abaixo da dignidade humana quando mente, desde que já possa
pensar e comunicar seus pensamentos aos demais. (KANT, 1999, p.90).
No segundo aspecto, o respeito e a obediência aos direitos humanos práticos devem ser a instrução a
que se guia a vontade humana do formando. Essa obediência e respeito são
necessários, para que o homem possa pôr em prática a efetivação da lei e para
que a mesma lei tenha um valor que ressalva a sua dignidade, e da humanidade,
em um sentido geral. Os valores da virtude, como a beneficência, o domínio de
si, a lealdade, a decência, e pacificidade, a honradez, a modéstia e a
temperança, são elementos característicos que propiciam um melhor desempenho, uma
melhor aderência à moralidade do formando. Portanto, a condição para o homem
tornar-se moral é
[...]
quando eleva a sua razão até aos conceitos do dever e da lei. Pode-se,
entretanto, dizer que o homem traz em si tendências originárias para todos os
vícios, pois tem inclinações e instintos que o impulsionam para um lado,
enquanto sua razão o impulsiona para o contrário. Ele, portanto, poderá se
tornar moralmente bom apenas graças a virtude, ou seja, graças a uma força
exercida sobre si mesmo, ainda que possa ser inocente na ausência dos
estímulos. (KANT, 1999, p.85).
Com o imperativo, proporcionado pela
educação, o homem chega ao seu estágio de autonomia, de maior idade. Isso quer
dizer que a sua conduta não precisa ser moldada por leis exteriores, por normas
e regras desconhecidas a se ver, e muito menos punições para repreensão de sua
má conduta, pois agora as leis naturais da razão fazem parte de sua
personalidade e a sua efetivação entra no campo da moralidade. Neste sentido, o
homem é determinação de si e a sua vontade boa é a própria razão que o conduz a
um dever. Isso se realiza mediante a formação educacional do homem.
CONCIDERAÇÕES FINAIS
Portanto,
a pedagogia de Kant indica os caminhos que a educação deve percorrer como um
objetivo prático e fundamental: a formação do homem, a sua moralidade, a sua cidadania e o seu valor
significante. Observar o homem nos seus estágios de formação (infantil,
juvenil, adulto) é perceber que a natureza humana é algo que se constrói e se
molda ao seu destino: a perfeição. Porém, para que esse progresso se realize é
preciso o papel da educação. Ela, diferente de hoje, não só tem o dever de
informar, mas de formar a personalidade do indivíduo, a ponto deste agir
moralmente. Neste sentido, essa preocupação não se apresenta como impositiva e
limitante do caráter do homem, mas na promoção da dignificação do mesmo. É de
salutar importância compreender que a educação, para Kant, tem a função de seguir
o rigor da razão, pois esta é o que constitui essencialmente a natureza humana
e a que a distingue da dos demais seres. Impõe-se, com efeito, necessariamente,
o limite da educação e um dever específico, ou seja, preocupação de se
desenvolver aquilo que é produto da racionalidade no homem e a dignificação
humana, a tal ponto de não haver uma contradição nas relações sociais entre si.
Para tanto existe o rigor da instrução e da disciplina, e as leis da racionalidade
que determinam o perfil e o agir do sujeito.
A
escola pública deveria está atenta à formação do indivíduo no seu sentido ético
e moral, porém, na atualidade, o seu caráter funcional está limitado á
informação e a inserir o homem no mercado de trabalho. Daí existir um vazio em que
se está fadado a construir, por nós mesmo, uma personalidade e uma moralidade.
Antes a família, a religião e a educação eram fundamentais para construção do
indivíduo como pessoa nos seus aspectos de dignificação. Hoje quem é detentora
desse poder e de influência decisiva, na formação do homem, é a mídia e os
sistemas virtuais de comunicação. Porém, estes, em vez de formar o homem como
ser que precisa de uma moralidade, que não agrida ou não rebaixe o valor de sua
espécie, na verdade, promove o oposto: a deformação do homem e a relativização
de valores essenciais na constituição da humanidade. Daí permanecer a pergunta
fundamental relativa à educação, pois a educação atual tem construído um homem
melhor e consciente do seu agir social e das categorias que compete ao seu
caráter pessoal, político, social e espiritual, ou ela apenas está preocupada
em informar as crises mundiais que tem como fundamental produtor efetivo a
humanidade que inclina a sua vontade para o suicídio de sua espécie? Uma mudança
no pensar e na forma do homem ser e agir pela sua educação é urgente. Quem sabe
no campo da racionalidade possa ocorrer a sua parcela de contribuição?!
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
KANT. Fundamentação da metafísica dos costumes.
[textos filosóficos; 7]Edições 70, 2009.193p.
KANT.Sobre a Pedagogia.[Tradução de Francisco
Cock Fontanella]2ª ed. Editora Unimep, 1999.107p.
KANT. Crítica da Razão Pura; Tradução de
Valério Ronden e Udo Baldu Moosburge. 2ª.ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
REALE. História da Filosofia: Do Humanismo a Kant. Paulinas,
1990, São Paul, p.907-940
PASCAL. O Pensamento de Kant. Editora Vozes,8ª
ed. Petropolis, RJ, 2003.
[1]
Emmanuel Kant, na Crítica da Razão Pura (1781, p.12)
comenta da revolução do pensamento filosófico que deveria se dá, a exemplo da
matemática e da Ciência da Natureza, pela revolução no modo de pensar a
realidade. Nesse sentido o conhecimento deveria ser regulado pelas suas
condições de possibilidades a partir dos elementos a priori na mente
humana. Daí a revolução da forma de
pensar em Kant parte exclusivamente das condições do conhecimento que fazem
parte das categorias facultativas da razão.
[2] Na obra O
pensamento de Kant (1980, p. 32) Georges Pascal deixa clara a definição de
crítica atribuída por Kant: Trata-se de um exame crítico da razão, isto é: de
um exame que tem por fim- e tal é o sentido etimológico da palavra ‘crítica’-
de discernir ou distinguir o que a razão pode fazer e o que é incapaz de fazer.
[3]
Na Fundamentação da Metafísica dos Costumes (2009, p.61) Kant descreve
que o imperativo categórico manda conformar-se com a lei da razão, e não
contendo a lei nenhuma condição que a limite, nada mais resta senão a
universalidade de uma lei em geral à qual a máxima da ação deve ser
conformidade que o imperativo a represente como necessária. Ou seja, que o
indivíduo deva agir segundo uma máxima tal que possa ao mesmo tempo querer que
ela se torne lei universal.
[4] Conforme Kant (1999, p.12) A
disciplina é negativa porque ela promove o afastamento do homem de sua natureza
bruta e sua ação no homem só determina o hábito sem um sentido essencial no
homem. Portanto, o homem que é disciplinado, não necessariamente tem uma
autonomia de si, ou um sentido essencial, marca do seu perfil, para agir.
[5] O estado de selvageria se refere
às inclinações negativas que o homem pode ter pelos maus hábito, ou pela falta
de disciplina. (Cf. KANT, 1999, p. 12).
[6]
Segundo
Pascal (1977, p.61) o entendimento: é um a faculdade cognitiva não-sensível,
isto é, uma faculdade de conhecer por meio de conceitos; mas conceitos, como
predicados de juízos possíveis, ou seja, relacionam-se com a alguma
representação de um objeto ainda indeterminado.
[7]
Na obra a religião dentro dos limites da razão(2008, p.31), Kant apresenta o homem como sendo
composto de duas naturezas: uma boa e outra má, porém, sua condução moral vai
ser uma busca pela efetivação da natureza boa que faz parte do aspecto da
racionalidade.
[8] Diz
respeito às máximas que são universais, portanto apitas para
todos e necessárias, pois constituem uma exigência da razão (Cf. PASCAL, 2009,
p.63).
Nenhum comentário:
Postar um comentário