segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

DAS MULTIPLICIDADES DOS SERES UNOS

Isaias Mendes Barbosa

(17/02/2012) (GEFIM)


RESUMO

O presente artigo trata da causa primeira como criadora dos seres unos e de todas as realidades. Ela é a origem essencial de todos os seres, os que estão na eternidade, abaixo da eternidade e acima do tempo, e os que são corpóreos. Todos os seres, corpóreos e incorpóreos, compartilham do Ser Absoluto, que é a cauda primeira, porém estão unidos a ela por participação.  Daí existe uma hierarquia de seres e graus de a proximidade e distanciamento que definem a unidade e multiplicidade dos seres unos. Pela análise do Liber de Causis (Livro das Causas), de autoria desconhecida, pretende-se apresentar sucintas ideias acerca a)das multiplicidades dos seres unos. Contudo, a temática apresentou a existência hierárquica dos seres unos a partir da causa primeira (Uno) criadora e promotora da realidade incorpórea e corpórea. O efeito de sua ação se faz mais forte quanto mais distante está de seu Ser Puro. A distância, conforme o modo de ser de cada coisa, gera a multiplicidade dos seres unos, enquanto a proximidade identifica os seres primeiros um no outro.
Causa Primeira- Inteligência- Alma




DAS MULTIPLICIDADES DOS SERES UNOS

Conforme a tradução de Jan Gerard Joseph ter Reegen, do Liber de Causis, “A primeira das coisas criadas é o ser e antes dele não existe outra coisa criada.” (REEGEN, 2000, p.100). Assim, o que identifica uma das coisas no seu grau mais elevado é o seu ser. Ele está acima das demais coisas, como a sensibilidade, a alma e a inteligência, pois está no seu grau mais elevado. Ele deriva da causa primeira, que é indescritível e está além de toda compreensão direta da possibilidade de conhecimento. O ser faz um percurso de toda realidade que existe tanto na eternidade como abaixo dela. Ele é superior a todas as coisas e se faz presente nelas pelos diversos graus e disposição de cada coisa, conforme a disposição de proximidade ou afastamento da causa primeira. Neste sentido ele está distribuído em cada coisa a tal ponto de cada coisa ter o seu ser próprio[1].
A causa primeira é concebida como Ser Puro, que está antes da eternidade (Cf. Ibid., p.96).  Ela concebe o ser a todas as demais coisas que estão em nível inferior. Um dos primeiros ser criado é a Inteligência. Esta é a causa da Alma, pois é a partir da Inteligência como intermediaria que nasce a Alma. E por meio desta que surgem os demais seres temporais e mutáveis. 
Á cada coisa é concebida um ser de modo particular e de uma formaespecífica, conforme sua disposição de proximidade e distanciamento do ser puro, também definido como bondade, ou Uno.  Os seres unos são os que estão em estado máximo de proximidade com a causa primeira. Eles participam[2] fortemente do seu princípio gerador. Assim, de modo hierárquico, quanto mais próximo do Uno, os seres se tornam únicos, e universais, a tal ponto de serem um só, uma totalidade única. Mas quanto mais distantes do uno, mais diversidades e multiplicidades de seres vão se imprimindo[3] em quantidade maiores e universalidade menores.
Neste sentido, os seres unos, ou superiores, estão distribuídos na ordem hierárquica, acima da eternidade, com a eternidade, ou depois desta e acima do tempo. Assim afirma o LdC:
20. O ser que é antes da eternidade é a causa primeira, porque é a causa da eternidade. 21. Mas o ser que é com a eternidade é a inteligência, porque ela é um ser secundário de modo uniforme, em consequência disso nem sofre nem é destruído. 22. O ser que é depois da eternidade e acima do tempo, é a alma, porque ela é a mais baixa no horizonte da eternidade e acima do tempo. (REEGEN, 2000, p. 96)
                Daí, apartir do ser puro há uma criação dos demais seres unos. O primeiro ser criado é a inteligência. Ele é simples e um, porém também é múltiplo, pelo fato de ser composto de finito e infinito. As formas inteligíveis que ele compõe são universais, porém há uma distribuição hierárquica conforme as formas inteligíveis. Daí, de acordo com a proximidade e distanciamento da causa primeira, as formas inteligíveis são universais e simples, quando próxima do Uno, ou múltiplas e infinitas quando distantes do Uno. Dessa forma é que o ser da inteligência é diversificado. Essas modificações tornam as formas inteligíveis diferentes e diversificadas, provendo indivíduos infinitos em número. Porém, a diversificação das formas inteligíveis não implica na separação, pois elas estão no âmbito da eternidade[4]. Ou seja, elas são unidas de tal forma que não há corrupção, nem disjunção, pois são unidades dotadas de multiplicidades e a multiplicidade dotada de unidade, na eternidade.
O ser que está depois da eternidade e acima do tempo é a Alma. Esta está abaixo da Inteligência e é o efeito da mesma. A alma foi criada por intermédio da inteligência[5] (Cf. Ibid., p.116). Porém a inteligência não cria, mas gere, governa e mantem as coisas inferiores a ela, haja vista, a alma, dentre outros seres, que não necessariamente são unos. Da mesma forma de a proximidade e afastamento da do ser Puro, há a variação entre almas superiores e inferiores. Sabendo que as superiores estão mais unidas com a Causa primeira, pela inteligência, pois esta está no primeiro plano da criação. A alma tem uma universalidade semelhante à inteligência. O grau de diversidade e multiplicidade da alma é análogo ao da inteligência, porém o ser da alma tem uma atividade própria e essencial, característica do seu modo de ser e das perfeições recebidas da causa primeira pela causa segunda: a inteligência.  A variedade de almas se dá pelo estado do grau de distância e aproximação do ser puro, daí as almas superiores estão mais próxima do uno, enquanto que as almas inferiores estão mais distantes. As almas superiores transmitem as formas e perfeições da causa primeira, pela inteligência, para as almas inferiores, porém cada apreensão[6], ou impressão, recebida está limitada pelo modo de ser, pela forma e pela essencialidade de cada alma. A causa primeira cria o ser da alma assim como os diversos seres, daí, o motivo da alma ter um ser próprio e diferencial conforme o distanciamento da causa primeira. A operação da alma está de acordo com seu modo de ser e dependente[7] da inteligência (ser superior a ela), daí existe uma produção de seres a partir da inteligência que é o primeiro ser, porém não o ser absoluto, chamado de Uno.
As almas superiores seguem a inteligência, elas são completas, perfeitas e pouco inclinadas à queda e à separação. Dessa forma elas recebem a impressão da Inteligência. O que ela recebe é fixo e estável e seu movimento é uno, estável e contínuo. Já as almas inferiores, seguem os seres mais baixos, por esse motivo elas são inferiores as almas superiores. Tudo no mundo[8] é explicado pela alma que move os seres inferiores a ela, porém não é sua origem fundamental.
Ela tanto tem a operação de conhecer o que está acima dela, de um modo particular, próprio e essencial seu, como produzir o movimento das almas inferiores, além de se automovimentar, e dos demais seres. Dessa forma os seres que são unos, por estarem na eternidade e acima do tempo, assim o são por estarem perto da causa primeira e receberem uma força maior que os seres inferiores, contingentes, corruptíveis, particulares e infinitos em quantidade. A sua multiplicidade se dá pelo fato de em cada ser (Inteligência, Alma) receber uma diversidade de formas e perfeições da causa primeira. Assim quanto mais próximo os seres unos se encontram do Ser Puro, mais efeito dele recebe e mais se aproxima da unidade em menores quantidades, enquanto que quanto mais distante do Uno, mais vem à tona a multiplicidade que se apresenta nas diversidades das unidades, que quanto mais se multiplicam, mas se tornam particulares e mais se tornam infinita em número. A multiplicidade se dá pela relação de finitude e infinitude e pela distribuição hierárquica das formas inferiores e em menor grau dos seres unos.
Em suma, todos os seres são criados pela causa primeira chamada de ser puro, bondade e bem puro, dentre outras denominações. Ele cria as demais coisas e nelas contém algo do Ser Puro, porém esse algo é parcial e particular, conforme a forma e perfeição do modo de ser de cada coisa. Os seres criados são, pela hierarquia e graus de distância da causa primeira, a Inteligência, a Alma e os demais seres. A Inteligência é coextensiva com a eternidade, ela é um dos seres unos que está na eternidade. A baixo da eternidade e em grau inferior de causalidade, porém dependente da inteligência, como mediação do Ser Puro, está a Alma. Ela está acima do tempo, porém abaixo da eternidade. Ela é a força que produz as coisas sensíveis. Porém, tem um modo de ser próprio, assim como a Inteligência, e é por meio da alma, que chegamos aos demais seres inferiores que estão no tempo, ou abaixo do tempo.   Tanto na Inteligência como na Alma existe uma diversidade de formas e modos de perfeição. As formas mais universais e limitadas estão mais próximas do Uno, neste sentido estão mais próximas do efeito, enquanto que as menos universais, e menos perfeitas estão mais distantes. Dessa forma se dá a diversidade e multiplicidade de seres tanto da inteligência como da alma. Eles são unos porque estão mais próximos da causa primeira e são múltiplos pela variação em graus e formas que se apresentam em torno da causa primeira. O uno e o múltiplo não estão separados, pois não estão na condição temporal, mas tanto está acima do tempo (alma) como está na eternidade (inteligência). 


REFERÊNCIA

?. O livro das causas: liber de causis/ Tradução e Introdução de Jan Gerard Joseph ter Reegen, - Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000. 172p.; ( Coleção Filosofia, 107)



[1] Esse ser próprio de cada coisa pode ser caracterizado como a essência de cada ser como se apresente na proposição XIV, número 124.
[2] A ideia de participação está no sentido que: no ser de cada coisa criada, pelo Ser Puro, contém algo que provem da causa primeira. Neste sentido há uma relação de participação, não de identidade, mas de compartilhamento de algo parcial que está em seu sentido infinito totalitário na causa suprema.
[3] No sentido de transmitir aquilo que está em sua essência para outro ser, só que o que é transmitido é originário da causa primeira. E o que se transmite, fez faz pelo modo essencial de cada ser e pela capacidade de cada ser a que é transmitido.
[4] Vale ressaltar que o ser da inteligência é coextensivo com a eternidade, daí o fato da inteligência compartilhar do mesmo espaço (não no sentido temporal) da eternidade.
[5] A princípio tem-se a impressão que as coisas (ou seres) que são criadas (os) dependem a princípio do ser primeiro (Inteligência) para existirem. Daí o fator da mediação da inteligência que liga os demais seres ao Ser Puro, porém, após a efetivação dos seres, ou seja, após sua produção, não existem mais dependênciatanto da causa anterior a cada ser, como da segunda causa para que cada ser se mantenha. Essa noção se dá pela tentativa de compreensão da relação entre as causas, sendo que a causa primeira mantém o seu efeito sobre o efeito da causa segunda, mesmo que a causa segunda se separe do seu afeito, como expressa a proposição I, número 4 e 5. 
[6] No sentido do que ela recebe, ou seja, as impressões que o seu ser recebe do seu ser causador.
[7] No sentido de que a alma é o efeito da Inteligência, produzida por intermédio da Inteligência. Mas, não se pode a Inteligência ser causa (origem existencial) da Alma.
[8] Aqui a definição de mundo está nas coisas criadas no tempo e abaixo dele.

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