Isaias Mendes Barbosa
09/04/2012.(Semana de Filosofia)
RESUMO
O presente artigo trata da relação entre o homem e o
mundo, entendendo desta proximidade e relação como um processo constitutivo do
conhecimento. Este âmbito de mútua causação constrói o ser do homem e também
resulta no processo de apresentação e conhecimento da realidade e da
autogênese-histórica do ser humano, como modo necessário do agir ontológico no
mundo, interação esta que transforma e estende o sentido do humano, visando sua
transcendência e totalização. Através do método de análise categorial do
capítulo Conhecimento e
historicidade, do livro Tópicos sobre Dialética (OLIVEIRA, 1997), este trabalho propõe explicitar a
ordem presente na sistematização da teoria do conhecimento. Pretende-se assim explanar
o sentido do conhecimento evidenciando acerca: 1º) da importância do conhecimento
para a constituição do homem e sua relação com a realidade e com os outros, numa perspectiva
histórica; 2º)
da diferença entre a forma dialética do conhecer, a forma da filosofia clássica (lógica) e a forma da
filosofia moderna (transcendental) de trabalhar o conhecimento; 3) e um breviário sobre os
momentos do conhecimento humano. O direcionamento da presente pesquisa
apontaram assim para perspectiva do homem aberta numa dinamicidade dialética para
um eterno construir-se. Com o novo paradigma da industrialização e tecnicidade
que alienou o homem dessa dialética, e o mecanizou, agora se tem um homem
fadado a um processo involutivo, que estanca sua realidade aberta e totalitária
de novo horizonte existencial que estar por se fazer.
PALAVRA-CHAVE
Homem-
Dialética- Realidade-Conhecimento.
INTRODUÇÃO
O presente artigo trata, na perspectiva de Manfredo,
do sentido do conhecimento, no qual está inserido na relação dialética entre o
mundo e o homem, a fim deste se encontrar com sua totalidade da realidade em
seu sentido, que se apresenta nele de forma implícita. Manfredo Araújo de
Oliveira, sacerdote e filósofo, desenvolveu um artigo, “Conhecimento e
historicidade” que se encontra em “Tópicos sobre dialética” que trata do sentido do conhecimento que se dá através da via
relacional de interdependência e reciprocidade entre o homem e o mundo, no seu percurso
estrutural e dinâmico que ele chama de “historicidade”.
Atendo-se aqui, ao presente
artigo acima citado e também aos textos adjunto na bibliografia complementares,
a saber: 10 lições sobre Kant (LEITE, 2007), Antropologia Ilustrada de
Filosofia: das origens à iIdade mModerna (NICOLA, 2005) e História da Filosofia
Grega e Romana: Pré-Socráticos e Orfismo (REALE, 1991). Aqui pretendemos
explanar o sentido do conhecimento a cerca: 1º) da importância do
conhecimento para a constituição do homem e sua relação com a realidade e com os outros,
numa perspectiva histórica; 2º) da diferença entre a forma
dialética do conhecer, a forma da filosofia clássica (lógica) e a forma da
filosofia moderna (transcendental) de tralhar o conhecimento;3º) e um
breviário sobre os momentos do conhecimento humano.
A dialética abordada pelo professor doutor Manfredo está
inspirada na dialética hegeliana. Para Hegel o mundo como realidade é um
desdobramento progressivo de uma espiritualidade racional chamada de espírito
absoluto, ou razão; esta se exprime conscientemente na natureza do homem e Ele
é um momento progressivo deste mundo, ou seja, é a síntese entre o espírito e a
natureza (mundo). Contudo, toda dialética hegeliana segue uma unidade em três
momentos que se inter-relacionam: momento de tese, ou afirmação, de intermediação,
que é a antítese ou negação, e o de síntese, ou reafirmação, a coisa no final
do processo (Cf. NICOLA, 2005, p. 253-265).
Manfredo segue essa lógica para o processo do
conhecimento, entendendo que neste processo o homem elabora a sua autogênese-histórica.
1º) A importância do conhecimento para a
constituição do homem e sua relação com a realidade e com os outros, numa
perspectiva histórica.
O estado primeiro do homem é o de abertura. Ele é um
ser aberto, contudo não definível de forma limitada, que procura fazer-se,
construir-se. Esse construir-se parte a
priori[1] de
sua relação com o mundo[2], e
do seu conhecimento e de sua ação no mesmo. Através do conhecimento, ele chega
a uma não identificação como o mundo, que lhe é apresentado. Ele conhece o
mundo, mas não se reconhece no mundo que lhe é apresentado, seja este mundo, o
outro, a cultura, instituições, tradições, valores, ou qualquer outro objeto,
ou ser. Esse não reconhecimento implica que a natureza primordial do homem, o
seu ‘Eu-existencial’[3],
não é intacto, determinado e fechado em si, mas tende para sua totalidade da
realidade em seu sentido pleno, que faz parte dele, mas não chega a um fim
último, pois é inesgotável. É importante frisar que somente quando o homem está
em relação com o mundo, e daí parte seu conhecimento, é que ele poder ter um
juízo do seu “Eu”, que não está no mundo, nas expressões construídas até então.
Neste sentido sua não identificação com uma realidade apresentada, implica no
seu Eu que só é possível pela captação do todo, de sua totalidade implícita. Portanto,
surge o seu “Não-ser”[4] no
mundo, ou seja não se identificando com ele. Neste caso, o ‘não-ser’ do homem,
sua não identificação com mundo, o possibilita a questionar: se eu não sou isso
(que foi construído e me é apresentado), então o que sou?! Daí, ele terá que
buscar uma autodeterminação.
Neste caso, chegamos à conclusão de que a relação do
homem com o mundo, pelo conhecimento que este lhe apresenta, o possibilita dar um
passo para si, e fazer-se, construir-se e conhecer-se na história. Portanto, a
história é o momento que o homem se faz, se constrói, é o que Manfredo chama de
“autogênese”[5] do homem, é o
processo de totalização do homem. A história se dá na dialética entre o homem e
o mundo[6], que
permite o homem ter um conhecimento mediato de si decorrente do sentido
percebido pelo encontro com mundo e a partir disso, ele pode perfazer uma reflexão
sobre o mundo e sobre si, num processo de reconstrução de si, pela modificação
da realidade, obtendo dessa realidade uma expressão nova, um novo conhecimento
de si. Que por sua vez, continuamente será modificado pelo homem e reapresentado
ao mesmo de forma cíclica-aspiral, a fim de fazer o homem procurar a sua
totalidade, que sempre se apresenta a partir das determinações, entretanto
estas se mostram parciais devido a este sentido do todo, como diz Manfredo
Oliveira:
[...] O sujeito do conhecimento,
como vimos, é, sempre, inserido num mundo determinado, numa tradição histórica
determinada, que constitui um todo de sentido, o qual é sempre, o Donde implícito
de seu conhecimento e de sua ação no mundo. Ora tal todo é o resultado do devir
histórico do homem até o presente, onde se acumulam, implicitamente, as
experiências do homem no mundo, no esforço de se gerar a si mesmo como homem.
Isto manifesta que o homem é, enquanto aberto à totalidade, uma tarefa infinita
de auto-mediação, isto é, história, daí porque a gênese do conhecimento é,
essencialmente, História. (OLIVEIRA, 1997. p.28)
2º) A diferença
entre a forma dialética, a forma da filosofia clássica (lógica) e a forma da
filosofia moderna (transcendental) de tralhar o conhecimento.
A forma filosófica tradicional, ou clássica trata da
lógica de apreensão do objeto em sua parte essencial. A razão é o método de conhecer,
compreender e apreender o objeto (a
physis) naquilo que ele é. Na história clássica da filosofia (Cf. REALE, 1991,
p. 43-116) está explícito a tentativa dos filósofos de conceber o essencial do objeto[7],
que lhe dá origem, rege, dissipa e finaliza toda sua realidade. Vemos isso nos
filósofos Tales de Mileto, Anaximandro, Anaxímenes, Heráclito, Parmênides, Aristóteles
e Platão, entre outros.
Vejamos o comentário do princípio, esse algo
essencial, que rege a ‘physis’, extraída do livro “Pré-Socráticos e Orfismo” em
“História da Filosofia Grega e Romana.” Vol.1 de “Giovanni Reale”:
Em suma, o ‘princípio’ é tudo
aquilo do qual as coisas vêm, aquilo pelo que são, aquilo no qual terminam. Tal
princípio foi denominado com propriedade por esses primeiros filósofos (senão
pelo próprio Tales) de physis, palavra que não significa “natureza” no sentido
moderno do termo, mas realidade primeira,
originária e fundamental;(REALE, 1992,p.48)
Assim, a
filosofia clássica trata da racionalidade para aprender a realidade objetiva
das coisas, neste sentido o objeto é priorizado e tratado de forma fechada,
unitária, estanque em si. Não existindo nenhuma relação entre o sujeito que
conhece e o conhecido. O conhecimento passou para perspectiva ontológica. Ele
não variou no modo de conhecer. O objeto-ontológico é conhecido de forma
objetiva em sua parte essencial, do mesmo modo que se fazia na physis. O
conhecimento se tornou uma forma objetiva e racional de captar a parte
essencial do objeto, separada do sujeito. Na perspectiva de Manfredo Oliveira,
a filosofia tradicional foi falha por não fazer a estreita relação entre
objeto, que podemos definir como a realidade do mundo, ou aquilo que se
apresenta no mundo, seja a tradição ou a forma de ser, e o homem como partes
necessárias para conhecimento:
[...] A perspectiva, segundo a
qual a filosofia tradicional do ocidente pensou o conhecimento não é,
suficientemente, radical, por não ter partido daquilo que constitui o ser do
homem em sua realidade própria.(OLIVEIRA, 1997. p.28)
Já a filosofia moderna, ou transcendental, excluiu a
possibilidade de apreensão do objeto em sua parte essencial. Neste caso, o que
se firmou foi a perspectiva subjetal[8] do
individuo. Daí, a forma de pensar a realidade se limitou às formas do
entendimento, às categorias a priori do
sujeito. A única coisa que se pode saber do objeto é a parte do fenômeno, ou
seja, é como o objeto se apresenta ao sujeito e não como ele é. Essa
compreensão se dá pelas categorias ‘ a
priori’ inatas do homem (espaço e tempo) que se tem, pela razão, um
entendimento do fenômeno ocorrido, daquilo que aparece. Partindo dessa lógica,
o homem pode chegar a um juízo correto. O erro neste ponto foi seguir o sentido
inverso da filosofia tradicional. Enquanto esta se depara como a forma objetiva
do conhecimento do objeto, a outra se centraliza no sujeito, e não vê na esfera
do conhecimento a relação entre as duas coisas, entre aquele que conhece e o
conhecido.
Como diz Kant na Crítica
da razão pura:
Com efeito, no que diz respeito
ao primeiro aspecto, no conhecimento a priori não se pode acrescenta aos
objetos nada a não ser o que o sujeito pensante retira de si mesmo e, no que
diz respeito ao segundo aspecto, com referência aos princípios do conhecimento
a razão pura especulativa é uma unidade que subsiste por si de um modo bem
peculiar e na qual, como num corpo organizado, cada membro existe em função de
todos os demais e todos os demais em função dele, e assim nenhum princípio pode
ser tomado com segurança numa relação sem ter sido ao mesmo tempo investigado
na sua relação universal com todo o uso puro da razão. (KANT, 1987, p.14,XXIII)
Essa forma filosófica transcendental coloca como
ponto central o sujeito (puro), que pelo entendimento tem um juízo do objeto
partindo de si. Neste sentido, a dialética existencial entre sujeito e objeto
não se faz. Portanto, existe uma separação. O que importa não é o objeto, seja
este entendido como a realidade que lhe é apresentada, ou a história e assim
por diante, mas o sujeito que utilizando a razão, pelas categorias espaço e
tempo, dentre outras, vai dar um juízo ao objeto fenomênico.
Manfredo Oliveira
explana abaixo, em forma sintética, o ponto negativo da filosofia moderna, que
só se preocupa com o sujeito, enquanto se esquece do objeto e da relação
existente:
Assim
não há um sujeito puro (no sentido da filosofia transcendental) em frente a um
mundo de objetos, [...]O sujeito não é uma realidade em si, sem mundo e sem
história, como o Eu da filosofia transcendental, [...]. Por isto, estamos aqui
muito longe da reflexão transcendental clássica (Kant, Fichte, neokantismo) na
qual o Eu sempre permanecia ocupado consigo mesmo.(OLIVEIRA, 1997. p.22)
Em oposição à filosofia tradicional e à filosofia
moderna, Manfredo Oliveira explana que há uma dinamicidade e reciprocidade
entre o sujeito e o objeto. Não se poder analisar o objeto sem o sujeito. E não
se pode compreender o sujeito sem o objeto. Uma depende do outro para existir.
O objeto determina o sujeito, enquanto que o sujeito é determinado pelo objeto,
porém, também o sujeito determina o objeto, que por sua vez é determinado pelo
sujeito. A variação de um implica na variação do outro e vice-versa. Essa é a
dialética necessária que se dá no conhecimento.
Nesta reciprocidade e dependência dialética é que se
faz e refaz o homem, a cultura, a história, o mundo. Portanto, o sentido do conhecimento
seque esse dinamismo. Contudo, o homem caminha para sua totalização através de
mediações dialéticas entre ele e a realidade. Portanto:
Podemos
contrapor nossa posição à posição da filosofia tradicional, precisamente, por
tentar uma descida às raízes do humano, isto é, à história e à historicidade
como a dimensão fundamental do ser do homem, onde ele se manifesta não como uma
realidade para sempre definida e pré-determinada, mas como um processo de
totalização através de mediações, que são suas relações dialéticas com todo
real, que constituem as situações epocais diversas nas quais o homem se faz
homem.(OLIVEIRA, 1997, p.12)
3º) O momento do conhecimento
humano.
O conhecimento se dá num processo de mediação do
homem com a realidade. A princípio ele é um ser aberto e está em processo de ‘advento’[9]. Isso denota seu
caráter de infinita extensão construtiva. Por conseguinte, ele é também um ser
em relação, ou seja, não está fechado em si, ou determinado. Por último, ele é
um ser que questiona. Através disso o homem compreende o mundo, a realidade que
lhe é apresentada de forma imediata[10]. Questionando a realidade que lhe é
apresenta por imediato, ele chega a si, de forma indireta, no sentido de não
identificação com o meio que se apresenta a ele.Porém, essa não identificação é
o passo necessário, pois é dela que o ser humano deve partir para chegar à
realidade concreta, para transcender aquilo que lhe é apresentado, portanto, se
direcionar para a totalidade de si. Isso o possibilita seguir os passos
necessários de mudanças para construir-se no mundo e com o mundo, para fazer a
transição do conhecimento abstrato idealizado, para o concreto acrescentando. Portanto,
existe essa relação necessária de reciprocidade entre o homem e a mundo, é o ponto
fundamental para o primeiro momento do conhecimento. Neste sentido, Manfredo
Oliveira faz um paralelismo de interdependência entre o sujeito e o objeto
nestes termos:
O conhecimento se manifestou como
mediação entre o homem e realidade. A partir dessa realidade distinguimos seus
momentos: o cognoscente (o homem, sujeito) e o conhecido (a realidade, o
objeto). Entre a relação e os relacionados há, sempre, uma mútua dependência,
isto é, a relação depende da atualidade e posicionalidade dos relacionados como
os relacionados, por sua vez, são condicionado[s]. Por sua mediação relacional. Formalmente, podemos distinguir
relação e relacionados na medida em que os relacionados se manifestam como “um algo”
enquanto a relação simplesmente como um “para onde” ou “entre”. (OLIVEIRA, 1997. p.20- Grifo nosso.)
Na dialética entre objeto e sujeito ele coloca duas
expressões que são definidas como ‘algo’ e ‘entre’ ou ‘para onde’. Podemos ver
que a primeira se refere a um referencial de posicionamento de identidade. Daí
são dois pontos distintos referidos a ‘algo’: o sujeito e o objeto. Por
conseguinte, vermos uma inter-relação entre esses dois pontos que ele chama de
‘entre’, ou ‘para onde’, a relação se dá na dinâmica entre as duas partes que compõe
um todo.
Existido a relação entre o sujeito e o objeto, vemos
que o primeiro momento para o conhecimento se dá quando o sujeito ‘capta’ a
realidade que lhe é colocada de forma imediata. Essa realidade é o Horizonte, historicamente mediado, de
onde ele parte, é uma pré-noção do todo. Essa realidade, a priori é universal, porque
fala de uma totalidade, porém, meio vazias de significados internos, é uma
realidade que Manfredo Oliveira chama de ‘Abstrato’. O que se apresenta a mim
está meio que vazio de significados, porque não me diz as particularidades e
diversidades que existe nesse todo, é um todo não analisado, mas que existe em
sua universalidade, em sua totalidade de forma implícita. Um exemplo simples
disso é possível na expressão ‘homem’. A
princípio eu tenho esse conceito, mas o que ele me diz, além disso?! Até agora
só conheço um termo que abrange uma categoria universal de diversas
particularidades, que a princípio eu não sei, ou o próprio conceito não me diz
diretamente.
Manfredo Oliveira
explana esse primeiro momento com essas palavras:
A
experiência cognoscitiva humana não se apresenta como um puro caos sem direção,
nem rumo, mas como um certo direcionamento, mais ou menos claro, para certos
pontos de referência. Há, sempre, certas direções, que a orientam, porque o
conhecimento, como vimos, não parte do zero, mas de um Horizonte,
historicamente, mediado.[...] O primeiro
momento deste direcionamento é a captação, não reflexa,de um certo todo, que
neste sentido, já nos leva a fazer uma determinada opção limitativa dentro do
campo ilimitado da consciência humana. Esta opção por um determinado todo não
significa, ainda, seu conhecimento pleno, mas seu início, pois ele impulsiona o
pensar e todo o processo de conhecimento, como movimento, nada mais é do que o
processo de determinação deste todo. (OLIVEIRA, 1997. p.32)
No segundo momento, a realidade que me foi
apresentada será analisada e sintetizada.
O primeiro passo desse momento é separar
em diversas categorias o que foi apreendido, que em muitos momentos pode
se apresentar opostos. Mas o ponto principal é analisar parte por parte através
do processo reflexivo. O todo que antes era geral, porém sem os momentos
internos de sua constituição, agora vai ser apreendido e separado, é o que
Manfredo Oliveira chama de “destotalização”.
Seguindo o exemplo, o que antes era ‘homem’ no sentido geral e universal, porém
abstrato, no sentido de indeterminado, agora será visto em suas partes,
portanto, o homem é um ser, composto de cabeça, tronco e membros. É racional,
diverso qualitativamente e quantitativamente. Isso a princípio é contraditório.
Como pode o homem ser grande, pequeno, ser bonito e feio?! Isso se faz a partir
de qual definição?! Daí, vemos que as
coisas que se apresentam antagonicamente (Grande, pequeno, bonito, feio), se
dão pelo processo de ‘relação’. O pequeno só existe porque existe o grande, o
feio só existe porque existe (em relação ao) o bonito. Portanto, as
particularidades da totalidade tem uma relação de ‘existência’ e ‘necessidade’
para se chegar ao todo. Esse processo se dará especificamente na sinterização. O
processo de sinterização irá fazer com que o sujeito reestruture, reorganize
essas partes (a priori antagônicas), dando-lhe uma nova forma e estrutura.
Agora, temos o homem, que é racional, que tem um corpo, físico diversificado,
porém, é as diversas expressões deste homem que o compreendemos como um todo
complexo e aberto de definições.
Neste sentido Manfredo Oliveira afirma:
No
princípio há um certo vazio, pois ainda indeterminação. Por isto conhecimento
vai consistir, precisamente, no processo de análise dos momentos constitutivos
deste todo. E este é o segundo momento do processo que poderia ser chamado de
reflexivo ou, como Hegel o faz, de propriamente dialético, que é, precisamente,
o processo de explicitação do todo inicialmente percebido, como algo abstrato.Tal
momento, isto é, processo do conhecimento através da análise das determinações
pode ser considerado, como Hegel o faz, como analítico e sintético, ao mesmo tempo.
[...] Tal movimento, isto é, o processo do conhecimento através da análise das
determinações pode ser considerado, como Hegel o faz, como analítico e
sintético, ao mesmo tempo (WL II 491); Analítico, pois o processo reflexivo faz
vir à tona, somente, o que, já, estava presente, implicitamente, no primeiro
momento e sintético, porque não estava presente deste modo. (OLIVEIRA, 1997.
p.22-33)
O terceiro e último processo se dá pelo retorno a
totalidade abstrata, agora com a redescoberta da totalidade de uma outra forma,
de uma nova estrutura, com suas particularidades em relação, com um novo
significado. Este retorno para a totalidade com uma nova visão, carregada de
sentidos será o momento em que a totalidade, antes universal e abstrata, agora
está com um acréscimo de significados, sentidos. É o que podemos chamar de
‘concreto mediato’. Porque não é mais carente de propriedade, ou se apresenta
de forma imediata, inflexível. Mas composto de síntese de determinações
diversas, a unidade da multiplicidade, cheio de reflexão e com uma nova forma. Portanto, encerremos com nosso último momento
do conhecimento com as palavras de Manfredo Oliveira:
A terceira fase do processo
significa, portanto, a redescoberta do processo como processo de totalização,
isto é, o retorno ao ponto de partida, que, agora, não mais se manifesta
abstrato, mas engordado e carregado pelas determinações alcançadas pelo
processo descrito. Ele não é mais como no princípio, um simples “ponto”, um
átomo na imensidão horizontal do conhecimento humano, mas, apesar de sua
parcialidade, ele já se manifesta como um “conjunto”, uma “síntese de uma
multiplicidade de determinações”. O conhecimento se manifesta, assim, em última
análise, como a síntese de determinações múltiplas, como unidade da diferença. (OLIVEIRA, 1997. p.34)
CONCLUSÃO
Portanto, o sentido do conhecimento, na perspectiva
de Manfredo, se dá pela relação entre o homem e o mundo que lhe é apresentado,
numa espécie de reciprocidade e interdependência, entre os dois. Nessa relação
mútua e por mediações , que se manifesta o conhecimento, o homem conhece,
questiona e constrói e reconstrói o seu ser pela história. Na forma dialética
de Manfredo Oliveira, diferente da tradicional e moderna, o homem e a realidade
não são focados de modos separados, e estanques em si, mas existe uma totalidade
unitária que se faz no fluxo-elíptico entre essas duas coisas. Trabalhar com
essas duas realidades de forma separada é perder o processo que faz o
conhecimento ser gerado e evoluir.
Por fim, o momento do
conhecimento humano se dá nessa dialética de reciprocidade entre o homem e a
realidade. A realidade se apresenta a ele, porém ela não é totalitária, mas
contextual, contudo abstrata de significado, pois não se explica, mas se
apresenta de forma imediata. O homem por sua vez, questiona essa realidade, e
reflete sobre ela. Por conseguinte, ele a analisa e sintetiza, desestrutura e
reestrutura a realidade. Por último, retorna ao primeiro momento e acrescenta a
realidade um novo significado, agora não mais abstrato, mas pensado, refletido,
analisado, sintetizado e reestruturado: a realidade concreta pensada. Essa
forma dialética que deu sentido ao conhecimento é um paradigma que possivelmente
solucionaria a situação época- atual que o homem se encontra. Hoje não se vê a
atualidade como uma interação consciente entre o sujeito e a realidade
apresentada a ele. Pouco se observa que tudo que temos é construção do sentido
existencial do homem, na história, que nos impulsiona para um novo horizonte
totalizante. Portanto, se tem um desconhecimento e negação daquilo que está aí,
que atualmente é seu horizonte existencial, sem notar sua relação com a
existência do homem e seu processo de transcendentalização. Um dos fatores que
fez o homem estancar nesse processo dinâmico, se deu pela tecnicidade atual, na
qual o indivíduo só delimita tudo para uma priorização e especificação das
partes.O conhecimento se limitou a uma técnica. A visão micro é a mais explorada,
para atender a um mercado capitalista. Assim, perdendo-se o processo dialético
de interação, reciprocidade, transcendentalização e totalização do homem.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
·
LEITE, Flamarion
Tavares. 10 lições sobre Kant.
Petrópolis, RJ: Vozes,2007.
·
NICOLA, Ubaldo. Antropologia Ilustrada de Filosofia: das
origens à idade moderna[Maria Margherita De Luca].São Paulo: Globo,2005.
·
OLIVBEIRA,
Manfredo. Tópicos sobre dialética.
Porto alegre: Edipucrs, 1996. p.9- 41.
·
REALE, Giovanni.
História da Filosofia Grega e Romana:
pré-socráticos e orfismo. 9. edSão Paulo: Loyola, 1991. v. 1.
[1] Essa expressão é de Kant para
designar as categorias do estado psíquico do homem. Elas são a noção de tempo e
espaço. A ideia de a priori nos remete a condições de possibilidades necessárias.
[2] O mundo é “um complexo de
coisas, de instituições, de cultura, isto é, de uma realidade transformada e
trabalhada pelo homem, por uma comunidade de homens, que, num imenso e
completíssimo processo de interação, constrói, pouco a pouco, o próprio se do
homem” (Oliveira, 1997,p.11)
[3]
Isso é a junção de dois termos: o ‘eu’ como ser, pessoa e o
‘existencial’ como consciente do estado que se encontra.
[4] A definição de “não-ser” no mundo, refere-se a
ilimitação, indeterminação e subjetividade do homem. O homem é o próprio
construtor de si. Porém, ele não se atinge por completo, pois é subjetivo e
variável. Quando ele se faz na história, ou seja, constrói seu espaço, e
expressa seu ser, ele apenas demonstra uma parte sua, que está em determinado
período histórico. Isso quer dizer que em sua totalidade o homem não se
alcança.
[5] “autogênese” é o processo no
mundo que o homem faz para se construir e reconstruir, pela história.
[6] Este mundo pode ser compreendido
como qualquer coisa que esteja em relação com o homem. Seja a instituição, a
tradição, os valores, a cultura, as normas, o mundo, ou ele mesmo.
[7] Isso pode ser compreendido como
a realidade de todas as coisas.
[8] Termo utilizado no livro: o
mau-estar na civilização de Freud. Ela remete a compreensão de subjetividade do
sujeito.
[9]
Significa ‘o que estar por vir’. É a primeira característica para o ser
humano transcender, ir além do que ele esta sendo.
[10] O termo imediato é uma expressão
utilizada por Manfredo para denotar que a realidade se apresenta ausente de significado e já
pronta.Sem questionamentos.
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