quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

"Levanta-te e fica no meio"(Marcos 3,3)


A liturgia da igreja faz na primeira leitura do livro de Samuel referência aos conflitos que se perpetuaram entre filisteus e hebreus em Canaã e suas imediações. Samuel em orientação divina escolheu Saul para governar e conduzir o povo escolhido por Deus. Porém, este povo passa por perigo, uma vez que, os filisteus, povos guerreiros de boa estratégia militar, estão nas proximidades e querem dominá-los. Em vista dessa situação de conflito,  outrora já ocorrido, Davi, jovem, ruivo e de bela aparência, respondendo pelo rei, com uma fé confiante em Deus, elimina com uma pedra e uma funda o filisteu, guerreiro representante do povo filisteu. É importante observar neste contexto que o povo sempre mantém uma relação estreita com Deus na sua história, tanto nos momentos agradáveis como em outras ocasiões. Nosso Deus ai tem uma forte característica de guerreiro libertador. Ou seja, é aquele Deus que luta com seu povo para libertá-lo de todo tipo de escravidão. Infelizmente, essa característica está sendo esquecida nos tempos atuais. Muito se fala e se pensa em um Deus que nos beneficia com milagres, e num Deus que apenas se acredita, e nos dá o que queremos. O caráter de compromisso com o Reino instaurado por Cristo, a idéia de liberdade e responsabilidade, e a noção de comunidade participativa são aspectos de nosso Deus que quase estão sendo esquecido. As relações atuais estão passando por um artificialismo tão grande que inclusive as experiências de vida partilhada, vida de oração e atitude de integração são coisas meio que inconsistentes. Ou seja, não têm um valor de fato vivido e de comunhão. O espírito Santo mais parece uma propriedade privada que nos auxilia quando bem queremos, quando na verdade o sentido é inverso. Esse mau entendimento ou interpretação não acaba com a religião, mas destrói a religiosidade humana. Pouco se observa as palavras de Santo Agostinho que fala sobre Deus mais ou menos nestes termos em “Confissões”: Senhor Tu contém todas as coisas, mas todas as coisas não te contêm. Nisso se vê que Deus é muito mais que um ser divino milagroso, sua vontade tem uma extensão não particular, mas universal, por isso a redenção entra em termos humanos completo, ou seja, para todos que a aceita. Contudo, a luta por dignidade, liberdade, compromisso; o amor partilhado, o valor humano, as relações humanas maduras e a vida comunitária são os caminhos necessários para bem se fazer presente Jesus, de fato enraizado, na nossa história. 

O salmo 143 bem coloca a experiência de luta pela vida com Deus na comunidade, quando diz: “Bendito seja o Senhor, meu rochedo, que adestrou minhas mãos para a luta, e os meus dedos treinou para a guerra!”. Neste aspecto a fé é algo vivido, partilhado e está a serviço da comunidade. Nos tempos atuais, mais reclamamos da vida que levamos do que tentamos mudá-la. E muito pouco a partilhamos! Partilhar um dom em comunidade parece mais criar inveja e discórdia do que alegria de verdade. Os dons que se têm são mais observados para o bem pessoal do que para o bem em comum. Essa noção egocêntrica não entra na lógica cristã, uma vez que a nossa vida e tudo de bom que temos de Deus deve está ao nosso serviço e ao serviço do outro. Daí, vemos a mutua participação da unidade com a coletividade e o sentido desta na unidade. Essa espécie de vida recíproca é força motriz do testemunho cristão tão vivido nas primeiras comunidades. É claro, alguns conflitos são inevitáveis, até mesmo pela particularidade de cada pessoa, porém a harmonia deve ser mantida, pois é pelo perdão, pela reconciliação e pelo amor que somos conduzidos além de nossas limitações e tornamos de fato pessoas livres. Essa é de fato a proposta cristã.  
No evangelho de Marcos Jesus toma a frente uma atitude de resgate a vida e a dignidade da pessoa, quando cura um homem da mão seca. Muitos podem dizer: “ai tem um milagre!” Mas veja! A questão da ação restauradora do homem está em função de algo anterior. Marco coloca no contexto a ação de Jesus. A lei judaica manda guardar o sábado. A compreensão que se tinha é que neste dia nada se podia fazer, nem de bom ou ruim. Jesus critica esse pensamento e essa compreensão, pois a Lei dada por Deus de forma alguma anula a vida. Pelo contrário, ele a confirma. Daí, fazer essa ação de cura, não é nada mais do que certo. Outro ponto e não menos importante de estreita relação a isso é que a pior ação de morte que se pode ter é a de exclusão. Os doutores da Lei não se preocupam com a vida e muito menos com a inclusão, fora a deles. Existe uma espécie de prioridade e exclusivismo em suas ações cotidianas e compreensão de Deus. Jesus trás a primeira compreensão de igualdade, quando chama o homem da mão seca para o centro. Ou seja, nisso entra a importância da inclusão, e do projeto de salvação que é para todos. O último tem tamanha importância quanto o primeiro. Por isso ele também deve estar no centro. Sua cura, não entra só no sentido de milagre, mas no sentido de tratamento. Ele deve ser visto e ser tratado com o mesmo valor que qualquer pessoa. Nisso a doença e o pré-conceito não está em primeiro plano, más a integração, a dignidade, a participação e o amor. Que possamos nos transformar em pessoas mais humanas e expressivas do amor de Cristo. 

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