sexta-feira, 29 de abril de 2016

Pedro Donders e a experiência redentora: uma inspiração para às necessidades dos novos tempos.


Se o rico e extenso projeto redentorista, de origem, inspiração e espiritualidade cristológico-afonsiana, tem expressividade e continua no horizonte da América Latina[1], ou especificadamente no Brasil, isso se dá pelas pegadas firmes, reais, compromissadas e profundas que tais missionários trilharam ao longo da História até nossos tempos.

Tal percurso histórico testemunhal de “fé e vida” não pode ser esquecido e muito menos desprezado por nós que continuamos esse projeto, mas pelo contrário, deve ser visto e valorizado como fonte inspiradora para os novos trabalhos e desafios de evangelização (redentora), seja internamente na dinâmica própria da congregação, ou externamente na missão, comunhão e diálogo com a múltipla, complexa e diversificada sociedade que temos.

Reestruturação interna (e porque não externa) é a palavra que deve fazer eco na nossa vida e missão. É o que de certo modo já havia percebido e nos sinaliza São Clemente, na sua pedagogia missionária: devemos evangelizar de um modo sempre novo[2]! Reestruturação não é abandonar o antigo para ficar com o que a sociedade nos impõe, ou acredita que é certo e novo (e nisso devemos ter muito cuidado).

Podemos observar que reestruturação implica mais olhar o antigo (aquilo que nossos predecessores experimentaram e fizeram como resposta de fé e vida na História) e, com base nisto, observar os elementos que continuam sendo relevantes para os nossos tempos como resposta aos desafios da realidade. Trata-se também de uma inspiração da nossa experiência histórica, humana, espiritual, missionária, apostólica e serviçal redentorista que precisa ser atualizada, conforme os novos tempos, seus sinais de Reino e suas necessidades, para respondermos generosamente ao chamado de Deus.

É justamente essa a proposta deste artigo: olhar na experiência missionária do beato Pedro (Peerke) Donders (1809-1887) alguns elementos que marcam, sinalizam e podem até nos inspirar para atualizarmos ou revitalizarmos o projeto da redenção.

De vida comum, simples, humilde e lutadora, Pedro Donders nasce numa Aldeia de Heikan, em Tilburg, na Holanda. Seu contexto sociocultural, no século XIX, é marcado pela força contagiante da revolução industrial e social. Desde os 05 anos esse missionário já desejava ser padre e aos 12 trabalhava no microcomércio de tecelagem para sem manter e sustentar sua família[3]. Aos 22 anos entra para o Seminário como servente.

Umas das coisas marcantes da sua experiência missionária, antes de ser redentorista é a liberdade, disposição e generosidade para enfrentar uma missão na região mais difícil, complicada e de risco da América do Sul: no Suriname, em Paramaribo, na Batávia e em Coroní[4]. Tal região era marcada pela presença de comunidades de leprosos, de povos indígenas, de negros e escravos.  Era uma área periférica, de risco, abandonada social e espiritualmente.  Nesse ambiente colonial-campesino, florestal e pobre- desassistido, eram poucas as pessoas que queria ajudar na elevação da dignidade humana e redenção das almas.

A abertura pastoral, humana e missionária para essas regiões periféricas, dentre outras, continuam sendo uma marca distintiva e fundante redentorista. Cabe a nós observar que áreas da nossa região missionária é periférica, em situações de risco, e abandonada pelas forças governamentais e institucionais e até pela Igreja?. Que áreas são de extrema necessidade de evangelização da pessoa integral?[5] Essa inspiração continua sendo expressividade da nossa identidade religiosa caritativa.

A vida de oração[6] é outro elemento característico da experiência de Donders. “‘A oração era seu alimento, a respiração de sua alma. Orava sem cessar’. Não considerava a oração como um dever, mas como uma necessidade, como um momento de respiração profunda”[7]. De tal constância de fé Donders insistia para que seu povo abandonado permanecesse na oração. Porém essa persistência não era acomodada ou centralizada nele, e muito menos em um ambiente específico, mas ele muitas vezes saía para encontrar os índios e evangeliza-los: “Cada ano passava os meses da seca buscando os indígenas na selva para os evangelizar. (...) Mas nada podia detê-lo. Pedro Donders era tenaz e sempre terminava descobrindo-os”[8]. Essa experiência missionária de saída é uma constante nossa que não pode ser perdida (estado permanente de missão!).

A vida de oração não estava separada da atividade pastoral, missionária e de existência humana, mas fazia parte do seu itinerário espiritual: “Depois de dedicar-se durante as primeiras horas da madrugada à santa missa e à oração, saía para visitar sua gente. Cuidava especialmente dos recém-chegados e dos desamparados. Não se contentava com palavras piedosas e reconfortantes. Fazia até o impossível: cortava lenha, trazia água, preparava a comida, amparava os corpos enfermos..”[9]. Todas essas coisas demonstram uma integração total com a proposta redentora. Cabe a nós observarmos se nas nossas atividades apostólicas estamos trabalhando de forma integrada a fé e a vida, a celebração do mistério divino e a busca pelo valor e dignidade das pessoas humana, enquanto filhos amados de Deus.

O aspecto profético da experiência missionária de Donders é algo de significativo também nos dias atuais. Ele compreendeu bem a sua realidade e as formas de explorações dos líderes e governantes da época com o trabalho escravo. “Ai! Se a gente cuidasse dos escravos como os europeus cuidam dos animais. O que vi e ouvi vai além de toda a imaginação...Desgraçados e mil vezes desgraçados esses europeus, donos das plantações, patrões de escravos, administradores, diretores e oficiais que mantêm submisso esse povo escravo! Desgraçados os que acumulam fortuna com o suor e o sague desses desafortunados, a quem só Deus defende!”[10]. “Tudo aqui parece cooperar para a corrupção total. E não há ninguém que lute contra esta miséria. Enfrentamos aqui um rio imenso de impiedade”[11]

Essa orientação de exploração e opressão, de pecado e descaso permanece hoje de forma mais velada e sofisticada. Em muitos aspectos tais formas de opressão se institucionalizaram para disfarçar o seu caráter contrário à vida humana, à liberdade e identidade religiosa. Cabe a nós descobrir e denunciar tais caminhos que impedem a dignidade humana e a redenção na vida do povo de Deus.

A resposta profética dondersiana foi o consolo imediato e primário para o povo de Deus abandonado e carente de conversão do Surinami. Ela continua tendo tamanha importância e expressão redentora na América Latina e na realidade brasileira. “Fortes na fé, alegres na esperança, inflamados no zelo, humildes e sempre dados à oração”, segundo reza nossa constituição (art.06, §20), é uma marca distintiva de Pedro Donders na sua atuação missionária, principalmente depois que entrou na Congregação do Santíssimo Redentor. Com esta, Pedro Donders trousse grandes benefícios, esperanças humanas e espirituais para o povo da região[12]. Essa identidade pela fé no Redentor é um sinal de nossa caminhada, compromisso e total entrega ao projeto de Deus, que precisa ser atualizada e vivida nos tempos atuais de incompreensões, crises políticas, sociais e intolerância religiosa.   

A vida comunitária é outra marca do nosso humilde redentorista. “Donders não é um homem de aventura solitária, nem o grande pioneiro que foge do caminho trilhado. (...) Dizia-se que ele era uma pessoa suave, mas deve-se ver nele algo mais do que um caráter agradável”[13]. Tal observação está em consonância com o aspecto fraternal redentorista que precisa perdurar continuamente como manifestação da experiência e intimidade com Deus.

Que Deus nos conceda a cada dia a graça de continuar o seu projeto, sendo sinal de fé, luz, esperança, justiça e misericórdia para o Reino que germina no meio de nós. E que o exemplo deste beato, também referencial na América Latina e no Brasil possa nos inspirar para sermos testemunhas missionárias do Espírito Redentor que permeia nossa História. Amém!  




[1] Tema tratado por Fabriciano Ferrero no 4º capítulo, a saber, Espírito missionário de Pedro Donders, no 11º volume da coleção Espiritualidade Redentorista. Cf. URB. Secretariado Geral para a Espiritualidade. Espiritualidade Redentorista: vida espiritual do beato Pedro Donders. [trad. Pe. Clóvis de Jesus Bovo, C.Ss.R] Goiânia: Scala Editora, 2012, p.118-230.
[2] HEINZMANN, Josef. Vida de São Clemente Hofbauer: anunciando novamente o Evangelho. [Trad. Irene Ortlieb Guerreiro Cacais, Luís Guerreiro Cacais]._,_. Aparecida, Sp. Editora Santuário,1988, p. 164.
[3] Cf. URB. Secretariado Geral para a Espiritualidade. Espiritualidade Redentorista: vida espiritual do beato Pedro Donders, 2012, p.17-18.
[4] Ibidem, p. 122-127.
[5] Ibidem, p. 31.
[6] Ibidem, p. 172.
[7] Ibidem.
[8] Ibidem, p. 34.
[9] Ibidem, p.30.
[10] Ibidem, p. 28
[11] Ibidem, p. 26.
[12] Ibidem, p. 89-94.
[13] Ibidem, p. 183.

Nenhum comentário:

Postar um comentário