quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

A educação para além do capital do filósofo Istaván Mészaros.

  
Isaias Mendes Barbosa.

A obra A educação para além do capital do filósofo húngaro István Mészáros (1930)foi escrita para a conferência de abertura do Fórum Mundial de Educação em Porto Alegre no ano 2004. Essa segunda edição de 2008 inclui o apêndice: Educação: o desenvolvimento contínuo da consciência socialista. Porém nos deteremos em discorre sobre a obra em sua essência. A ideia central que Mészáros desenvolve no decorrer da obra é: promover uma educação inovadora que transforme ou supere as estruturas determinantes e impositivas da sociedade pelo capital, para, assim, promover a emancipação humana. Portanto, aqui se trata de uma educação libertadora e transformadora que vai além de um caráter pedagógico.
No início da obra, na sua parte introdutória, o autor apresenta três epígrafes ou frases que servem como premissas iniciais, ou ideias fundamentais, que concordam com todo seu argumento acerca da necessidade de um salto qualitativo no sistema educacional para uma transformação social.A primeira epígrafe, de Paracelso, apresenta a aprendizagem como uma constante na vida humana ("A aprendizagem é a nossa vida, desde a juventude até à velhice, de facto quase atéà morte; ninguém vive durante dez horas sem aprender".), a segunda, de José Martí, apresenta ideia semelhante, porém, com outros elementos cruciais e críticos que delineiam a insuficiência e incoerências do modelo educacional precedente ("Se viene a la tierra como cera, –y el azar nos vacía en moldes prehechos– Las convenciones creadas de forman la existencia verdadera… Las redenciones han venido siendo formales: –es necesario que sea nesenciales . La liberdad política no estará asegurada, mientras no se asegura la libertad espiritual. … La escuela y elhogar son las dos formidables cárceles de lhombre".). A última, de Marx, apresenta uma cisão entre os socialista utópicos e aqueles que querem superar o dramático antagonismo social vigente ("A doutrina materialista relativa à mudança de circunstâncias e à educação esquece que elas são alteradas pelo homem e que o educador deve ser ele próprio educado.Portanto, esta doutrina deve dividir a sociedade em duas partes, uma das quais [oseducadores] é superior à sociedade. A coincidência da mudança de circunstâncias eda actividade humana ou da auto-mudança pode ser concebida e racionalmenteentendida apenas como prática revolucionária".).
A obra apresenta quatro tópicos no qual o autor se detém e desenvolve as suas colocações sobre o processo de superação do capital pela educação. Cada tópico segue uma ordem e é complementar. No primeiro tópico, a saber,A lógica incorrigível do capital e o seu impacto sobre a educação, Mészáros discorre sobre a realidade social como um todo, sua lógica determinante pelo do capital e seu impacto sobre a educação. Nisso se faz relevante à relação intrínseca entre educação e capital, sendo que os processos educacionais estão estreitamente ligados ao modo de produção social: ao capital, fonte determinante do modo de relação social. O nexo entre esses dois conceito é de fundamental importância para se perceber que a mudança no sistema educacional não é possível sem uma mudança na estrutura social para além do capital. Assim, até então não foi possível mudanças na educação, pois ela esteve limitada por uma regra geral estabelecida: a do capital.
As reformas educacionais, realizadas pelos filósofos utópicos Adam Smith e Robert Owen, não tiveram êxito na promoção de uma educação inovadora, pois as reformas não romperam com a própria lógica exploradora do capital e, portanto, não transformaram as determinações fundamentais da sociedade como um todo. Segundo Mészáros apresenta, Smith destacou as consequências ou efeitos da divisão do trabalho:a alienaçãodo homem. Porém, segundo Smith, o problema central não está nas causas da alienação, mas no próprio homem, que no seu tempo de lazer, e na sua alienação adquirida, não utiliza seu tempo útil para um bom proveito da vida. Neste sentido Mészáros critica a insuficiente pretensão de Smith chegar ao problema central da alienação humana: a lógica degradante do capital. Robert Owen, outro reformista iluminista, denuncia a busca desenfreada do capitalista pelo lucro e sua visão errônea de que o trabalhador seria um instrumento de ganho. Porém a solução para essa visão comercial capitalista e sua postura exploradora sobre o trabalhador só pode ser solucionada pela razão e o esclarecimento, quando a consciência humana perceber os erros infligidos ao homem. Outro problema que Owen destaca como risco é a possibilidade da revolta humana diante das condições precárias e alienantes do trabalho. Neste sentido, as implicações da lógica do Capital, sem medidas moderadoras, corre o risco de desperta à ferocidade de caráter dos trabalhadores, ou seja, sua revolta.
Esses dois pensadores tentaram promover reformas estruturas na educação, porém, nada houve de mudanças, pois a raiz do problema não foi atingida, pois, as correções da perversidade do capitalismo não têm solução e a essência do capitalismo, sua estrutura e lógica não foi destruída. Sua história de exploração e alienação foi desvirtuada para uma ideologia falaciosa sobre o capitalismo. AssimMészáros retifica:
[...] O impacto da incorrigível lógica do capital sobre a educação tem sido grande ao longo do desenvolvimento do sistema. Apenas as modalidades de imposição dos imperativos estruturais do capital no âmbito educacional são hoje diferentes, em relação aos primeiros sangrentos dias da acumulação primitiva. (MÉSZÁROS, 2008, p.35).
No segundo tópico intituladoAs soluções não podem ser apenas formais: elas devem ser essenciais, Mészáros apresenta que a educação institucionalizada promoveu uma visão errónea que legitimou o interesse de uma classe dominante para a subordinação do homem ao sistema capitalista, sem nenhum intento em promover um caminho alternativo. Mészáros cita Fidel Castro, quando este falou sobre a falsificação da história cubana, após a guerra de independência, ensinada nas escolas. Essas deturpações ideológicas são incutidas quando estão de acordo com o sistema dominante. O pensador John Locke é citado como exemplo desse pensamento concordante com o sistema capitalista e explorador.
Por sua vez, as instituições de educação tiveram de ser adaptadas no decorrer do tempo, de acordo com as determinações reprodutivas em mutação do sistema do capital. Assim, cada instituição educacional era regida e exercia sua função de internalização dessa mentalidade, conforme as implicações do modelo econômico e dos interesses sociais predominantes. Deste modo, a tarefa da educação formal foi produzir conformidade ou consenso com a situação vigente e determinante.
As soluções formais poderiam ser invertidas desde que a lógica do capital não fosse alterada. Assim, para que houvesse uma mudança estrutural no processo de formação que promovesse consciência humana e mudança estrutural do sistema seria necessário mudar de soluções formais para essenciais.Neste sentido Mészáros escreve:
O que precisa ser confrontadoe alterado fundamentalmente é todo o sistema de internalização, com todas as suas dimensões, visíveis e ocultas.Romper a lógica do capital na área da educação equivale, portanto, a substituir as formas onipresentes e profundamente enraizadas de interiorização mistificadora por uma alternativa concreta abrangente. (MÉSZÁROS, 2008, p.47).
No terceiro tópico A aprendizagem é a nossa própria vida, desde juventude até a velhice Mészáros abrange o conceito de educação como parte integral da vida e da ação humana. Neste sentido, as reduções da aprendizagem no sistema educacional e sua divisão tradicional entre trabalho intelectual e trabalho técnico são superadas. Contra essa concepção de educação tendenciosa e elitistaMészáros apresenta a posição de Gramsci:
[...] a posição de Gramsci é profundamente democrática. É a única sustentável. A sua conclusão é bifacetada. Primeiro, ele insiste em que todo ser humano contribui, de uma forma ou de outra, para a formação de uma concepção de mundo predominante. Em segundo lugar, ele assinala que tal contribuição pode cair nas categorias contrastantes da “manutenção” e da “mudança”. (MÉSZÁROS, 2008, p.49).
Seja em relação à manutenção, seja em relação à mudança de uma dada concepção do mundo, a questão fundamental é a necessidade de modificar, de uma forma duradoura, o modo de internalizar historicamente prevalente. Romper a lógica do capital no âmbito da educação é absolutamente inconcebível sem isso.
Compreender a educação no seu sentido universal, desde o nascimento do humano, implica perceber a constituição do nosso caráter e nossa personalidade como um processo de construção que vai além do caráter formal da educação as escolas. Sem dúvida, algumas escolas que tentam limitar o sistema de aprendizagem do homem com nível puramente formal educativo-pedagógico, pode causar grandes estragos para constituição de sua personalidade, criticidade e criatividade humana. A esse intento, Mészáros faz referência ao grande literato mundial AttilaJózsef, que analisa criticamente o modelo educacional que mais se apresenta como cárcere do homem, do que libertação de sua essência. Neste sentido, a educação tem seu grande desafio de salvar o homem de um sistema educacional que o limita e aliena, pois está determinado pelas leis que regem a sociedade pelo sistema capitalista:
[...] temos de reivindicar uma educação plena para toda a vida, para que seja possível colocar em perspectiva a sua parte formal, a fim de instituir, também aí, uma reforma radical. Isso não pode ser feito sem desafiar as formas atualmente dominantes de internalização, fortemente consolidadas a favor do capital pelo próprio sistema educacional formal. (MÉSZÁROS, 2008, p.55).
Neste sentido é preciso uma contrainternalização coerente e sustentada como alternativa libertária e concretamente sustentada para superar a ordem estabelecida. Como apoio dessa ideiaMészáros faz referência a Renato Constantino, que tentou dar ênfase à tarefa histórica de produzir um sistema de educação alternativo e duradouro, completamente à disposição do povo, muito além do âmbito educacional. Assim uma educação libertadora, com práticas políticas e culturais, se faz necessária para superar a educação formal restritiva e promotora de prisão da essência humana. A emancipação pela educação que integra diversos aspectos sociais e culturais em sua ação para as mudanças sócias se faz necessária e urgente.  Libertação na educação desse processo de alienação é o caminho.
No quarto e último tópico, ou seja, n’A educação como transcendência positiva da autoalienação do trabalho,Mészáros faz referência a Marx e sua proposta emancipadora. Segundo Marx, os seres humanos devem mudar dos pés à cabeça as condições da sua existência industrial e política, econsequentemente toda a sua maneira de ser. Nesse sentido, a superação desse sistema, que promove uma educação alienada, precisa se superado poruma reestruturação radical das nossas condições de existência há muito estabelecidas, e, por conseguinte toda a nossa maneira de ser, e o papel da educação é de fundamental importância na luta por essas condições. A promoção da universalização daeducação e a universalização do trabalho como uma atividade humana auto-satisfatória é o caminho. Deste modo se dá a superação do capital pela educação e o trabalho numa democracia e num processo de universalização.

Bibliografia:


MÉSZÁROS, István.A educação para além do capital. 2ª ed. São Paulo: boitempo, 2008.

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