quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

O conhecimento: processo de interrelação entre homem e mundo.




Isaias Mendes Barbosa
09/04/2012.(Semana de Filosofia)


RESUMO
O presente artigo trata da relação entre o homem e o mundo, entendendo desta proximidade e relação como um processo constitutivo do conhecimento. Este âmbito de mútua causação constrói o ser do homem e também resulta no processo de apresentação e conhecimento da realidade e da autogênese-histórica do ser humano, como modo necessário do agir ontológico no mundo, interação esta que transforma e estende o sentido do humano, visando sua transcendência e totalização. Através do método de análise categorial do capítulo Conhecimento e historicidade, do livro Tópicos sobre Dialética (OLIVEIRA, 1997), este trabalho propõe explicitar a ordem presente na sistematização da teoria do conhecimento. Pretende-se assim explanar o sentido do conhecimento evidenciando acerca: 1º) da importância do conhecimento para a constituição do homem e sua relação com a realidade e com os outros, numa perspectiva histórica; 2º) da diferença entre a forma dialética do conhecer, a forma da filosofia clássica (lógica) e a forma da filosofia moderna (transcendental) de trabalhar o conhecimento; 3) e um breviário sobre os momentos do conhecimento humano. O direcionamento da presente pesquisa apontaram assim para perspectiva do homem aberta numa dinamicidade dialética para um eterno construir-se. Com o novo paradigma da industrialização e tecnicidade que alienou o homem dessa dialética, e o mecanizou, agora se tem um homem fadado a um processo involutivo, que estanca sua realidade aberta e totalitária de novo horizonte existencial que estar por se fazer.
PALAVRA-CHAVE
Homem- Dialética- Realidade-Conhecimento.
INTRODUÇÃO

O presente artigo trata, na perspectiva de Manfredo, do sentido do conhecimento, no qual está inserido na relação dialética entre o mundo e o homem, a fim deste se encontrar com sua totalidade da realidade em seu sentido, que se apresenta nele de forma implícita. Manfredo Araújo de Oliveira, sacerdote e filósofo, desenvolveu um artigo, “Conhecimento e historicidade” que se encontra em “Tópicos sobre dialética” que trata do  sentido do conhecimento que se dá através da via relacional de interdependência e reciprocidade entre o homem e o mundo, no seu percurso estrutural e dinâmico que ele chama de “historicidade”.
Atendo-se aqui, ao presente artigo acima citado e também aos textos adjunto na bibliografia complementares, a saber: 10 lições sobre Kant (LEITE, 2007), Antropologia Ilustrada de Filosofia: das origens à iIdade mModerna (NICOLA, 2005) e História da Filosofia Grega e Romana: Pré-Socráticos e Orfismo (REALE, 1991). Aqui pretendemos explanar o sentido do conhecimento a cerca: 1º) da importância do conhecimento para a constituição do homem e sua relação com a realidade e com os outros, numa perspectiva histórica; 2º) da diferença entre a forma dialética do conhecer, a forma da filosofia clássica (lógica) e a forma da filosofia moderna (transcendental) de tralhar o conhecimento;3º) e um breviário sobre os momentos do conhecimento humano.
A dialética abordada pelo professor doutor Manfredo está inspirada na dialética hegeliana. Para Hegel o mundo como realidade é um desdobramento progressivo de uma espiritualidade racional chamada de espírito absoluto, ou razão; esta se exprime conscientemente na natureza do homem e Ele é um momento progressivo deste mundo, ou seja, é a síntese entre o espírito e a natureza (mundo). Contudo, toda dialética hegeliana segue uma unidade em três momentos que se inter-relacionam: momento de tese, ou afirmação, de intermediação, que é a antítese ou negação, e o de síntese, ou reafirmação, a coisa no final do processo (Cf. NICOLA, 2005, p. 253-265).
Manfredo segue essa lógica para o processo do conhecimento, entendendo que neste processo o homem elabora a sua autogênese-histórica.

 1º) A importância do conhecimento para a constituição do homem e sua relação com a realidade e com os outros, numa perspectiva histórica.

O estado primeiro do homem é o de abertura. Ele é um ser aberto, contudo não definível de forma limitada, que procura fazer-se, construir-se. Esse construir-se parte a priori[1] de sua relação com o mundo[2], e do seu conhecimento e de sua ação no mesmo. Através do conhecimento, ele chega a uma não identificação como o mundo, que lhe é apresentado. Ele conhece o mundo, mas não se reconhece no mundo que lhe é apresentado, seja este mundo, o outro, a cultura, instituições, tradições, valores, ou qualquer outro objeto, ou ser. Esse não reconhecimento implica que a natureza primordial do homem, o seu ‘Eu-existencial’[3], não é intacto, determinado e fechado em si, mas tende para sua totalidade da realidade em seu sentido pleno, que faz parte dele, mas não chega a um fim último, pois é inesgotável. É importante frisar que somente quando o homem está em relação com o mundo, e daí parte seu conhecimento, é que ele poder ter um juízo do seu “Eu”, que não está no mundo, nas expressões construídas até então. Neste sentido sua não identificação com uma realidade apresentada, implica no seu Eu que só é possível pela captação do todo, de sua totalidade implícita. Portanto, surge o seu  “Não-ser”[4] no mundo, ou seja não se identificando com ele. Neste caso, o ‘não-ser’ do homem, sua não identificação com mundo, o possibilita a questionar: se eu não sou isso (que foi construído e me é apresentado), então o que sou?! Daí, ele terá que buscar uma autodeterminação.
Neste caso, chegamos à conclusão de que a relação do homem com o mundo, pelo conhecimento que este lhe apresenta, o possibilita dar um passo para si, e fazer-se, construir-se e conhecer-se na história. Portanto, a história é o momento que o homem se faz, se constrói, é o que Manfredo chama de “autogênese”[5] do homem, é o processo de totalização do homem. A história se dá na dialética entre o homem e o mundo[6], que permite o homem ter um conhecimento mediato de si decorrente do sentido percebido pelo encontro com mundo e a partir disso, ele pode perfazer uma reflexão sobre o mundo e sobre si, num processo de reconstrução de si, pela modificação da realidade, obtendo dessa realidade uma expressão nova, um novo conhecimento de si. Que por sua vez, continuamente será modificado pelo homem e reapresentado ao mesmo de forma cíclica-aspiral, a fim de fazer o homem procurar a sua totalidade, que sempre se apresenta a partir das determinações, entretanto estas se mostram parciais devido a este sentido do todo, como diz Manfredo Oliveira:

[...] O sujeito do conhecimento, como vimos, é, sempre, inserido num mundo determinado, numa tradição histórica determinada, que constitui um todo de sentido, o qual é sempre, o Donde implícito de seu conhecimento e de sua ação no mundo. Ora tal todo é o resultado do devir histórico do homem até o presente, onde se acumulam, implicitamente, as experiências do homem no mundo, no esforço de se gerar a si mesmo como homem. Isto manifesta que o homem é, enquanto aberto à totalidade, uma tarefa infinita de auto-mediação, isto é, história, daí porque a gênese do conhecimento é, essencialmente, História. (OLIVEIRA, 1997. p.28)


 2º) A diferença entre a forma dialética, a forma da filosofia clássica (lógica) e a forma da filosofia moderna (transcendental) de tralhar o conhecimento.

A forma filosófica tradicional, ou clássica trata da lógica de apreensão do objeto em sua parte essencial. A razão é o método de conhecer, compreender e  apreender o objeto (a physis) naquilo que ele é. Na história clássica da filosofia (Cf. REALE, 1991, p. 43-116) está explícito a tentativa dos filósofos de conceber o  essencial do objeto[7], que lhe dá origem, rege, dissipa e finaliza toda sua realidade. Vemos isso nos filósofos Tales de Mileto, Anaximandro, Anaxímenes, Heráclito, Parmênides, Aristóteles e Platão, entre outros.
Vejamos o comentário do princípio, esse algo essencial, que rege a ‘physis’, extraída do livro “Pré-Socráticos e Orfismo” em “História da Filosofia Grega e Romana.” Vol.1 de “Giovanni Reale”:

Em suma, o ‘princípio’ é tudo aquilo do qual as coisas vêm, aquilo pelo que são, aquilo no qual terminam. Tal princípio foi denominado com propriedade por esses primeiros filósofos (senão pelo próprio Tales) de physis, palavra que não significa “natureza” no sentido moderno do termo, mas realidade primeira, originária e fundamental;(REALE, 1992,p.48)

 Assim, a filosofia clássica trata da racionalidade para aprender a realidade objetiva das coisas, neste sentido o objeto é priorizado e tratado de forma fechada, unitária, estanque em si. Não existindo nenhuma relação entre o sujeito que conhece e o conhecido. O conhecimento passou para perspectiva ontológica. Ele não variou no modo de conhecer. O objeto-ontológico é conhecido de forma objetiva em sua parte essencial, do mesmo modo que se fazia na physis. O conhecimento se tornou uma forma objetiva e racional de captar a parte essencial do objeto, separada do sujeito. Na perspectiva de Manfredo Oliveira, a filosofia tradicional foi falha por não fazer a estreita relação entre objeto, que podemos definir como a realidade do mundo, ou aquilo que se apresenta no mundo, seja a tradição ou a forma de ser, e o homem como partes necessárias para conhecimento:

[...] A perspectiva, segundo a qual a filosofia tradicional do ocidente pensou o conhecimento não é, suficientemente, radical, por não ter partido daquilo que constitui o ser do homem em sua realidade própria.(OLIVEIRA, 1997. p.28)

Já a filosofia moderna, ou transcendental, excluiu a possibilidade de apreensão do objeto em sua parte essencial. Neste caso, o que se firmou foi a perspectiva subjetal[8] do individuo. Daí, a forma de pensar a realidade se limitou às formas do entendimento,  às categorias a priori do sujeito. A única coisa que se pode saber do objeto é a parte do fenômeno, ou seja, é como o objeto se apresenta ao sujeito e não como ele é. Essa compreensão se dá pelas categorias ‘ a priori’ inatas do homem (espaço e tempo) que se tem, pela razão, um entendimento do fenômeno ocorrido, daquilo que aparece. Partindo dessa lógica, o homem pode chegar a um juízo correto. O erro neste ponto foi seguir o sentido inverso da filosofia tradicional. Enquanto esta se depara como a forma objetiva do conhecimento do objeto, a outra se centraliza no sujeito, e não vê na esfera do conhecimento a relação entre as duas coisas, entre aquele que conhece e o conhecido.
Como diz Kant na Crítica da razão pura:

Com efeito, no que diz respeito ao primeiro aspecto, no conhecimento a priori não se pode acrescenta aos objetos nada a não ser o que o sujeito pensante retira de si mesmo e, no que diz respeito ao segundo aspecto, com referência aos princípios do conhecimento a razão pura especulativa é uma unidade que subsiste por si de um modo bem peculiar e na qual, como num corpo organizado, cada membro existe em função de todos os demais e todos os demais em função dele, e assim nenhum princípio pode ser tomado com segurança numa relação sem ter sido ao mesmo tempo investigado na sua relação universal com todo o uso puro da razão. (KANT, 1987, p.14,XXIII)

Essa forma filosófica transcendental coloca como ponto central o sujeito (puro), que pelo entendimento tem um juízo do objeto partindo de si. Neste sentido, a dialética existencial entre sujeito e objeto não se faz. Portanto, existe uma separação. O que importa não é o objeto, seja este entendido como a realidade que lhe é apresentada, ou a história e assim por diante, mas o sujeito que utilizando a razão, pelas categorias espaço e tempo, dentre outras, vai dar um juízo ao objeto fenomênico.
 Manfredo Oliveira explana abaixo, em forma sintética, o ponto negativo da filosofia moderna, que só se preocupa com o sujeito, enquanto se esquece do objeto e da relação existente:
Assim não há um sujeito puro (no sentido da filosofia transcendental) em frente a um mundo de objetos, [...]O sujeito não é uma realidade em si, sem mundo e sem história, como o Eu da filosofia transcendental, [...]. Por isto, estamos aqui muito longe da reflexão transcendental clássica (Kant, Fichte, neokantismo) na qual o Eu sempre permanecia ocupado consigo mesmo.(OLIVEIRA, 1997. p.22)

Em oposição à filosofia tradicional e à filosofia moderna, Manfredo Oliveira explana que há uma dinamicidade e reciprocidade entre o sujeito e o objeto. Não se poder analisar o objeto sem o sujeito. E não se pode compreender o sujeito sem o objeto. Uma depende do outro para existir. O objeto determina o sujeito, enquanto que o sujeito é determinado pelo objeto, porém, também o sujeito determina o objeto, que por sua vez é determinado pelo sujeito. A variação de um implica na variação do outro e vice-versa. Essa é a dialética necessária que se dá no conhecimento.
Nesta reciprocidade e dependência dialética é que se faz e refaz o homem, a cultura, a história, o mundo. Portanto, o sentido do conhecimento seque esse dinamismo. Contudo, o homem caminha para sua totalização através de mediações dialéticas entre ele e a realidade. Portanto:

Podemos contrapor nossa posição à posição da filosofia tradicional, precisamente, por tentar uma descida às raízes do humano, isto é, à história e à historicidade como a dimensão fundamental do ser do homem, onde ele se manifesta não como uma realidade para sempre definida e pré-determinada, mas como um processo de totalização através de mediações, que são suas relações dialéticas com todo real, que constituem as situações epocais diversas nas quais o homem se faz homem.(OLIVEIRA, 1997, p.12)


 3º) O momento do conhecimento humano. 

O conhecimento se dá num processo de mediação do homem com a realidade. A princípio ele é um ser aberto e está em processo de ‘advento’[9]. Isso denota seu caráter de infinita extensão construtiva. Por conseguinte, ele é também um ser em relação, ou seja, não está fechado em si, ou determinado. Por último, ele é um ser que questiona. Através disso o homem compreende o mundo, a realidade que lhe é apresentada de forma imediata[10]. Questionando a realidade que lhe é apresenta por imediato, ele chega a si, de forma indireta, no sentido de não identificação com o meio que se apresenta a ele.Porém, essa não identificação é o passo necessário, pois é dela que o ser humano deve partir para chegar à realidade concreta, para transcender aquilo que lhe é apresentado, portanto, se direcionar para a totalidade de si. Isso o possibilita seguir os passos necessários de mudanças para construir-se no mundo e com o mundo, para fazer a transição do conhecimento abstrato idealizado, para o concreto acrescentando. Portanto, existe essa relação necessária de reciprocidade entre o homem e a mundo, é o ponto fundamental para o primeiro momento do conhecimento. Neste sentido, Manfredo Oliveira faz um paralelismo de interdependência entre o sujeito e o objeto nestes termos:

O conhecimento se manifestou como mediação entre o homem e realidade. A partir dessa realidade distinguimos seus momentos: o cognoscente (o homem, sujeito) e o conhecido (a realidade, o objeto). Entre a relação e os relacionados há, sempre, uma mútua dependência, isto é, a relação depende da atualidade e posicionalidade dos relacionados como os relacionados, por sua vez, são condicionado[s]. Por sua mediação relacional. Formalmente, podemos distinguir relação e relacionados na medida em que os relacionados se manifestam como “um algo” enquanto a relação simplesmente como um “para onde” ou “entre”.            (OLIVEIRA, 1997. p.20- Grifo nosso.)

Na dialética entre objeto e sujeito ele coloca duas expressões que são definidas como ‘algo’ e ‘entre’ ou ‘para onde’. Podemos ver que a primeira se refere a um referencial de posicionamento de identidade. Daí são dois pontos distintos referidos a ‘algo’: o sujeito e o objeto. Por conseguinte, vermos uma inter-relação entre esses dois pontos que ele chama de ‘entre’, ou ‘para onde’, a relação se dá na dinâmica entre as duas partes que compõe um todo.
Existido a relação entre o sujeito e o objeto, vemos que o primeiro momento para o conhecimento se dá quando o sujeito ‘capta’ a realidade que lhe é colocada de forma imediata. Essa realidade é o Horizonte, historicamente mediado, de onde ele parte, é uma pré-noção do todo. Essa realidade, a priori é universal, porque fala de uma totalidade, porém, meio vazias de significados internos, é uma realidade que Manfredo Oliveira chama de ‘Abstrato’. O que se apresenta a mim está meio que vazio de significados, porque não me diz as particularidades e diversidades que existe nesse todo, é um todo não analisado, mas que existe em sua universalidade, em sua totalidade de forma implícita. Um exemplo simples disso é possível na expressão ‘homem’.  A princípio eu tenho esse conceito, mas o que ele me diz, além disso?! Até agora só conheço um termo que abrange uma categoria universal de diversas particularidades, que a princípio eu não sei, ou o próprio conceito não me diz diretamente.
 Manfredo Oliveira explana esse primeiro momento com essas palavras:

A experiência cognoscitiva humana não se apresenta como um puro caos sem direção, nem rumo, mas como um certo direcionamento, mais ou menos claro, para certos pontos de referência. Há, sempre, certas direções, que a orientam, porque o conhecimento, como vimos, não parte do zero, mas de um Horizonte, historicamente,  mediado.[...] O primeiro momento deste direcionamento é a captação, não reflexa,de um certo todo, que neste sentido, já nos leva a fazer uma determinada opção limitativa dentro do campo ilimitado da consciência humana. Esta opção por um determinado todo não significa, ainda, seu conhecimento pleno, mas seu início, pois ele impulsiona o pensar e todo o processo de conhecimento, como movimento, nada mais é do que o processo de determinação deste todo. (OLIVEIRA, 1997. p.32)

No segundo momento, a realidade que me foi apresentada será analisada e sintetizada.  O primeiro passo desse momento é separar  em diversas categorias o que foi apreendido, que em muitos momentos pode se apresentar opostos. Mas o ponto principal é analisar parte por parte através do processo reflexivo. O todo que antes era geral, porém sem os momentos internos de sua constituição, agora vai ser apreendido e separado, é o que Manfredo Oliveira chama de “destotalização”. Seguindo o exemplo, o que antes era ‘homem’ no sentido geral e universal, porém abstrato, no sentido de indeterminado, agora será visto em suas partes, portanto, o homem é um ser, composto de cabeça, tronco e membros. É racional, diverso qualitativamente e quantitativamente. Isso a princípio é contraditório. Como pode o homem ser grande, pequeno, ser bonito e feio?! Isso se faz a partir de qual definição?!  Daí, vemos que as coisas que se apresentam antagonicamente (Grande, pequeno, bonito, feio), se dão pelo processo de ‘relação’. O pequeno só existe porque existe o grande, o feio só existe porque existe (em relação ao) o bonito. Portanto, as particularidades da totalidade tem uma relação de ‘existência’ e ‘necessidade’ para se chegar ao todo. Esse processo se dará especificamente na sinterização. O processo de sinterização irá fazer com que o sujeito reestruture, reorganize essas partes (a priori antagônicas), dando-lhe uma nova forma e estrutura. Agora, temos o homem, que é racional, que tem um corpo, físico diversificado, porém, é as diversas expressões deste homem que o compreendemos como um todo complexo e aberto de definições.
Neste sentido Manfredo Oliveira afirma:

No princípio há um certo vazio, pois ainda indeterminação. Por isto conhecimento vai consistir, precisamente, no processo de análise dos momentos constitutivos deste todo. E este é o segundo momento do processo que poderia ser chamado de reflexivo ou, como Hegel o faz, de propriamente dialético, que é, precisamente, o processo de explicitação do todo inicialmente percebido, como algo abstrato.Tal momento, isto é, processo do conhecimento através da análise das determinações pode ser considerado, como Hegel o faz, como analítico e sintético, ao mesmo tempo. [...] Tal movimento, isto é, o processo do conhecimento através da análise das determinações pode ser considerado, como Hegel o faz, como analítico e sintético, ao mesmo tempo (WL II 491); Analítico, pois o processo reflexivo faz vir à tona, somente, o que, já, estava presente, implicitamente, no primeiro momento e sintético, porque não estava presente deste modo. (OLIVEIRA, 1997. p.22-33)

O terceiro e último processo se dá pelo retorno a totalidade abstrata, agora com a redescoberta da totalidade de uma outra forma, de uma nova estrutura, com suas particularidades em relação, com um novo significado. Este retorno para a totalidade com uma nova visão, carregada de sentidos será o momento em que a totalidade, antes universal e abstrata, agora está com um acréscimo de significados, sentidos. É o que podemos chamar de ‘concreto mediato’. Porque não é mais carente de propriedade, ou se apresenta de forma imediata, inflexível. Mas composto de síntese de determinações diversas, a unidade da multiplicidade, cheio de reflexão e com uma nova forma.  Portanto, encerremos com nosso último momento do conhecimento com as palavras de Manfredo Oliveira:

A terceira fase do processo significa, portanto, a redescoberta do processo como processo de totalização, isto é, o retorno ao ponto de partida, que, agora, não mais se manifesta abstrato, mas engordado e carregado pelas determinações alcançadas pelo processo descrito. Ele não é mais como no princípio, um simples “ponto”, um átomo na imensidão horizontal do conhecimento humano, mas, apesar de sua parcialidade, ele já se manifesta como um “conjunto”, uma “síntese de uma multiplicidade de determinações”. O conhecimento se manifesta, assim, em última análise, como a síntese de determinações múltiplas, como unidade da diferença.                                                           (OLIVEIRA, 1997. p.34)

CONCLUSÃO

Portanto, o sentido do conhecimento, na perspectiva de Manfredo, se dá pela relação entre o homem e o mundo que lhe é apresentado, numa espécie de reciprocidade e interdependência, entre os dois. Nessa relação mútua e por mediações , que se manifesta o conhecimento, o homem conhece, questiona e constrói e reconstrói o seu ser pela história. Na forma dialética de Manfredo Oliveira, diferente da tradicional e moderna, o homem e a realidade não são focados de modos separados, e estanques em si, mas existe uma totalidade unitária que se faz no fluxo-elíptico entre essas duas coisas. Trabalhar com essas duas realidades de forma separada é perder o processo que faz o conhecimento ser gerado e evoluir.
Por fim, o momento do conhecimento humano se dá nessa dialética de reciprocidade entre o homem e a realidade. A realidade se apresenta a ele, porém ela não é totalitária, mas contextual, contudo abstrata de significado, pois não se explica, mas se apresenta de forma imediata. O homem por sua vez, questiona essa realidade, e reflete sobre ela. Por conseguinte, ele a analisa e sintetiza, desestrutura e reestrutura a realidade. Por último, retorna ao primeiro momento e acrescenta a realidade um novo significado, agora não mais abstrato, mas pensado, refletido, analisado, sintetizado e reestruturado: a realidade concreta pensada. Essa forma dialética que deu sentido ao conhecimento é um paradigma que possivelmente solucionaria a situação época- atual que o homem se encontra. Hoje não se vê a atualidade como uma interação consciente entre o sujeito e a realidade apresentada a ele. Pouco se observa que tudo que temos é construção do sentido existencial do homem, na história, que nos impulsiona para um novo horizonte totalizante. Portanto, se tem um desconhecimento e negação daquilo que está aí, que atualmente é seu horizonte existencial, sem notar sua relação com a existência do homem e seu processo de transcendentalização. Um dos fatores que fez o homem estancar nesse processo dinâmico, se deu pela tecnicidade atual, na qual o indivíduo só delimita tudo para uma priorização e especificação das partes.O conhecimento se limitou a uma técnica. A visão micro é a mais explorada, para atender a um mercado capitalista. Assim, perdendo-se o processo dialético de interação, reciprocidade, transcendentalização e totalização do homem.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 

·         LEITE, Flamarion Tavares. 10 lições sobre Kant. Petrópolis, RJ: Vozes,2007.
·         NICOLA, Ubaldo. Antropologia Ilustrada de Filosofia: das origens à idade moderna[Maria Margherita De Luca].São Paulo: Globo,2005.
·         OLIVBEIRA, Manfredo. Tópicos sobre dialética. Porto alegre: Edipucrs, 1996. p.9- 41.
·         REALE, Giovanni. História da Filosofia Grega e Romana: pré-socráticos e orfismo. 9. edSão Paulo: Loyola, 1991. v. 1.




[1] Essa expressão é de Kant para designar as categorias do estado psíquico do homem. Elas são a noção de tempo e espaço. A ideia de a priori nos remete a condições de possibilidades necessárias.
[2] O mundo é “um complexo de coisas, de instituições, de cultura, isto é, de uma realidade transformada e trabalhada pelo homem, por uma comunidade de homens, que, num imenso e completíssimo processo de interação, constrói, pouco a pouco, o próprio se do homem” (Oliveira, 1997,p.11)
[3]  Isso é a junção de dois termos: o ‘eu’ como ser, pessoa e o ‘existencial’ como consciente do estado que se encontra.
[4] A definição de “não-ser” no mundo, refere-se a ilimitação, indeterminação e subjetividade do homem. O homem é o próprio construtor de si. Porém, ele não se atinge por completo, pois é subjetivo e variável. Quando ele se faz na história, ou seja, constrói seu espaço, e expressa seu ser, ele apenas demonstra uma parte sua, que está em determinado período histórico. Isso quer dizer que em sua totalidade o homem não se alcança.
[5] “autogênese” é o processo no mundo que o homem faz para se construir e reconstruir, pela história.
[6] Este mundo pode ser compreendido como qualquer coisa que esteja em relação com o homem. Seja a instituição, a tradição, os valores, a cultura, as normas, o mundo, ou ele mesmo.
[7] Isso pode ser compreendido como a realidade de todas as coisas.
[8] Termo utilizado no livro: o mau-estar na civilização de Freud. Ela remete a compreensão de subjetividade do sujeito.
[9]  Significa ‘o que estar por vir’. É a primeira característica para o ser humano transcender, ir além do que ele esta sendo.
[10] O termo imediato é uma expressão utilizada por Manfredo para denotar que a realidade  se apresenta ausente de significado e já pronta.Sem questionamentos.

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